Acórdão nº 96P813 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Fevereiro de 1997

Data06 Fevereiro 1997
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Processo n.º 813/96. - Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido naquele Tribunal da Relação em 27 de Março de 1996, no processo n.º 168/96, 4.ª Secção, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, pelos fundamentos que se expõem: a) No citado aresto de 27 de Março de 1996 decidiu-se que, com a entrada em vigor do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, designadamente pelo seu artigo 275.º, a doutrina do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 1989 se encontra prejudicada, não sendo actualmente punível a posse de pistola com calibre de 6,35 mm quando o seu possuidor não seja titular de licença de uso e porte de armas, não estando esta registada ou manifestada; b) Em Acórdão da mesma Relação de 24 de Janeiro de 1996, proferido no processo n.º 1053/95, 1.ª Secção, havia sido decidido que, não obstante a revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, o referido assento do Supremo Tribunal de Justiça mantinha-se em vigor e que a detenção e posse de arma de calibre 6,35 mm e de cano com 6 cm sem manifesto nem registo é arma proibida e penalmente punível nos termos do artigo 275.º do Código Penal revisto; c) As decisões em confronto transitaram em julgado e foram proferidas no domínio da mesma legislação, tendo encontrado soluções jurídicas opostas sobre a mesma questão de direito.

Por tais razões, pretendeu-se a intervenção deste Tribunal no âmbito da sua função uniformizadora de jurisprudência para se solucionar o problema da invocada oposição de acórdãos.

Foi o recurso recebido pela forma legal, tendo sido ouvido o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal e foram corridos os respectivos vistos.

Pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Outubro de 1996 foi decidido que os dois acórdãos proferidos pela mesma Relação estão em oposição sobre a mesma questão de direito, apresentando soluções opostas quanto a ela, e foram proferidos no domínio da mesma legislação.

Tendo ambos os arestos transitado em julgado, considerou-se que estavam reunidos os pressupostos dos artigos 437.º, 440.º e 441.º do Código de Processo Penal, pelo que se determinou o prosseguimento dos autos.

Foi dado cumprimento ao artigo 442.º, n.º 1, do referido diploma processual e, na sequência das notificações, foram apresentadas as mui doutas alegações do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, perfilhando a tese da caducidade do assento e da descriminalização.

Na referida alegação propõem-se as seguintes fórmulas para a fixação de jurisprudência, neste caso: 1) Uma pistola de calibre 6,35 mm não manifestada nem registada não é considerada arma proibida, pelo que a sua detenção, uso ou porte não integram o crime previsto no artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março; 2) A detenção, uso ou porte de uma pistola de calibre 6,35 mm não manifestada nem registada não constitui o crime previsto e punível pelo artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal revisto, preceito que fez caducar o assento de 5 de Abril de 1989.

A questão tal como, em síntese, resulta dos acórdãos em oposição.

1 - No acórdão recorrido.

Era imputado ao arguido a prática em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 260.º do Código Penal de 1982, por, alegadamente, em 22 de Março de 1995, ter sido encontrado na posse de uma pistola de calibre 6,35 mm sem que tal arma se encontrasse registada ou manifestada.

Chegou a ser designada data para julgamento, mas o Mmo. Juiz ordenou, oportunamente, o arquivamento dos autos com o fundamento de que, com a entrada em vigor, em 1 de Outubro de 1995, do novo Código Penal, só passaram a ser criminalmente puníveis, face à redacção do seu artigo 275.º, a detenção e uso de armas de fogo consideradas proibidas, ficando de fora as restantes armas de fogo permitidas que se encontrem simplesmente indocumentadas, mostrando-se desse modo caduca a doutrina do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 1989. Tendo havido recurso, foi chamado o Tribunal da Relação a pronunciar-se, e, pronunciando-se, perfilhou a tese do despacho recorrido, abonando a sua posição no facto de, na sua óptica, da leitura da acta n.º 32 da Comissão Revisora do Código Penal, de 17 de Maio de 1990, o presidente da Comissão ter tomado posição quanto à doutrina do assento então em vigor e referido que «uma arma indocumentada (falta de manifesto, não registada) mas permitida deve receber uma protecção contra-ordenacional e não penal. Só as armas proibidas devem ser alvo de reacções criminais».

2 - No acórdão fundamento.

O arguido, em 16 de Outubro de 1995, tinha na sua posse uma pistola de calibre 6,35 mm com o cano de 6 cm sem que estivesse manifestada ou registada, tendo sido apresentado ao Mmo. Juiz para ser julgado em processo sumário. O magistrado ordenou o arquivamento dos autos por considerar a conduta do arguido descriminalizada à luz do artigo 275.º, n.os 1 e 2, do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março. Interposto recurso, veio o Tribunal da Relação a conhecer do mesmo e, conhecendo, revogou o despacho de arquivamento e ordenou a sua substituição por outro em ordem à realização do julgamento. Entendeu que, embora na Comissão Revisora do Código Penal se tivesse abordado «a necessidade de uma boa legislação sobre armas, onde, nomeadamente, se fosse colher a definição de armas proibidas e prever as respectivas punições», ficou-se pela abordagem, não tendo passado a definição de arma proibida e a posição assumida pelo seu presidente, Prof. Doutor Figueiredo Dias, não transparece na redacção dada em definitivo no artigo 275.º do Código Penal e daí que esteja em vigor o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 1989.

Fundamentos e decisão.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

É indubitável que, no caso em apreço, como foi decidido na conferência, verifica-se oposição entre os dois mencionados acórdãos. Também se verificam os demais requisitos exigidos pelos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código de Processo Penal.

Como se apreende do que atrás tem vindo a ser referido, o problema a resolver consiste em saber «se a detenção, uso e porte de uma pistola de calibre 6,35 mm não manifestada nem registada constitui o crime previsto e punido pelo artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, tendo caducado o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 1989, o qual interpretou o artigo 260.º do Código Penal de 1982 no sentido de que «a detenção, uso e porte de uma pistola de calibre 6,35 mm não manifestada nem registada constitui o crime previsto e punível pelo artigo 260.º do Código Penal de 1982».

Mas, a questão é mais profunda e referencia-se com o problema de saber se a detenção, uso e porte de armas de fogo permitidas e não manifestadas nem registadas é passível de constituir infracção criminal ou, antes, ilícito de mera ordenação social.

Debrucemo-nos, então, sobre a questão colocada nos autos.

Esta problemática já havia dividido a jurisprudência na vigência do artigo 260.º do Código Penal de 1982.

Havia uma corrente que considerava integrada nesta norma - artigo 260.º do Código Penal de 1982 - a falta de manifesto ou de registo de uma arma de defesa, havendo outra que não considerava ilícito criminal aquela falta de manifesto ou de registo (a título de exemplo, e só para citar a 2.ª instância, no primeiro sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa de 17 de Abril de 1985, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 353, p. 502, e de 22 de Maio de 1985, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 354, p. 603; no segundo sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra de 12 de Fevereiro de 1986, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 354, p. 621, e de 11 de Junho de 1986, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, p. 614).

Tal divergência veio dar origem ao assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 1989, in Diário da República, 1.ª série, n.º 109, de 12 de Maio de 1989, e cujo sentido já acima expusemos.

Mas, a doutrina fixada nos assentos vale para a relação concreta que serviu de base à decisão. Sendo assim, e segundo o assento, na previsão do artigo 260.º do Código Penal de 1982 apenas se integraria a detenção, uso ou porte de pistola de calibre 6,35 mm não manifestada nem registada e não outras armas. Mas, considerando a...

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