Acórdão nº 97P965 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 1997

Data29 Janeiro 1997
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - No Tribunal de Círculo de Sintra responderam A, casado, operário de fundição natural de Ventosa, Torres Vedras e residente na Rua .... Queluz; B, solteiro, motorista, natural de Moçambique e residente em Mem Martins; e C, solteiro, sem profissão, natural de Queluz, onde reside na Rua ...., todos com os restantes sinais dos autos, acusados pelo Ministério Público da prática dos seguintes crimes: a) O primeiro, na forma continuada, do previsto no artigo 21, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência aos artigos 30, n. 2 e 78 do Código Penal; e de um crime de receptação previsto e punido no artigo 329, n. 1, deste último Código, o de um crime de falsas declarações previsto e punido no artigo 402, n. 1, do mesmo Código com referência ao seu artigo 141, n. 3. b) O segundo, do previsto no artigo 40 do citado Decreto-Lei 15/93 e, a título de cumplicidade no crime de tráfico previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo 21, n. 1 e dos artigos 27 e 74 ambos do Código Penal. c) O terceiro do previsto no artigo 40, ainda do Decreto-Lei n. 15/93 (consumo de estupefacientes). Pelo acórdão de 21 de Maio de 1996 (folhas 237 - 252 dos autos) foi decidido: d) Julgar improcedente por não provada a acusação deduzida contra o A no tocante ao crime de receptação, ao crime de tráfico imputado ao B e ao crime de consumo imputado ao C, absolvendo-os e mandando-os em paz. e) Julgar, no mais, procedente por provada a acusação e, em consequência, imputar ao A a prática, em co-autoria material e em concurso real de um crime de tráfico de estupefacientes, na modalidade de venda, previsto e punido no citado artigo 21, n. 1 do Decreto-Lei 15/93, com referência à Tabela I-A a este anexa, condenando-o na pena de cinco anos e cinco meses de prisão; e um crime de falsas declarações previsto e punido pelo artigo 22, parágrafo 1 do Decreto-Lei 33725 de 21 de Junho de 1944, condenando-o na pena de três meses de prisão. f) Revogar o perdão de um ano de pena que lhe foi imposta no Processo 158/94.6 do Tribunal de Círculo de Torres Vedras, por verificação da condição resolutiva do artigo 11 da Lei n. 15/94 de 11 de Maio, cometimento de crimes dolosos nos três anos subsequentes à publicação desta Lei e, operando o cúmulo das penas impostas com o remanescente de três anos e três meses da pena imposta naquele processo, condená-lo na pena única de sete anos de prisão. g) Imputar ao B a prática de um crime de consumo de estupefacientes - (artigo 40 do Decreto-Lei 15/93) - e condená-lo na pena de 45 dias de prisão substituída por igual número de dias de multa à taxa de 250 escudos por dia, perfazendo a multa de 11500 escudos. h) Declarar perdidos a favor do Estado, nos termos dos artigos 35 e 36 do Decreto-Lei 15/93, os objectos apreendidos e descritos no auto de exame de folhas 24 - 26. i) Ordenar a oportuna destruição da droga apreendida. 2 - Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal o Ministério Público e o arguido A. O primeiro limitou o recurso à parte do acórdão que condenou o segundo pelo crime de falsas declarações. O segundo pretende impugnar igualmente essa parte da decisão e questionar a qualificação jurídico-penal dos factos bem como a medida da pena. São as seguintes as conclusões da motivação do recurso do Ministério Público: 2.1. O artigo 342 do Código de Processo Penal foi alterado pelo Decreto-Lei n. 317/95, de 28 de Novembro de 1995, que lhe fez desaparecer o n. 2. 2.2. Pelo que o arguido, na fase de julgamento, não é agora obrigado a responder e muito menos com verdade, aos seus antecedentes criminais. 2.3. Alteração ditada pela necessidade de fortalecimento das garantias de defesa do arguido e da sua dignidade - o que assenta em claros imperativos constitucionais - conforme expressamente se refere no preâmbulo do referido Decreto-Lei. 2.4. Dando-se, assim, provimento às críticas que apontavam no sentido de tal norma, na redacção originária, contrariar o princípio da inocência do arguido em Processo Penal e violar as suas garantias de defesa, ambos com assento constitucional. 2.5. A alteração em causa e a respectiva fundamentação valem, porém, para todas os dispositivos legais que imponham ao arguido o dever de prestar declarações, com verdade, sobre os seus antecedentes criminais, independentemente da fase processual a que se refiram. 2.6. Designadamente para o artigo 141, n. 3, do Código de Processo Penal. 2.7. Os mesmos danos imperativos constitucionais fazem que tal norma - por idênticas razões - contrarie também o princípio da presunção de inocência do arguido e viole as suas garantias de defesa. 2.8. E nomeadamente porque: 2.8.1. O princípio da investigação é condicionado pelo princípio do contraditório também na fase de inquérito, devendo conter-se perante o núcleo fundamental do direito de defesa. 2.8.2. O conhecimento dos antecedentes criminais do arguido, referindo-se à perigosidade criminal anterior e à linha de conduta pessoal do agente, é elemento que contribui para dimensionar o facto concreto que lhe é imputado, ainda que em 1. interrogatório Judicial. 2.8.3. De uma perspectiva sociológica, tal conhecimento pode criar, no Merítíssimo JIC, uma presunção empírica de culpa do agente. 2.8.4. A obrigatoriedade de o arguido responder com verdade aos seus antecedentes criminais, em 1. interrogatório judicial, viola o direito ao silêncio de que goza nos termos do artigo 61, n. 1, alínea c) do Código de Processo Penal, relativamente aos factos que constituem o objecto do processo. 2.8.5. Na verdade, os antecedentes criminais repercutem-se no juízo sobre a personalidade do arguido manifestada no facto, que é, indiscutivelmente, objecto do processo. 2.8.6. Tal obrigatoriedade impõe, ao arguido, restrições não justificáveis pela absoluta necessidade de alcançar a verdade material quanto ao facto imputado. 2.8.7. E condiciona a sua estratégia de defesa, impondo-lhe que preste declarações sobre os antecedentes criminais num momento processual que por isso pode ser prejudicado. 2.9. Na verdade, sendo os antecedentes criminais, indiscutivelmente, factos relativos à personalidade, carácter e conduta anterior do arguido, a sua resposta a essa matéria - embora na medida do estritamente indispensável - destina-se (também) à prova dos elementos constitutivos do crime, nomeadamente à culpa do agente, ou para a aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial artigo 182 n. 2, "ex vi" do artigo 140, n. 2, do Código de Processo Penal. 2.10. Sendo certo que a aplicação daquelas medidas de coacção deve, em concreto, preencher os requisitos gerais previstos no artigo 204 do Código de Processo Penal e estes sê-lo-ão - na larga maioria das vezes, para não dizer todas as vezes - exclusivamente pelo recurso aos seus antecedentes criminais, factos que, obrigatoriamente e com dever de verdade, o arguido deve comunicar. 2.11. De onde resulta serem os antecedentes criminais elementos potenciadores e fundamentadores da aplicação de medidas restritivas da liberdade e co-indiciárias da prática dos factos que lhe são imputados. 2.12. Desta sorte se violando o direito ao silêncio de que goza em todas as fases do processo se condicionando eventualmente, a sua estratégia de defesa, se impondo restrições não justificáveis pela necessidade de alcançar a verdade material e se obrigando o arguido a prestar declarações sobre factos que, indirecta, rectius directa ou reflexamente, o podem prejudicar na sua liberdade. 2.13. Assim sendo, as razões que determinaram a eliminação do n. 2 do artigo 342 do Código de Processo Penal são rigorosamente as mesmas que deveriam ter levado à eliminação do n. 3 do artigo 141, do mesmo Código - na parte em causa - o que não terá sido feito apenas por lapso do legislador. 2.14. Sendo esta a única interpretação que, conformando-se com os imperativos constitucionais na matéria, simultaneamente e concretamente é a mais favorável ao arguido. 2.15. Tanto mais que, no caso concreto e conforme se deu como provado no Acórdão ora impugnado, o Arguido omitiu deliberadamente a condenação anterior na situação de obter um tratamento mais benevolente no que respeita à medida de coacção que lhe iria ser aplicada após o 1. Interrogatório Judicial. 2.16. Pelo exposto, deveria o arguido A ter sido absolvido da prática do crime previsto e punido no artigo 22 e parágrafo primeiro do Decreto-lei 33725 de 21 de Junho de 1944, atento o disposto no artigo 2, n. 2, do Código Penal. 2.17. Optando pela sua condenação pelo referido crime, o douto Tribunal Colectivo violou estas últimas normas legais e, por erro de interpretação e aplicação, ainda o disposto no artigo 141, n. 3, do Código de Processo Penal. 2.18. Dando cumprimento ao disposto no artigo 412, n. 2, alínea b) do Código de Processo Penal, dir-se-á que o Tribunal Colectivo interpretou e aplicou o artigo 141, n. 3 no sentido de o mesmo se manter integralmente em vigor apesar das alterações que o Decreto-Lei 317/95 de 28 de Novembro de 1995 introduziu no Código de Processo Penal e da respectiva fundamentação, devendo tal norma ter sido interpretada e aplicada no sentido preconizado pelo recorrente. 2.19. Termos em que se deverá conceder provimento ao recurso e, em consequência decretar a absolvição do arguido da prática do crime de falsas declarações previsto e punido no artigo 22 e parágrafo 1 do Decreto-Lei 33725, de 21 de Junho de 1944, com as inerentes e legais consequências. 3 - Conclusões da motivação do arguido A: 3.1. O Acórdão agora em crise aplicou ao caso em análise o artigo 22, 1. parágrafo do Decreto-Lei 37725 de 21 de Junho de 1944. 3.2. Tal preceito havia sido expressamente revogado pelo artigo 45 da Lei 12/91, de 21 de Maio (Lei da identificação civil e criminal) e inexistindo lei que tipifique o crime, não pode o arguido ser punido. 3.3. Tão pouco se pode fazer, como faz o douto acórdão recorrido, alusão ao actual artigo 359, n. 2, 2, do Código Penal, pois tal...

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