Acórdão nº 96P1462 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 1997
Magistrado Responsável | JOSÉ GIRÃO |
Data da Resolução | 10 de Abril de 1997 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça. No processo comum n. 223/96 do 1. Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido A, identificado a folha 197, vem acusado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, como autor, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131, 132 ns. 1 e 2, alíneas c) e g) do Código Penal e de um crime de detenção e uso de arma proibida previsto e punido pelo artigo 275, n. 2 do Código Penal, com referência ao artigo 3, n. 1, alínea f), do Decreto-Lei n. 207-A/75, de 17 de Abril. Aderindo à acusação do Ministério Público vieram os assistentes B e mulher C, com os sinais dos autos, ao abrigo do estatuído nos artigos 71 e seguintes do Código de Processo Penal deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando o pagamento de 6000000 escudos, para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. O arguido apresentou contestação escrita, na qual oferece o merecimento dos autos e alega ser pobre e de modesta condição social. Realizada a audiência de julgamento o Tribunal Colectivo decidiu do seguinte modo: - Condenou o arguido, como autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2 alíneas c) e g) ambos do Código Penal, na pena de vinte anos de prisão. - Condenou o arguido como autor material de um crime de uso e detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 275, n. 2 do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão. - Operou o cúmulo jurídico de tais penas, tendo condenado o arguido na pena única de vinte anos e nove meses de prisão. - Foi deduzido o tempo de prisão preventiva já cumprido pelo arguido desde 19 de Abril de 1996 (artigo 80 n. 1 do Código Penal). - Foram declaradas perdidas a favor do Estado as armas examinadas e descritas a folha 26 verso, ns. 3 e 4 (artigo 109, n. 1 do Código Penal). - Foi julgado procedente, por provado, o pedido de indemnização civil e assim o arguido foi condenado a pagar aos assistentes o montante de 6000000 escudos (seis milhões de escudos) a título de danos não patrimoniais, sendo que 3000000 escudos (três milhões) são devidos pela perda do direito à vida da ofendida; 1500000 escudos (um milhão e quinhentos mil escudos) pelo sofrimento directo de cada um dos assistentes e devido a cada um deles. Ao montante global de 6000000 escudos (seis milhões de escudos) acrescem juros legais desde a notificação e até integral pagamento à taxa anual de 10 porcento. - Condenou ainda o arguido nas mais alcavalas legais. Inconformado o arguido interpôs recurso, como se mostra de folha 217. Na motivação, conclui: - O Tribunal "a quo" baseou-se no auto de interrogatório do arguido de folhas 11, 12 e 13, cujas declarações foram prestadas perante o Ministério Público. - Ora o artigo 355, n. 2, do Código de Processo Penal apenas admite como prova, para além daquelas que forem examinadas em audiência, as declarações prestadas pelo arguido que forem lidas a sua solicitação em audiência, ou que tendo sido prestada perante o juiz, apresentam contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência de julgamento. C - O Tribunal "a quo" ao basear-se em declarações anteriormente prestadas pelo arguido perante o Ministério Público, as quais utilizou para formar a sua convicção, designadamente quanto ao desejo ou instinto sexual daquele, violou o disposto no artigo 357, n. 1 alínea b) do Código de Processo Penal. - Tal atitude do Tribunal "a quo" encerra nulidade, nos termos do n. 2 do artigo 357 do Código de Processo Penal, com referência ao n. 8 do artigo 356. - O legislador afastou a possibilidade de leitura das declarações do arguido anteriormente prestadas perante o Ministério Público, por se entender que o Ministério Público é parte ou sujeito processual. - Mas mesmo que se pudesse considerar que tais declarações foram prestadas perante o juiz, não podiam igualmente as mesmas ser utilizadas, designadamente como o foram para formar a convicção do Tribunal. - O artigo 357, n. 1, alínea b) refere que a leitura de tais declarações só é possível, se a solicitação do arguido, ou se houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as prestadas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo. - No entanto as declarações prestadas anteriormente e em audiência, quanto ao relacionamento que existia entre o arguido e a vítima, são antagónicas, uma vez que naquelas o arguido disse que manteve relações sexuais com a D e tinha um caso com ela, e nestas disse que nunca manteve relações sexuais com a vítima nem com ela namorou. - Ora o tribunal ao concluir que o arguido agiu determinado pelo desejo ou instinto sexual, foi influenciado pelas declarações anteriormente prestadas pelo arguido e agravou a sua conduta. - O douto acórdão recorrido padece do vício de inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, devendo o julgamento ser anulado e o processo reenviado para novo julgamento. - O tribunal "a quo" erradamente afastou a aplicação do Decreto-Lei n. 401/82, de 23 de Setembro, o qual consagra um regime especial para jovens delinquentes com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos. - Visa tal diploma legal a reinserção social plena do jovem criminoso, procurando que a pena aplicada sirva para este modelar a sua personalidade, adequá-la às normas sociais vigentes e entender e aceitar as regras de conduta vigentes. - Pretendeu o legislador afastar a possibilidade de o cumprimento de uma pena de prisão de grande dimensão, contribuir para afastar definitivamente do convívio social o jovem delinquente e impedir de forma definitiva a sua recuperação e reinserção social. - Os factos dados como provados e relativos à personalidade, condição sócio-económica, situação profissional e familiar, bem como a sua colaboração antes e durante a audiência de julgamento para a descoberta da verdade material, uma vez que confessou parcialmente os factos, indiciam que o arguido poderá ser socialmente recuperável, pelo que importa facultar-lhe os meios para que psicologicamente se sinta estimulado, de molde a compreender e a aceitar as regras sociais de conduta estabelecida. - A personalidade do arguido resulta de uma infância e adolescência marcada pela influência negativa do pai, sendo certo que cedo iniciou actividade profissional, pelo que as penas aplicadas, ao invés de contribuírem para a reinserção deste, antes o afastarão definitivamente do convívio social. - Os factos praticados pelo arguido ocorreram quando este tinha 19 anos de idade, tendo sido de imediato recluído, sendo certo que com a pena ora aplicada este permanecerá, até sensivelmente os seus 35 anos, encarcerado. - Tal facto contribuirá de forma decisiva para o descrédito do arguido em poder vir a ter algum dia uma vida social sadia, e poderá ampliar o seu comportamento desviante, pelo que ao sair em liberdade com essa idade, tenderá a cometer novos crimes, pela impossibilidade de reinserção...
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