Acórdão nº 047850 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 1996

Magistrado ResponsávelCOSTA PEREIRA
Data da Resolução03 de Outubro de 1996
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os juízes que compõem a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Relatório.

O Ex. Procurador-Geral-Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido no processo n.º 33340, nos termos e com os fundamentos seguintes: No acórdão recorrido considerou-se que o artigo 2. do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, que pune como crime a condução sob o domínio do álcool com uma TAS superior a 1,2 g/l, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, que aprovou o novo Código da Estrada, por este prever a mesma conduta como contra-ordenação no artigo 87., n.º 2.

Porém, o Acórdão de 12 de Outubro de 1994 do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 568/94, da 2. Secção, decidiu em sentido contrário, ou seja, que a condenação com uma TAS superior a 1,2 g/l continua a ser criminalizada pelo citado artigo 2. do Decreto-Lei n.º 124/90, preceito que se manteria em vigor.

E assim, por se tratar de decisões opostas relativamente à mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação, e não havendo lugar a recurso ordinário, considerou-se que estavam reunidas as condições para a fixação de jurisprudência.

Foi o recurso recebido pela forma legal e o Ex. Magistrado do Ministério Público teve vista dos autos e promoveu o cumprimento dos ulteriores termos processuais.

Em conferência, decidiu-se pela oposição dos acórdãos em causa, como consta do Acórdão, a fls. 43 e seguintes dos autos, de 7 de Março de 1996.

Foram produzidas alegações, aliás muito doutas, em que o Ex. Magistrado do Ministério Público concluiu pela fixação da seguinte jurisprudência: «Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março (que reviu e republicou o Código Penal), a condução do veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, sob a influência do álcool, prevista nos artigos 1. e 2. do Decreto-Lei n.º 124/90, com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, continuou a ser punível criminalmente, por não terem sido revogados esses preceitos pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio (que aprovou o novo Código da Estrada).» 2 - A questão tal como resulta dos acórdãos 2.1 - No acórdão recorrido começa por se afirmar que com a entrada em vigor do novo Código da Estrada ficou patente a intenção do legislador de introduzir simultaneamente a vigência das alterações ao Código Penal, entre as quais se previa como crime a condução sob o efeito do álcool com TAS superior a 1,2 g/l.

Como o Código Penal nessa altura ainda não entrara em vigor, toda a condução sobre o efeito do álcool, quando punível, o seria como ilícito de mera ordenação social [artigos 131., n.º 1, 87., n.os 1 e 2, 148., alínea m), e 149., alínea i), do Código da Estrada].

Os argumentos para fundamentar esta posição são os seguintes: a) O Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, deve considerar-se revogado por força do artigo 2. do Decreto-Lei n.º 114/94, na medida em que o novo Código da Estrada regulou as matérias naquele previstas de forma inconciliável com a deste; b) Por outro lado, a passagem de um crime a contra-ordenação não significa desgraduação, mas sim descriminalização, pois o que se pretendeu com a publicação do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, foi extremar a categoria penal e contra-ordenacional; c) O artigo 2., n.º 2, do Código Penal, pelo seu enquadramento, onde fala em infracções, refere-se manifestamente a infracções criminais, pelo que a passagem a contra-ordenação de um ilícito só pode significar a respectiva despenalização; d) A intenção do legislador era de manter como crime a condução sob a influência do álcool acima, porventura, de 1,2 g/l, mas tal intenção coexiste com a de qualificar toda a condução sob o efeito do álcool, se punível, como contra-ordenação, só assim se podendo atribuir qualquer significado ao disposto nos artigos 135., n.º 1, e 138., n.º 1, do Código da Estrada, em concorrência com o disposto no artigo 20. do Decreto-Lei n.º 433/82; e) Pelo que para quem, pretendendo que se mantenha em vigor o Decreto-Lei n.º 124/90 (artigo 2.), pretende ver no artigo 82., n.º 2, do Código da Estrada o limite de 1,2 g/l, que lá não está.

2.2 - No acórdão fundamento argumenta-se assim: a) Considerar que a condenação com TAS superior a 1,2 g/l está temporariamente descriminalizada desde a entrada em vigor do novo Código da Estrada até ao início da vigência do Código Penal, na altura em preparação, seria deixar para os domínios da ficção o desígnio do legislador de estratificar um processo de regulamentação evolutivo, procurando que as modificações se integrem num quadro sistemático tanto quanto possível estável, harmónico e coerente [...] (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio); b) Quanto à condução automóvel com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, a evolução vem já desde a Lei n.º 35/94, de 15 de Setembro, que a configura como crime; c) O novo Código da Estrada prescreve a criminalização da condução com TAS igual ou superior a 1,2 g/l, estabelecida no artigo 2. do Decreto-Lei n.º 124/90, com o regime sancionatório constante desse preceito e do artigo 4., n.os 1 e 2, do mesmo diploma; d) E isto não é contrariado pelo disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 87. do novo Código da Estrada, visto que o mesmo, nas disposições gerais sobre legislação aplicável, estabelece, no n.º 1 do seu artigo 135., que as infracções às disposições dele constantes têm a natureza de contra-ordenações, salvo se constituírem crimes, sendo então puníveis e processadas nos termos gerais das leis penais, sendo certo que o Decreto-Lei n.º 124/90 é, na parte que lhe interessa, lei penal.

3 - Fundamentos e decisão.

3.1 - As normas legais relevantes: 1) Artigo 2. do Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio: «É revogado o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39672, de 20 de Maio de 1954, bem como a respectiva legislação complementar que se encontre em oposição às disposições do Código aprovado.» 2) Artigos 291. e 292. da Lei n.º 35/94, de 15 de Setembro: «Artigo 291.

1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência do álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária e criar deste modo perigo para a vida ou a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

3 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Artigo 292.

Quem, pelo menos, por negligência conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.» 3) Artigo 2. do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril: «1 - Quem conduzir veículos com ou sem motor, em via pública ou equiparada, apresentando uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l será punido com pena de prisão até 1 ano ou multa até 200 dias, se pena mais grave não for aplicável.

2 - Se o facto for imputável a título de negligência, a pena será de prisão até 6 meses ou multa até 100 dias.» 4) Artigo 87. do novo Código da Estrada: «1 - É proibido conduzir sob a influência do álcool, considerando-se como tal a condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l.

2 - Quem conduzir sob a influência do álcool será punido com coima de 20000 escudos a 100000 escudos, salvo se a taxa de álcool no sangue for igual ou superior a 0,8 g/l, caso em que a coima será de 40000 escudos a 200000 escudos.» 5) Artigo 4., n.os 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 124/90: «1 - Às penas previstas nos artigos 2. e 3. acresce a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir.

2 - A inibição terá a seguinte duração: a) Seis meses a cinco anos nos casos previstos no n.º 2 do artigo 3.; ............

3 - ........

4 - O não cumprimento da decisão que aplicar a pena de inibição de conduzir constitui crime de desobediência qualificada.» 6) Artigo 135., n.º 1, do novo Código da Estrada: «1 - As infracções às disposições deste Código e seus regulamentos têm a natureza de contra-ordenações, salvo se constituírem crimes, sendo então puníveis e processados nos termos gerais das leis penais.» 7) Artigo 148., alínea m), do novo Código da Estrada: «São graves as seguintes contra-ordenações: m) A condução sob a influência do álcool.» 8) Artigo 2., n.º 2, do Código Penal: «O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções, neste caso e se tiver havido condenação, ainda que transitado em julgado, cessam a respectiva execução e os seus efeitos penais.» 9) Artigo 138., n.º 1, do novo Código da Estrada: «1 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente será punido sempre a título de crime, sem prejuízo de aplicação da sanção acessória prevista para a contra-ordenação.» 10) Artigo 20. do Decreto-Lei n.º 433/82: «Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias...

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