Acórdão nº 048717 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 1997

Data05 Março 1997
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1- Perante o tribunal colectivo na comarca Celorico da Beira e em processo comum foram submetidos a julgamento os arguidos, A, casada, empregada de limpeza, nascida a 1 de Agosto de 1966, na Guarda, residente na Figueira da Foz e B, casado, construtor civil, nascido a 9 de Janeiro de 1939 em Vila Fernando, Guarda e aí residente; acusados pelo Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público da prática, em co-autoria material, de um crime de ofensas corporais graves, agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 145, n. 1 e 143 alínea b), do Código Penal de 1982, tendo sido deduzido pedido de indemnização pela assistente C no montante de 6060000 escudos. 2- Por acórdão de 31 de Março de 1995, foram os réus condenados, em co-autoria, pela prática de um crime de ofensas corporais agravadas pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 144, n. 2 e 145, n. 1 do Código Penal, nas penas de dois anos e dez meses de prisão, a A, e três anos e quatro meses de prisão, o B. 3- Foram declarados perdoados dois anos de prisão a cada um dos arguidos, nos termos dos artigos 14, n. 1, alínea b) da Lei 23/91 de 4 de Julho e 8, n. 1, alínea d) e 4 da Lei 15/94, de 11 de Maio. 4- Como indemnização a favor da assistente, foram os arguidos condenados solidariamente na quantia de 2750000 escudos. 5- Recorreu a arguida A, concluindo na sua motivação: 5.1. A aguardente não é por si só e como tal um meio particularmente perigoso, nem é meio mais perigoso do que o tabaco, o "piri-piri", a pimenta; 5.2. A "quantidade" não faz parte do meio, instrumento ou objecto para efeitos de o inserir na letra e espírito do n. 2 do artigo 144 do Código Penal; 5.3. Meios particularmente perigosos (além dos de perigo comum são facas, navalhas, objectos cortantes, garrafas, picaretas, machados, forquilhas, lâminas, estadulhos, pistolas e outros que pela sua própria construção e natureza representem sempre um perigo na sua utilização comum; 5.4. O crime decorrente dos autos não é de ofensas corporais com dolo de perigo agravados pelo resultado, mas sim o crime de ofensas corporais simples agravado pelo resultado; 5.5. O dolo é eventual quanto ao crime de ofensas corporais e, quanto ao resultado, a negligência é inconsciente; 5.6. A pena deveria aproximar-se do mínimo legal, nunca mais de um ano, pelo que está cumprido em oito meses e o restante amnistiado; 5.7. Se se mantiver o tipo legal de crime do acórdão recorrido, então há que verificar a pena e baixá-la para próxima do mínimo legal, o que, na precisão do acórdão recorrido, seria de 2 anos; 5.8. A confissão relevante, sinais de sincero pesar, arrependimento, amizade e afecto pela infeliz D, dois filhos menores a cargo (tenra idade), desamparada do marido, primária, bem comportada (antes e depois dos factos) e condição social e económica humilde merece que não regresse à cadeia; 5.9. Saída do estabelecimento prisional em 1990, volta agora para cumprir dois meses após mais de quatro anos, não facilita a reinserção já completa, pelo contrário; 5.10. Nunca a pena deverá ultrapassar o tempo cumprido somado aos "perdões"; 5.11. Violou, ou interpretou mal, o acórdão os artigos 144, n. 2 e 145, n. 1, 142, 48 e 72, todos do Código Penal e 410, n. 1 do Código de Processo Penal. 6- Recorreu também o arguido B, o qual conclui na motivação: 6.1. O acórdão recorrido não está devidamente fundamentado quanto à matéria provada. Foi violado, entre outros, o disposto no artigo 374, n. 2 e 379 do Código de Processo Penal; 6.2. A confissão da arguida não consta da acta de audiência de julgamento. Foi violado o disposto no artigo 344 do Código de Processo Penal; 6.3. Todos os factos tipificados do crime pelo qual o arguido vinha acusado foram dados como não provados. É insuficiente a matéria que restou da acusação. Foi violado o disposto no artigo 47, n. 2, alínea a) do Código de Processo Penal; 6.4. O arguido foi condenado por factos havidos constantes da pronuncia, em violação do disposto nos artigos 385 e 359 do Código de Processo Penal; 6.5. Só pode ser condenado pela prática do crime previsto no artigo 144, n. 2 do Código Penal o agente que tenha utilizado meio objectivamente perigoso. A aguardente não é meio objectivamente perigoso. Foi violado o disposto no artigo 144, n. 2 do Código penal; 6.6. O recorrente configura nos autos a prática do crime por cumplicidade e não por co-autoria. Foi violado o disposto nos artigos 26 e 27 do Código Penal; 6.7. A descrição factual dos autos deverá, em caso de condenação, conduzir à punição por homicídio negligente. Foi violado o disposto no artigo 136 do Código Penal; 6.8. Por não ter sido provada a intenção dos arguidos em afectar a saúde ou os sentidos da vítima, não podem os arguidos ser condenados por crime de ofensas corporais. Foi violado o disposto no artigo 410, n. 2, al:nea b) do Código de Processo Penal; 6.9. A dosimetria da pena deve levar em conta o grau de culpa do agente. Verificando-se que a arguida, condenada a menos meio ano que o recorrente, praticou os actos de execução do crime, aos quais o recorrente terá assistido, a culpa dele é menor, merecendo assim menor reparo criminal. Foi violado, entre outros: o disposto no artigo 72 do Código Penal; 6.10. Deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser proferida decisão que contemple as conclusões anteriores. 7- Na resposta às motivações, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público na 1. instância pugna pela confirmação da decisão recorrida. Com os vistos legais e audiência de julgamento, cumpre decidir. 8- A matéria de facto que vem assente pela 1. instância é a seguinte: 8.1. A partir de data não concretamente apurada do ano de 1989, o arguido B passou a manter relações sexuais com a arguida A; 8.2. Para esse efeito os arguidos encontravam-se, geralmente, numa casa que o arguido B trazia em construção, no Bairro da Luz, Guarda, a cerca de quatrocentos metros da casa onde habitava a arguida, situada no mesmo bairro; 8.3. Os encontros decorriam, em regra, ao fim de semana, a horas variáveis; 8.4. Então o agregado familiar da arguida era composto por ela, pelos seus dois filhos de quatro e três anos de idade e pelo seu marido, o qual, contudo, se encontrava frequentemente ausente, no Algarve, onde trabalhava na construção civil, aí permanecendo por períodos variáveis; 8.5. No dia 3 de Março de 1990, cerca das 20 horas, o arguido foi procurar a arguida em casa desta, no mencionado bairro da Luz; 8.6. Quando aí chegou, constatou que na casa também se encontrava a menor D, filha de C, companheira do pai da arguida; 8.7. Não obstante, o arguido entrou na casa e começou a conversar com a arguida; 8.8. Passado algum tempo, porque pretendiam manter relações sexuais e não queriam que a D de tal se apercebesse, os arguidos, de comum acordo, decidiram dar-lhe a beber aguardente para a embriagarem e adormecerem, assim a tornando inconsciente; 8.9. A arguida deitou então, num copo, uma quantidade não determinada de aguardente e entregou-a à D; 8.10. De imediato, os arguidos incitaram a D a beber a aguardente, o que animou esta a fazê-lo; 8.11. Deste modo a D ingeriu uma quantidade de aguardente que lhe causou uma taxa de alcoolemia no sangue de 4,87 gramas por litro; 8.12. A...

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