Acórdão nº 314/15 de Tribunal Constitucional, 03 de Junho de 2015

Data03 Junho 2015
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 314/2015

Processo n.º 823-A/14

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. A., recorrente nos Autos de recurso n.º 823/14, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que é recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, e pendentes na 3.ª Secção deste Tribunal, veio deduzir incidente de suspeição contra a Juíza Conselheira Relatora Catarina Sarmento e Castro, nos termos do artigo 119.º e ss. do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua actual versão (LTC).

  2. O recorrente apresentou requerimento, entrado neste Tribunal em 25/11/2014, nos termos do artigo 121.º, n.º 3, do CPC, e para efeitos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, invocando a existência de factos supervenientes suscetíveis de constituírem fundamento de dedução de incidente de suspeição, nos termos seguintes (cfr. fls. 262, reiterado a fls. 263):

    A., Recorrente, diz e requer ao abrigo do disposto no artigo 121.º, n.º 3, do CPC/2013:

    1. Posteriormente à subida do recurso admitido na Relação de Lisboa, em 23-07-2014, ocorreram factos que, na opinião do ora requerente, indiciam falta de imparcialidade de V. Exa na apreciação de requerimentos apresentados pelo ora Requerente.

    2. Esses factos foram objeto de comunicação que o Recorrente lhe fez em 16-10-2014, em cumprimento do disposto no artigo 91.º do Estatuto aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro (EOA), no âmbito do processo 246-A/14, que também contém queixa-crime para efeito do disposto no artigo 245.º do Código de Processo Penal (CPP).

    3. Tal comunicação foi objeto da conclusão do respetivo processo em 22-10-2014, segundo informação colhida na Secretaria, não se conhecendo, por ora, se já foi cumprido o disposto naquele artigo 245.º.

    4. São, pois, supervenientes os factos suscetíveis de constituírem fundamento de dedução de incidente de suspeição contra V. Exa com os fundamentos do artigo 120.º, n.º 1, do CPC/2013.

    5. Assim, em cumprimento do disposto no artigo 121.º, n.º 3, do mesmo código, o Recorrente faz-lhe a presente comunicação para que V. Exa profira o despacho previsto no n.º 2 do mesmo artigo.

  3. Posteriormente, por requerimento que deu entrada neste Tribunal em 28/11/2014 (cfr. fls. 264), o reclamante apresentou requerimento em que reclama para a conferência e pede a final a retificação da decisão sumária, que seja declarada a nulidade da mesma e ordenada a sua reforma e, ainda, seja ordenado que o recorrente seja notificado para alegações, nos termos seguintes (cfr. fls. 264-276):

    «A., Recorrente, notificado da «DECISÃO SUMÁRIA N° 767/2014» diz e requer ao abrigo do disposto no artigo 78°-A, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC):

    I - Efeitos do requerimento apresentado ao abrigo do artigo 121.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC/2013), pendente, tanto quanto se sabe Estatui o artigo 121.º, n.º 2, do CPC/2013, que, denunciado ao juiz fundamento de suspeição antes de ele intervir no processo, se ele não quiser fazer uso da faculdade concedida pelo artigo 119.º, declara-o logo em despacho no processo e suspendem-se os termos deste até decorrer o prazo para a dedução da suspeição, contado a partir da notificação daquele despacho. O mesmo sucede quando o fundamento da suspeição ou o seu conhecimento for superveniente, ex vi n.º 3 do mesmo artigo. A interpretação destas normas tem de ser no sentido de que, no caso de fundamento objetivo ou subjetivo superveniente, a denúncia do facto ao juiz determina a imediata suspensão dos termos do processo até que se apure se o juiz quer ou não fazer uso da faculdade concedida pelo artigo 119.º. Com efeito, também no caso em que a denúncia é feita antes de o juiz intervir no processo, os respetivos termos não se iniciam até que o juiz nele declare se quer ou não fazer uso da faculdade concedida pelo artigo 119°.

    Os efeitos têm de ser iguais em ambos os casos, porquanto a ratio legis é a de que, feita a denúncia, a situação de incerteza sobre quem decide determina a suspensão dos termos do processo.

    Assim, a reclamação prevista no artigo 78°-A, n.º 3, da LTC, só pode ser apreciada depois de decidido o incidente de suspeição que se tome necessário face à declaração de não uso da faculdade concedida pelo dito artigo 119°. E o prazo para a sua apresentação conta-se a partir da notificação do despacho que justifica a concretização da faculdade prevista no artigo 120°, n° 1, do CPC/2013.

    Havendo, porém, o risco de se entender que, no caso de facto superveniente, a suspensão dos termos do processo só ocorre depois da declaração no processo prevista no n.º 2 do artigo 121°, o Recorrente vê-se obrigado a apresentar agora a Reclamação prevista no artigo 78°-A, n.º 3, da LTC, sem prejuízo de a sua apreciação só poder ser feita depois de se saber quem é o Relator do processo. Militam nesse sentido as garantias da confiança e da segurança jurídica e da imparcialidade dos juízes consagradas nos artigos 2° e 203° da Constituição.

    II - Nulidade da «decisão sumária» por não verificação dos pressupostos do n.º 1 do artigo 78°- A da LTC

    As questões de constitucionalidade normativa objeto do recurso não são simples nem manifestamente infundadas. As decisões do Tribunal Constitucional, sejam elas singulares ou colegais, têm de ser fundadas em razões objetivas ex vi o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição. É nesses termos que tem de ser interpretado o primeiro segmento da norma do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC: o entender que não pode conhecer-se do recurso tem de assentar em razões objetivas, e o julgamento de questão de constitucionalidade normativa suscitada em termos nunca antes postos ao Tribunal Constitucional não pode ser feito em decisão «sumária».

    Assim, existe incompetência legal do relator para decidir recurso que só pode ser decidido em conferência, e a pronúncia desprovida de competência legal é nula.

    É o que sucede com a decisão sumária, de 11 de novembro de 2014, cuja nulidade aqui se argui para que seja declarada pela conferência ou pelo pleno da secção.

    III - Nulidade da decisão sumária ora sindicada, por força do disposto no CPC e na Constituição

    Com a devida vénia recorda-se e sublinha-se que ao recurso de constitucionalidade se aplica o disposto no Código de Processo Civil, em especial as normas respeitantes ao recurso de apelação, por força do disposto no artigo 69.º da LTC.

    Assim, aplicam-se-lhe designadamente as normas dos artigos 608.º, n.º 2, 613.º, 614.º, 615.º e 616.º do CPC/2013, no que concerne às questões de constitucional idade normativa suscitadas nas peças que são objeto das decisões recorridas, e no requerimento de interposição do recurso.

    Também o imperativo do artigo 204.º da Constituição é vinculativo para os Juízes do Tribunal Constitucional, bem como a cominação do seu artigo 3.º, n.º 3.

    Conforme demonstração infra, a decisão sumária ora sindicada é nula e inválida, e carece de retificação e de reforma.

    IV - Nulidade da decisão ora sindicada sobre o primeiro objeto do recurso: a norma do artigo 41.º do CPC/2013 (33.º do anterior)

    O texto da «decisão sumária» ora sindicada, que dedica à análise da questão 18 linhas, iniciadas por «Tal enunciado» e findas em ratio decidendi, de fls 3, é manifestamente exíguo para analisar tão relevante questão de constitucional idade normativa, face ao disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. E essa exiguidade é subsumível ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e f), primeiro segmento, do CPC. Com efeito, são múltiplas, como é evidente, as questões sobre as quais o juiz deixou de pronunciar-se.

    Vejamos:

    Diz a letra do artigo 41.º do CPC: se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.

    São muitas as questões que a interpretação de tal letra suscita no plano da constitucionalidade, atento o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, parâmetro essencial de aferição da sua conformidade constitucional:

    1) a primeira é a da imperatividade da sua aplicação a arguido em processo penal;

    2) a segunda é a da sua aplicação a arguido em processo penal, a quem o tribunal nomeia defensor que não assegura a efetiva representação do arguido;

    3) a terceira é a sua aplicação a arguido em processo penal, a quem o tribunal nomeia defensor que não assegura a efetiva representação de arguida sendo este advogado que se vê obrigado a suprir a omissão do defensor oficioso dando disso conhecimento ao juiz;

    4) a quarta é a da determinação de notificação ser imperativa ou meramente indicativa;

    5) a quinta é a dos efeitos da não determinação referida na letra do preceito relativamente a arguido que, sendo advogado, assumiu a sua representação;

    6) a sexta é do conhecimento oficioso da letra e das respetivas normas pelos juízes em geral e, especialmente, pelo juiz criminal em virtude do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, e 204.º da Constituição.

    Por outro lado, arguida a desconformidade constitucional da norma aplicada em 1.ª instância, perante o tribunal ad quem, a imperatividade da norma do artigo 204.º da Constituição, acentua-se.

    Verifica-se, porém, que a decisão recorrida - a do tribunal ad quem - violou o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, do CPC/2013, e 204.º da Constituição, omitindo pronúncia sobre a questão de constitucionalidade que lhe foi submetida, sintetizada nos termos seguintes: «Pode, pois, dizer-se que, em violação das suas garantias de defesa constitucionalmente consagradas (artigo 32.º/1/CRP), o caso é verdadeiramente de «indefensão» ou de falta de defesa, em situação em que impunha que ela fosse exercida - não se afigurando justo ou razoável que, nessas circunstâncias, o arguido sofra ele, processualmente, o prejuízo da...

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