Acórdão nº 07P1766 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo de Loures (proc. n.º 473/03.0 JDLSB da 1.ª Vara Mista) condenou o arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso real, de: - 1 crime de abuso sexual de crianças agravado dos art.ºs 172.°, n.º 1, e 177.°, n.° 1, do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão; - 10 crimes de abuso sexual de crianças do art. 172.°, n.º 1, do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão por cada um; - 4 crimes de coacção grave dos art.ºs 154.°, n.° 1, e 155.°, n.° 1, al. b), do C. Penal, na pena de 18 meses de prisão por cada um.

    - Em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão.

    Inconformados, recorreram para a Relação de Lisboa o arguido e a assistente BB.

    Aquele Tribunal Superior, por acórdão de 1.3.2007, na procedência de uma questão prévia, rejeitou o recurso da assistente (art.ºs 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, do CPP) e, entendendo que o acórdão recorrido fizera rigorosa apreciação e valoração da prova produzida em audiência de julgamento, não ocorrendo os vícios assacados, rejeitou «em substância» o recurso do arguido por manifestamente improcedente, confirmando a sentença recorrida.

    Ainda inconformado recorreu o arguido a este Supremo Tribunal de Justiça, sem que tenha apresentado conclusões devidamente elaboradas, o que veio a fazer, depois do convite que para tal lhe foi dirigido.

    Suscita as seguintes questões: - Nulidade por omissão de pronúncia e erro na apreciação da prova (conclusões A a F e Q); - Condenação pelos crimes de coacção grave e de abuso sexual agravado contra as menores CC e DD (conclusão final e G a I); - Medida da pena (conclusões G a Q).

    Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, que se pronunciou pela confirmação da decisão da 1.ª Instância Distribuídos os autos neste Tribunal, teve vista o Ministério Público.

    Colhidos os vistos, realizou-se a audiência. Nela o Ministério Público pronunciou-se pela nulidade por omissão de pronúncia, face à inexistência de convite para correcção das conclusões, mas quanto à pena considerou-a adequada, embora se tenha afastado do caminho metodológico seguido pela decisão recorrida para a encontrar. A defesa reiterou a motivação, incluindo a questão do erro notório na apreciação da prova. Teve por exagerada a pena, lembrando a vida familiar normal até fins de 2005, sem que tivessem sido praticados quaisquer crimes e pediu a sua diminuição. A assistente sustentou que a Relação se manteve nos limites do seu poder, devendo também ter-se por afastado o crime continuado e considerando a medida da pena adequada, dado o cúmulo jurídico correctamente feito, embora sem indicações de grandes razões.

    Cumpre, assim, conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    Antes de entrar nas questões que vêm colocadas pelo recorrente, importa lembrar a factualidade apurada pelas instâncias.

    É ela a seguinte.

    Factos provados: 1 - O arguido AA é pai de CC, nascida a 6 de Fevereiro de 1993, e tio de DD, nascida a 18 de Julho de 1992 e filha de seu irmão, EE.

    2 - Até finais de 2002 ou início de 2003, o arguido AA residiu com a sua mulher, BB , e as duas filhas do casal, CC e M..., esta, então, com 4 anos de idade, na Praceta das Torres, lote...,...º C, em S. João da Talha.

    3 - Nesse mesmo prédio, mas no ....° andar, letra C, residia, também, FF, nascida a 10 de Outubro de 1991.

    4 - No prédio em frente, sito na Rua 1.° de Maio, lote ..., em S. João da Talha, residia GG, nascida a 3 de Setembro de 1992, e também a DD.

    5 - A CC, a DD, a FF e a GG eram amigas e por esse motivo era frequente encontrarem-se todas em casa da primeira para aí brincarem, quer nos fins-de-semana, quer durante a semana, à tarde ou depois do jantar.

    6 - Desde data indeterminada do ano de 2001 e até ao final de 2002, o arguido AA aproveitou a presença destas quatro menores em sua casa para nelas satisfazer os seus desejos sexuais, valendo-se da sua inocência de crianças.

    7 - Nessas circunstâncias e nesse período temporal, num número indeterminado de vezes, o arguido AA ofereceu-se para brincar com as quatro menores, sugerindo-lhes que brincassem ao "quarto escuro".

    Nessa brincadeira, levava-as para um dos quartos, normalmente o da CC, fechava a porta e os estores, e apagava as luzes, deixando o local em total escuridão.

    Depois, brincava com elas "à apanhada", procurando ele agarrá-las e elas dele fugir.

    Quando "apanhava" uma das meninas, levava-a para o seu quarto, que também estava na escuridão, onde as beijava no rosto e nas mãos e tentava beijar na boca, e as apalpava nas nádegas e região anal e nas maminhas.

    Em algumas dessas ocasiões, o arguido AA despia-se, agarrava na mão da menor "apanhada" e colocava-a no seu pénis erecto, fazendo-a acariciá-lo até que ejaculava para uma toalha.

    Noutras ocasiões, o arguido despia as crianças até ficarem de cuecas, deitava-as na cama, amarrava-lhes as mãos à cabeceira da cama, deitava-se sobre elas, estando umas vezes nu e outras vestindo, apenas, umas cuecas, e depois, enquanto as beijava e as apalpava, esfregava o seu pénis no rabo das menores.

    Noutras ocasiões ainda, o arguido AA despia-as até ficarem de cuecas, colocava-as de joelhos sobre a sua cama, debruçadas para a frente, colocava-se em pé atrás delas e esfregava o seu pénis no rabo das menores, simulando movimentos de cópula.

    Pelo menos, por uma vez, nessas ocasiões, cada uma das menores GG e FF foi a "apanhada" pelo arguido e este sobre ela praticou os actos aqui descritos.

    8 - O "jogo do quarto escuro" tinha uma "variante" em que o arguido levava as quatro crianças para o seu quarto ou para o da CC, onde lhes vendava os olhos e atava as mãos com lenços, ou atrás das costas ou à frente, consoante escolha de cada uma: as que escolhiam ser atadas à frente eram sentadas com as mãos no colo; as que escolhiam ser atadas atrás das costas eram por ele deitadas sobre a cama de barriga para baixo.

    Às que estavam sentadas o arguido colocava o seu pénis erecto nas mãos atadas e aí o friccionava; às outras, o arguido deitava-se sobre elas e esfregava o seu pénis no rabo delas.

    Por vezes, o arguido ejaculava sobre as mãos ou a barriga de uma das menores.

    Pelo menos, por uma vez, cada uma das menores GG, FF e DD foi a "apanhada" pelo arguido e este sobre ela praticou os actos aqui descritos.

    9 - O arguido utilizava ainda um outro estratagema para levar as menores para o seu quarto: um jogo a que chamava "das cordas".

    Nesse "jogo", que se desenrolava no corredor da casa, ele amarrava cordas aos puxadores das portas dos quartos e vendava as quatro menores. Depois de apagada a luz, elas tinham que apanhar uma corda e segui-la para chegar até ele. A primeira a consegui-lo ia com ele para o quarto para receber o seu "prémio", nos termos supra descritos, ou seja, o arguido despia-as até ficarem de cuecas, colocava-as de joelhos sobre a sua cama, debruçadas para a frente, colocava-se em pé atrás delas e esfregava o seu pénis no rabo das menores, simulando movimentos de cópula.

    Assim aconteceu, pelo menos, uma vez com a menor CC, sobre quem o arguido praticou estes actos.

    10 - No mencionado período, por várias vezes, a DD ficou a dormir em casa do arguido e família.

    11 - Em finais do ano de 2002 ou início de 2003, o arguido AA foi residir com a sua mulher e filhas para Santiago do Cacém, primeiro, em casa dos seus sogros e mais tarde em casa própria.

    12 - Depois de passar a residir em Santiago do Cacém, por várias vezes, o arguido convidou a DD, sua sobrinha, para ir passar o fim-de-semana ou pequenas férias em sua casa, sob pretexto de manter o contacto desta menor com as primas, suas filhas.

    13 - No dia 17 Setembro de 2003, o arguido AA regressou à sua antiga casa de residência, em S. João da Talha, na companhia da mulher e das filhas com a intenção de daí retirar e levar alguns pertences.

    Nesse dia, a CC, a DD, a GG e a FF encontraram-se em casa da primeira para brincarem.

    Quando as quatro menores estavam a ver televisão, o arguido aproximou-se da DD, puxou na sua direcção o sofá onde ela estava sentada e beijou-a na boca.

    Nessa altura, a DD disse-lhe que ia contar tudo à sua mãe.

    Em atitude e em tom de voz sérios, o arguido AA disse-lhe que, se o fizesse, lhe iria partir a boca toda, tendo a menor ficado com receio de que tal viesse a suceder.

    14 - Após a realização dos referidos jogos e da prática dos actos que lhe estavam associados, o arguido, por várias vezes, disse às menores que lhes partia a boca e desfazia a cara se contassem o sucedido a alguém.

    15 - Receando que o arguido, efectivamente, lhe batesse, a FF só em Abril de 2003 relatou à sua mãe os factos até então sucedidos.

    16 - Pelo mesmo motivo, a DD e a GG só o fizeram às respectivas mães em 17 de Setembro de 2003.

    17 - Os factos descritos provocaram sofrimento e tristeza nas quatro menores, sobretudo na CC, e afectaram negativamente o seu desenvolvimento.

    18 - Em todas essas ocasiões, o arguido agiu com perfeita noção do que fazia, com liberdade de determinação e sabendo que as suas acções eram penalmente puníveis.

    Obviamente conhecedor da idade da sua filha CC e das outras três menores, o arguido quis obrigá-las, e efectivamente obrigou, a suportar os descritos actos sexuais que sabia serem fortemente lesivos da sua autodeterminação sexual, tal como sabia que elas não tinham capacidade para entender o significado dos actos que estava a fazê-las suportar.

    Apurou-se, ainda, que: 19 - O arguido é natural de Abrantes, mas o seu processo de socialização decorreu, até aos 5 anos de idade, em Lisboa, para onde veio com os progenitores e dois irmãos.

    O ambiente familiar era de conflito entre os progenitores, que acabaram por se divorciar, levando ao desmembramento do agregado.

    Nessa altura, o arguido AA, bem como os irmãos, ficou ao cuidado de uns tios paternos, por decisão do progenitor, e por isso voltou para Abrantes.

    Até aos 11 anos de idade, o arguido esteve privado do contacto com o progenitor, que se desvinculou do seu processo educativo, bem como da progenitora, que foi proibida de o contactar.

    Nesse período, além da...

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