Acórdão nº 0818071 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelJOSÉ CARRETO
Data da Resolução27 de Maio de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. nº 8071/08-1.

TRP 1ª Secção Criminal.

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto.

No Proc. Comum Singular nº .../04.7PAVNG, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em que é arguido B.........., solteiro, nascido em 12/03/1969, natural de .........., filho de C.......... e de D.........., por sentença de 20 de Janeiro de 2006, foi o mesmo condenado como reincidente, nos termos dos arts. 75º e 76º do Código Penal, pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. e), do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

O arguido foi julgado na sua ausência, representado por defensor e em 7 de Abril de 2006 foi notificado da sentença, e na sequência da procedência em 27/2/08 de anterior recurso interposto, veio interpor o presente em 23/5/08, remetido a este Tribunal em 19/12/08, e recorrendo da sentença condenatória, no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: "1 - Na data designada para julgamento o Arguido não esteve presente, tendo então sido proferido o seguinte despacho pela Meritíssima Juiz: "A audiência teve lugar na ausência do arguido, nos termos do artº 333º, nº 2, 364º, nº 3, ambos do C.P.P.

2 - Dispõe o artº 333º nº 1 do CPP "Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o inicio da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o Tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência".

3 - Só após a frustração, ou verificação da impossibilidade dessa medidas necessárias é que o tribunal fará o juízo acerca da dispensabilidade ou não da presença do arguido.

4 - No caso sub iudice, o tribunal de 1ª instância não só não fundamentou o juízo de dispensabilidade da presença do arguido, como não providenciou no sentido de tentar assegurar a sua presença, sem também nunca ter fundamentado os motivos que determinaram a omissão desse dever legal.

5 - Estando em causa um furto qualificado e tendo sido nomeada uma defensora oficiosa com a qual nunca contactou, o tribunal não deveria ter consentido prosseguir com o julgamento.

6 - Quando a defesa se encontra fragilizada, o tribunal terá que ter isso em atenção e flexibilizar o seu poder de direcção da audiência de modo a acentuar os seus poderes de investigação em prol dos interesses e das garantias de defesa e da descoberta da verdade material.

7 - Deve ser considerada como inconstitucional, por violação do artº 32º, nº 1, 6 e 7 e 205º da nossa lei fundamental, a interpretação conjugada das normas dos artigos 332º, nº 1 e 333º nº 1 do CPP segundo a qual é possível obter-se qualquer um dos seguintes resultados normativos: a) verificada ausência do arguido, o juiz é livre de tomar, ou não, as medidas necessárias para obter a sua comparência; b) o Juiz não é obrigado a fundamentar os motivos que o levaram a não tentar promover a comparência do arguido ausente; c) o Juiz pode abster-se de fundamentar quais os motivos que tornam a presença do arguido dispensável para a descoberta da verdade material.

8 - Termos em que deverá ser declarada a nulidade insanável prevista no artº 119, c) do CPP que determina a nulidade de todo o julgamento e de todos os actos subsequentes, nos termos do artº 122º, nº 1 do mesmo diploma legal, a qual deve ser declarada por violação dos artºs 332º, nº 1, 333º nº 1 e nº 2, 116º nº 2 e 61º, nº 1 a) e 97º nº 4 todos do CPP.

9 - O tribunal não solicitou a elaboração de relatório social do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artº 370º, nº 1 do CPP.

10 - Ao não ter sido pedido o relatório social estamos perante uma nulidade prevista no artº 120º, nº 2 d) do CPP (omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade material), que se arguiu para todos os efeitos legais (cfr artº 122º do CPP).

11 - Uma vez que não resulta das regras da experiência comum, nem da factualidade provada quaisquer circunstâncias pessoais ou possibilidades económicas ou sociais do arguido a ter em conta na determinação da medida concreta da pena de prisão, o que consubstancia o vício da sentença previsto no artº 410º, nº 2, a) do CPP.

12 - Termos em que, sem prejuízo das consequências processuais da ausência do arguido, deverá ser reenviado o processo para realização de novo julgamento circunscrito á seguinte questão: apuramento da situação económica do arguido e dos seus encargos pessoais e bem assim da sua personalidade, situação pessoal e familiar, com a consequente elaboração de relatório social.

13 - O Meritíssimo juiz "a quo" fez um errónea aplicação dos factos ao direito, quando enquadrou a conduta do arguido no crime de furto qualificado; 14 - Com efeito, dispõe o artº 204 nº 4 do Código Penal que "Não há lugar á qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor" 15 - Dispondo o artº 202º c) do Cód. Penal, que valor diminuto é aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.

16 - Sucede que os objectos em causa são de valor diminuto, ao que acresce o facto de terem sido recuperados na sua totalidade.

17 - Assim e atento o supra exposto o Meritíssimo Juiz "a quo" fez um errado enquadramento jurídico dos factos ao direito, pelo que e salvo o devido respeito, o arguido deveria ter sido condenado pelo crime de Furto Simples nos termos do disposto no artº 203º do Código Penal.

18 - Assim o Meritíssimo Juiz "a quo" fez uma errónea aplicação dos factos ao direito, violando assim o disposto no artº 410º, nº 2 a) e c) do CPP.

19 - Sem prejuízo das considerações supra expostas o arguido entende que a pena que lhe foi aplicada é particularmente elevada tendo em consideração as especiais circunstâncias da sua actuação.

20 - O arguido era toxicodependente á data da prática dos factos, 21 - Na verdade, é que o facto de ser toxicodependente e estar a necessitar de consumir droga, no caso, retira a carga de censurabilidade especial que a conduta revestiria se assim não fosse; 22 - O arguido não tinha controlo sobre a sua vontade e liberdade de determinação pois agiu motivado pela necessidade do consumo de droga.

23 - A especial censurabilidade, a nosso ver, choca pelo intenso desvalor da conduta, e neste caso em particular deveu-se ao facto do arguido só assim procedeu por se encontrar num estado que não lhe permitiu valorar correctamente a sua atitude.

24 - Assim a medida da pena deverá ser significativamente reduzida e suspensa a sua execução.

25 - O tribunal "a quo" ignorou e interpretou incorrectamente, entre outras, as seguintes normas jurídicas com relevância para a boa decisão da causa: 26 - Artigos 18º, nº 2 e 32º, nº 1, 6 e 7 e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa; 27 - Artigos 40º, nºs 1 e 2, 47, nº 2 e 71º, nº 1 e 2 do Código Penal; 28 - Artigos 61º, nº 1 a), 97º, nº 4, 116º, nº 1 e 2, 119º c), 120º, nº 2 d), 122º, nº 1, 254º, 332º, nº 1 e 2, 370º, nº 1, 410º, nº 2 a) e c) do Código Processo Penal.

29 - Assim como ignorou ou interpretou incorrectamente os princípios de direito subjacentes a essas normas jurídicas, nomeadamente: investigação, proporcionalidade, in dúbio pró reo, necessidade, contraditório, imediação, oralidade e descoberta da verdade material.

30 - Termos em que deve ser declarada a nulidade de todo o julgamento, devendo o mesmo ser repetido com obediência pelo disposto no artº 332º, nº 1 do CPP.

31 - Caso assim não se entenda, deverá ser parcialmente repetido o julgamento de forma apurar as condições pessoais e económicas do arguido para efeitos de determinação da medida concreta da pena.

32 - Subsidiariamente, tendo em consideração o concreto grau de culpa do arguido, a medida da pena deverá ser significativamente reduzida e suspensa a sua execução." Respondeu o MºPº pugnando pela manutenção da decisão.

Nesta Relação o ilustre PGA é de parecer que deve proceder a 1ª questão prejudicando as demais; Foi cumprido o artº 417º2 CPP e não houve resposta Colhidos os vistos procedeu-se á conferência com observância do formalismo legal; Cumpre decidir: Consta da decisão recorrida (transcrição): "2. Fundamentação 2.1 - Factos provados 1. No dia 22/01/2004, cerca das 06.45 horas, o arguido B.......... decidiu introduzir-se no quiosque, denominado "E..........", sito na.........., nº ..., em Vila Nova de Gaia, com o propósito de retirar do interior do mesmo objectos de valor; 2. Assim determinado, o arguido com o auxílio de um corte unhas e de uma chave de aloquetes, logrou abrir a fechadura da caixa em chapa anexa ao quiosque, própria para as carrinhas de distribuição depositarem os jornais e revistas, retirando e levando consigo os seguintes objectos: - 3 revistas da marca "Mueble"; - 2 revistas da marca "Auto-Hoje"; - 13 jornais "A Bola"; - 16 jornais "O Público"; - 15 jornais "Jornal de Notícias"; - 5 jornais "Diário de Notícias"; - 9 jornais "24 Horas"; - 19 jornais "O Jogo"; - 8 jornais "Record"; - 2 revistas da marca "Belle Époque"; - 1 revista da marca "Guia do Lazer"; - 7 jornais "Diário Económico"; - 7 jornais "Comércio do Porto"; - 3 revistas da marca "Auto-Foco"; - 11 revistas da marca "Ana"; - 2 revistas da marca "Nova Gente"; - 1 revista da marca "Casa Dez"; - 2 revistas da marca "Quo"; - 2 revistas da marca "Babies"; - 2 revistas da marca "Batatoon", tudo no valor de € 147,92, pertencente a F..........; 3. Os referidos objectos foram recuperados pela autoridade policial, na.......... no Porto, em momento posterior, na posse do arguido; 4. O arguido agiu consciente e livremente, com intenção de fazer seus os referidos objectos, como efectivamente fez, os quais se encontravam fechados numa caixa em chapa equipada com fechadura, bem sabendo que ao actuar da forma descrita agia contra a vontade do seu dono; 5. Sabia, também, o arguido que tal comportamento lhe era proibido e punido pela lei penal; 6. Constam do seu...

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