Acórdão nº 07P2430 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução05 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 169/05, do Tribunal Judicial de Ponte da Barca, AA, com os sinais dos autos, foi absolvido da autoria material de um crime tentado de homicídio qualificado e de um crime de omissão de auxílio, tendo sido considerados descriminalizados, face ao estatuído no artigo 115º, da Lei n.º 5/06, de 23 de Fevereiro, os factos que em sede de acusação pública foram qualificados como integrantes de um crime de detenção ilegal de arma.

Por feito de convolação, foi o arguido condenado como autor material de um crime tentado de homicídio, previsto e punível pelos artigos 131º, 22º, 23º, n.º 1, 71º e 73º, n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

O Ministério Público interpôs recurso.

São do seguinte teor as conclusões extraídas da respectiva motivação: 1. No concernente ao crime de homicídio tentado, o Tribunal recorrido interpretou as normas indicadas na acusação no sentido da sua não aplicação à situação de facto em apreço, quanto a uma qualificação desse crime.

  1. Todavia, ante os factos acusados e provados, mormente os respeitantes ao motivo do crime (resposta a questões de ciúme e desconfiança), o uso de espingarda de caça de canos cerrados, contra a esposa indefesa, a gritar e a suplicar que não lhe atirasse, com o filho menor junto a esta, desesperado, na casa de residência de todos, o apontar torturante da mesma arma e os dois disparos intervalados, proferindo o segundo mesmo depois de ter constatado os estragos físicos já provocados pelo primeiro, haveria de ter qualificado o dito crime, nos termos indicados na acusação, por todas as circunstâncias em causa revelarem especial censurabilidade.

  2. Por seu turno, no concernente ao crime relativo à arma, o mesmo Tribunal não reconheceu a sua existência, quando, vistos os factos acusados e provados, o deveria ter feito, uma vez que se está, patentemente, perante o crime p. e p. pelo então vigente artigo 275º, n.º 1, do Código Penal, por referência, sobre o conceito de arma proibida, ao disposto no artigo 3º, n.º 1, alínea d), do então vigente DL 207-A/75, de 17 de Abril, crime esse actualmente p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 2º, n.º 1, alínea s), ambos da Lei n.º 5/06, de 23 de Fevereiro.

  3. As questões acabadas de expor têm, necessariamente, reflexos na medida da pena, a impor a sua elevação, face, inclusive, à moldura penal abstracta, para um patamar não inferior a quatro anos e meio de prisão.

  4. Mostram-se, consequentemente, violadas todas as referidas disposições legais (seja s indicadas, a tal respeito, na acusação, seja, inclusive, as indicadas na conclusão n.º 3).

  5. Deverá, por isso, revogar-se o acórdão recorrido, na parte correspondente, e, assim, condenar-se o arguido pela prática do aludido crime de homicídio qualificado, na forma tentada, bem como pela prática do aludido crime de uso de arma proibida, aplicando-se, por isso, uma pena concreta total não inferior a quatro anos e meio de prisão.

    O recurso foi admitido Na contra-motivação apresentada o arguido AA formulou as seguintes conclusões: 1. Falece razão ao recorrente quer nas suas alegações quanto à não qualificação do crime de homicídio quer ainda quanto ao crime de detenção de arma defesa p. e p. pelo artigo 6º, da Lei n.º 27/97, de 27 de Junho.

  6. Quanto à não qualificação do crime de homicídio tentado não ficou demonstrado nos autos que o arguido pretendesse matar a sua mulher ou sequer que tivesse sido impedido de o fazer.

  7. A própria aquisição da arma e a sua alteração nada tiveram a ver com o acto criminoso e os factos decorreram, conforme ficou demonstrado, num curto espaço de tempo.

  8. Foi pois, um mau momento do casal, perfeitamente assumido pelo arguido em audiência, confessado e com arrependimento expresso. Eram considerados no meio e bons pais. Foi um acto irreflectido, um acto grave e censurável admitido com verdade pelo arguido.

  9. O local em nada influiu no resultado. Os meios empregues nada tiveram a ver com a ideia de morte e o arguido verificando estar garantido o socorro, saiu do local, meditou no seu acto e, quando estava em condições de assumir, entregou-se às autoridades policiais e contou o que se passou.

  10. O arguido conhece efectivamente a dimensão do seu acto, e valorizou negativamente o seu comportamento, agiu motivado pelo medo, o receio de ver destruída a sua família. O motivo da discussão era sério e estava em causa a protecção da família. O arguido praticou os factos mas interrompeu a sua acção. Tinha a arma, tinha mais munições, não foi impedido por ninguém mas não matou a mulher podendo-o fazer.

  11. O arguido não agiu por motivo fútil, irrelevante. A desproporcionalidade existe mas os motivos, tal como já foi demonstrado, são sérios e retiram-se do conjunto dos factos apurados.

  12. O meio utilizado é perigoso mas não é particularmente perigoso tanto mais que, embora o arguido tenha querido utilizar a arma, o grau de censurabilidade e de perversidade do agente no caso dos autos não é mais elevado do que seria no homicídio simples.

  13. Bem andou por isso o Tribunal "a quo" em não qualificar o crime de homicídio tentado.

  14. Quanto ao crime de detenção ilegal de arma de defesa, o mesmo encontra-se despenalizado pela entrada em vigor da Lei 5/06, de 23 de Fevereiro, conforme o estipulado no artigo 115º dessa lei.

    A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, após referência à regularidade do recurso, promoveu a designação de audiência.

    Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

    *** Delimitando o objecto do recurso verifica-se que o Ministério Público pretende seja o arguido AA condenado como autor material de um crime tentado de...

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