Acórdão nº 044997 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 1993

Magistrado ResponsávelTEIXEIRA DO CARMO
Data da Resolução13 de Outubro de 1993
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Na 1 subsecção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, acordam os seus juizes: Acusado pelo Ministério Público, foi submetido a julgamento, em Processo Comum e perante o Tribunal Colectivo do 2 Juízo Criminal de Lisboa - Processo n. 287/92 - 2 Secção - o arguido A, casado, empregado de hotelaria, nascido em 9 de Janeiro de 1959, com os demais sinais dos autos, sendo-lhe imputada a prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alíneas c) e f), ambos do Código Penal, factualizado tal ilícito na acusação de fls. 84 a 86, a qual foi recebida nos seus precisos termos, como tudo consta de fls. 94 e verso, tendo sido, pois, o arguido pronunciado em conformidade. No final do julgamento, foi proferido o acórdão constante de fls. 124 a 128, datado de 8 de Março de 1992, pelo qual se vê ter sido o mesmo arguido condenado, como autor material do referenciado crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alínea f) - a alínea c) não foi considerada provada ou preenchida -, ambos os preceitos do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão, bem como a pagar 4 UCs de taxa de justiça e as demais custas do processo, fixando-se em 5000 escudos a procuradoria, a contar a favor dos S.S. do Ministério da Justiça. Foi declarada perdida a favor do Estado a navalha de fls. 35. ordenando-se a sua destruição. Não foi fixada indemnização a favor do lesado, pois não foi peticionada. Foi o arguido mandado recolher ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena imposta, havendo a descontar o tempo de prisão preventiva sofrida, ininterruptamente, desde 17 de Junho de 1992. Inconformado com a decisão, da mesma veio interpor recurso o arguido, o qual motivou, aduzindo em sede conclusiva: 1) - Os factos assentes no acórdão recorrido, havidos pois por provados, são manifestamente insuficientes para a qualificação da conduta do arguido como de homicídio e, muito menos, de homicídio qualificado; 2) - Quando muito, a factualidade provada subsumiria a conduta do arguido - recorrente na previsão do artigo 145, n. 1, com vista ao disposto no artigo 144, n. 1, ambos do Código Penal; 3) - Admitindo (como mera hipótese académica) que o recorrente cometeu um crime de homicídio, o mesmo não seria nunca qualificado, por ausência, no caso vertente, de verificação de factos susceptíveis de preencher qualquer das alíneas do n. 2 do artigo 132 do Código Penal; 4) - Houve erro, por parte do tribunal "a quo", na apreciação da prova: os factos apurados não revelariam, da parte do arguido, especial perversidade, nem mereciam censurabilidade maior do que a que é própria do homicídio simples (artigo 132 do Código Penal); 5) - As contradições em que o tribunal "a quo" incorreu tornam necessário considerar como não provados os factos constantes do n. 5 do acórdão em apreciação, suscitando a aplicação do artigo 426 do Código de Processo Penal; 6) - A ausência de fundamento factício das qualificações constantes dos ns. 9 e 10 do mesmo Acórdão, levam a que os mesmos não se possam considerar como "factos provados" e a que se entenda dever o tribunal "ad quem" mandar reenviar os autos para novo julgamento - artigos 433 e 426 do Código de Processo Penal; 7) - É erro grosseiro, por parte do tribunal "a quo", agravar a sua pena a aplicar pela prática de um crime de homicídio qualificado pela circunstância de ter ocorrido, em consequência daquele, o resultado morte; 8) - Constitui erro de igual natureza qualificar como correspondendo à forma de "dolo necessário" a atitude do agente que representa determinado resultado da sua acção criminosa como possível, conformando-se com o mesmo - dolo eventual (vide artigo 14, ns. 2 e 3, do Código Penal); 9) - Afigura-se incorrecto atender à especial intensidade desse dolo (eventual) - artigo 72, n. 2, alínea b), do Código Penal; 10) - O Acórdão recorrido está ferido de inconstitucionalidade ao valorar duplamente o carácter irreparável das consequências da conduta do arguido - artigo 29 da Constituição da República Portuguesa; 11) - Também inconstitucional é a mesma decisão quando "diminua" a "força" da circunstância atenuante consistente em o recorrente ser um delinquente primário, atendendo ao facto de o arguido ser - ou ter sido - suspeito da prática de outros ilícitos penais - artigo 32, n. 2, da Constituição da República Portuguesa; 12) - Os factos arrolados no Acórdão recorrido, desentranhados os que entre si se devem considerar como em contradição, não são bastantes para subsumir a conduta do arguido-recorrente, nem na previsão do artigo 131 nem na do artigo 132, ambos do Código Penal; quando muito, a tais factos corresponde o crime de ofensas corporais com dolo de perigo (artigo 144, n. 1, do Código Penal) ao qual, preterintencionalmente (artigo 18 do Código Penal) sobreveio o resultado morte (artigo 145, n. 1, do Código Penal); 13) - O facto de o recorrente ter empregue, para a prática dos factos, a navalha examinada a folhas..., não atesta que esta última consista num meio insidioso que, in casu, revele especial perversidade do agente nem maior censurabilidade da sua conduta; 14) - Mostram-se violadas as normas constantes dos artigos 132, n. 2, do Código Penal, 29 e 32, n. 2, da Constituição da República Portuguesa, e 72, n. 2, do já referido Código Penal; verificadas que estão as previsões das alíneas a), b) e c), do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, encontram-se reunidos os pressupostos do reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426 do Código de Processo Penal), revogando-se, in totum, o acórdão recorrido. A não se entender assim, aduz o recorrente, a materialidade dos factos provados não indicia a prática, pelo mesmo, de um crime de homicídio qualificado, mas antes, quando muito, a comissão do crime de ofensas corporais com dolo de perigo, agravado pelo resultado, o que conduz à revogação do acórdão recorrido, com as legais consequências. Assim termina, pois, o recorrente as conclusões da sua motivação. Foi admitido o recurso pelo despacho de fls. 143, aí se mantendo a situação de prisão preventiva em que se encontrava o recorrente. Ao recurso interposto, veio responder o Ministério Público, fazendo-o em termos de contra-motivação de fls. 145 a 155, no qual, rebatendo-se toda a argumentação expendida no recurso, com a consequente manutenção, na essência, do acórdão recorrido, se admite, contudo, na consideração do dolo eventual que se perfila, defendida pelo recorrente, uma diminuição da pena para treze (13) anos e seis (6) meses de prisão. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça. Na vista que teve o Exmo. Procurador-Geral Adjunto - artigo 416 do Código de Processo Penal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT