Acórdão nº 07P3310 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução27 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS I. Após ter bebido bebidas alcoólicas desde o final da tarde, a hora não apurada da noite de 25 para 26 de Janeiro de 2006, o arguido encontrou DD na Avenida Fernão de Magalhães, em Coimbra, junto ao Centro Comercial ... II. O arguido, que sabia que ela se dedicava à prostituição e tendo em vista com ela manter relações sexuais de imediato, perguntou-lhe se pretendia "ir" com ele, ao que ela acedeu. III. Fazendo-se transportar na moto do arguido, ambos se dirigiram para um anexo da residência do mesmo sita na Rua 25 de Abril, Vilarinho, Brasfemes, do município de Coimbra. IV. Aí chegados, volvido algum tempo, por razões não concretamente apuradas, e já no exterior do dito anexo, ambos se desentenderam, passando o arguido a molestá-la fisicamente. V. DD ainda intentou defender-se, mas o arguido, enfurecido que estava, desferiu-lhe vários socos na região da cabeça e na cara, no contexto do que ela foi projectada contra um muro, vindo a bater com a cabeça num ferro aí colocado, com violência, continuando o arguido a desferir vários pontapés em diversas partes do corpo da DD e só parando quando a mesma ficou inanimada aos seus pés. VI-VII. Imediatamente a seguir, apercebendo-se da morte de DD, tendo por desiderato eximir-se do corpo e não ser relacionado com a prática do crime, arrastou-o pelo chão durante algumas dezenas de metros, através de uma vereda existente na propriedade rústica de seus pais aí existente, em sentido descendente, transportando-a por arrastamento, até um passeio da Rua da Azinhaga de Olheiro, local onde depositou o corpo, desnudado da cintura para baixo, e onde o mesmo veio a ser encontrado já de manhã. VIII. Mercê da conduta supra descrita, a vítima sofreu extensas lesões, sobretudo ao nível da cabeça (1).

IX.

O conjunto das descritas lesões crânio-meningo-encefálicas, foi causa directa e necessária da morte da DD, ocorrida nesse dia. X.

Ao actuar da forma descrita, o arguido fê-lo de forma voluntária, sabendo que de tal actuação resultavam para a vítima as lesões que determinaram a sua morte, o que quis e soube, não ignorando a ilicitude de tal conduta. O arguido é primário e encontrava-se bem inserido na sociedade à data da prática dos factos, sendo um bom trabalhador. Tendo-lhe sido fixada nos autos a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, desde Dezembro de 2006, tem estado autorizadamente a desenvolver actividade profissional remunerada, sem qualquer percalço no cumprimento da medida. O arguido tem alguns problemas com consumos excessivos de bebidas alcoólicas, ocasiões em que denota alguma violência.

A vítima nascera a 13.02.1985 [e faleceu 18 dias antes de completar 21 anos], sendo filha dos demandantes civis, AA e BB. DD morreu na condição de solteira, sem quaisquer descendentes e adoptados. À data da sua morte, encontrava-se matriculada no Curso de Formação Profissional de Hotelaria, recebendo formação na Obra Social de Torres de Vilela, pelo que auferia o montante líquido mensal de € 197,72. Do casamento dos progenitores da vítima nasceram mais dois filhos, em 06.07.1981 e 02.07.1989, respectivamente.

A vítima ainda residia em casa de seus pais, à data da sua morte apenas ocupada efectivamente pela mãe e seus irmãos, dado o divórcio recente entre os seus ditos progenitores, sendo aí que ela DD habitualmente tomava as suas refeições, dormia, procedia à sua higiene pessoal, tinha guardados os seus objectos pessoais e convivia com os demais familiares. Habitação em que a própria vítima ajudava nas tarefas de limpeza e higiene, dada a incapacidade da sua mãe que sofre de uma grande incapacidade motora que a força a deslocar-se pelo menos com "canadianas". Pela mesma ordem de razões, era a vítima que auxiliava nas demais lides domésticas, tais como a aquisição de alimentação para o agregado familiar, dando a entender à mãe que este apoio e auxílio se prolongariam no futuro e enquanto ela mãe dos mesmos necessitasse.

O decesso da DD constituiu um grande desgosto e dor para ambos os progenitores, por se tratar da filha mais velha por quem nutriam sentimentos de carinho e por ser companhia e amparo na vida doméstica. A tal corresponde presentemente com visitas frequentes ao cemitério onde a mesma se encontra sepultada. Em consequência das circunstâncias em que teve lugar o decesso de DD, resultou a perda de toda a roupa e calçado que a mesma vestia, assim como do respectivo relógio, tudo com valor de montante não concretamente apurado. O demandante pagou as despesas de funeral da vítima, em montante não concretamente apurado. Devido à incapacidade motora de que sofre a demandante BB, esta auferia uma pensão mensal no ano de 2005 de € 256,05, tendo em função da composição desse agregado familiar por 5 pessoas (os dois progenitores e os três filhos) e suas dificuldades económicas, designadamente decorrentes da situação habitual de desemprego do progenitor, passado a beneficiar no final desse ano de rendimento social de inserção do montante mensal de € 400,63, entretanto cancelado com o decesso da vítima e dada a circunstância do divórcio entre os progenitores, donde actualmente apenas subsistir a pensão da dita demandante BB. XXIV. Os murros e pontapés que foram desferidos à DD pelo arguido, bem como as consequentes lesões sucessivas para o seu corpo, foram causa de sofrimento físico e dores que se prolongaram e agudizaram até ao momento da sua morte.

Na circunstância e momento temporal supra referidos, a vítima teve uma morte rápida, mas não imediata. DD era toxicodependente desde há algum tempo, consistindo a prostituição uma forma de angariar meios económicos para a aquisição dos produtos estupefacientes que consumia. No dia 25 de Janeiro de 2006, consumiu cocaína, pelo menos uma vez».

  1. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, a Vara Mista de Coimbra, em 09Fev07, «julgou parcialmente procedente os pedidos de indemnização civil deduzidos por BB e AA, em consequência do que condenou o arguido/demandado a pagar àquela a quantia de € 45 000 e a este a quantia de € 35 500»: No que se refere aos pedidos de indemnização civil deduzidos pelos demandantes, como pais da vítima, AA e BB, de acordo com o disposto no artigo 129.º do Cód. Penal, são os mesmos regulados pela lei civil. Trata-se de responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos que acarreta a obrigação para o arguido que actuou ilicitamente nesse particular de indemnizar os lesados pelos danos resultantes do acto ilícito que praticou - cf. artigo 483.1 do Código Civil.

    In casu, verificam-se todos os pressupostos de tal tipo de responsabilidade civil, a saber: violação de direitos ou interesses alheios, o direito à vida da vítima, com reflexos na titularidade jurídica da própria e de terceiros; ilicitude, já que a conduta do lesante se traduz na prática de um acto rotulado de crime pela ordem jurídica; existe, também, o vínculo de imputação do facto ao agente, que o praticou dolosamente e a existência de um dano, que se traduz na perda do bem supremo vida a que acrescem danos indirectos para os seus progenitores e prejuízos subsequentes que determinam a necessidade de compensação pela lesão ocorrida, e, por último, um claro nexo de causalidade entre o facto e o dano. De acordo com o disposto nos artigos 562º, 563º, 564º e 566º, todos do Código Civil, vigora, em matéria de obrigação de indemnizar, o princípio da reconstituição natural, segundo o qual se deve reconstituir a situação que existiria não fora o facto danoso, em relação aos danos que provavelmente não existiriam não fora a lesão, em termos de causalidade adequada, compreendendo tal obrigação não só os danos emergentes mas também os lucros cessantes, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Também podem ser indemnizados os danos não patrimoniais sofridos, sendo que no âmbito da responsabilidade civil, são apenas os que, pela sua gravidade, mereçam, face às circunstâncias concretas do caso, a tutela do direito - cf. art. 496.º do C. Civil - sendo certo que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral. A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais depende de terem gravidade que justifique a tutela do direito (artigo 496.º do CC), isto é, o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado e, fora disso, não há lugar a indemnização. Nesta situação, os danos causados com a morte de uma pessoa são indiscutivelmente graves e justificam adequada compensação. O art. 494.3 do Código Civil estatui que "o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstancias do caso, o grau de culpabilidade do agente e a sua situação económica. Daí que se entenda que, quando estão em causa danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza mista: visa reparar os danos sofridos pela pessoa lesada e reprova ou castiga, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. Demonstrados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, resta fixar o "quantum indemnizatório", que não se restringe aos danos de natureza não patrimonial. Em primeiro lugar, reclamam ambos os demandantes o ressarcimento do dano não patrimonial constituído pela perda do direito à vida da DD, sua filha. Tal facto é imputado ao lesante em termos de dolo, porque o agente quis directamente realizar o facto ilícito, e dele derivaram danos que, em termos de nexo da causalidade adequada, são imputados à sua conduta lesiva. É hoje...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias
  • Acórdão nº 2/07.6TATBU.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2011
    • Portugal
    • Court of Appeal of Coimbra (Portugal)
    • 23 de novembro de 2011
    ...da vida Vide, entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 17-6-2004, processo 2364/04, de 13-7-2006, processo 06P2046, e de 27-11-2007, processo 07P3310.. . Não se vislumbrando que a decisão recorrida tenha afrontado qualquer uma destas regras entendemos não ser de alterar o quantitativo fixado ......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT