Acórdão nº 324/15 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução03 de Junho de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 324/2015

Processo n.º 1047/14 3ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A., S.A., B. e C. e recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO e a COMISSÃO DO MERCADO DOS VALORES MOBILIÁRIOS, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 272/2015 (de fls. 3924-3946), na qual, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu não conhecer do objeto do recurso.

  2. Notificados da decisão, os recorrentes reclamaram para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, quanto à decisão de não conhecimento do recurso interposto, o seguinte (cfr. fls. 3951-3969):

    A., S.A., B. e C., Recorrentes melhor identificados nos autos supra mencionados em que é Recorrida a COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS,

    Tendo sido notificados da decisão sumária proferida pela Exma. Juíza Conselheira Relatora nos termos do art.º 78º-A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional,

    Vêm reclamar da mesma para a Conferência, nos termos do preceituado no art.º 78º-A, n.º 3 do mesmo diploma legal,

    O que fazem com o âmbito, nos termos e com os fundamentos seguintes:

    Parte I - Dos Acórdãos do Tribunal da Relação de 04.06.2014 e 08.10.2014 e do objeto do presente Recurso de Constitucionalidade: as questões de inconstitucionalidade reportadas aos art.ºs 50º e 58º do RGCO

    Conforme se menciona na decisão sumária, o Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso:

    a) A existência de um objeto normativo - norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação;

    b) O esgotamento dos recursos ordinários;

    c) A aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida;

    d) A suscitação prévia da questão da constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o Tribunal a quo.

    Na decisão sumária proferida, pronunciou-se a Exma. Juíza Conselheira Relatora sobre o recurso interposto para o Tribunal Constitucional salientando, por mais de uma vez, que “no presente recurso de constitucionalidade, o acórdão recorrido é, reitere-se (…), o último acórdão proferido em conferência pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 08/10/2014 (…), o qual decidiu o pedido de correção, com invocação de nulidades e inconstitucionalidades, do acórdão de 4/06/2014.”

    Independentemente de tal não ser correto, conforme se exporá infra, a verdade é que a partir desta interpretação se conclui na decisão sumária que, quanto às questões de inconstitucionalidade reportadas aos art.ºs 50º e 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), “mostra-se não cumprido o pressuposto relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal a quo, na decisão ora recorrida, das normas (ou dimensões normativas) cuja constitucionalidade é questionada.”

    Isto porque, na interpretação feita pela decisão sumária proferida “(…) os preceitos legais referidos pelos recorrentes no respetivo requerimento de interposição – isto é, art.ºs 50º e 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações, nas diversas normativas invocadas, não constituíram a ratio decidendi do acórdão recorrido.

    No presente caso, o acórdão do TRL recorrido – de 8/10/2014 – decidiu tão só do pedido de correção – formulado pelos ora recorrentes – do Acórdão proferido em recurso (então interposto da sentença do Tribunal de 1ª Instância) em 4/06/2014 (…).” (sublinhado nosso).

    Prossegue-se na decisão recorrida afirmando-se que “(…) as questões de pretensa inconstitucionalidade derivadas dos art.ºs 50º e 58º do RGCO – tal como enunciadas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – não foram sequer suscitadas, perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em sede de reclamação (“requerimento de invocação de nulidades perante o Tribunal da Relação de Lisboa”) que viria a ser apreciada e decidida no acórdão ora recorrido.”

    Tal para se concluir que o “extenso requerimento de invocação de nulidades dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa” é a “única peça processual relevante para aferir da legitimidade dos recorrentes face ao que dispõe o n.º 2 do art.º 72º da LTC”. (sublinhado nosso).

    É com base nesta argumentação que se decide, sumariamente, não conhecer do objeto do recurso no que se reporta às questões de inconstitucionalidade reportadas aos art.ºs 50º e 58º do RGCO, ou seja, em suma:

    a) porque o acórdão que decidiu do pedido de correção não aplicou tais normas;

    b) porque no requerimento de correção que os Recorrentes apresentaram junto do Tribunal da Relação de Lisboa não invocaram tais inconstitucionalidades.

    Salvo o devido respeito, não poderemos concordar com as conclusões vertidas na referida decisão sumária.

    Vejamos,

    Tendo sido notificados do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 2014 e por entenderem que o referido Acórdão continha diversas nulidades e questões suscetíveis de correção, não sendo suscetível de recurso ordinário, os Recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 379.º, n.º 2 e 380.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 32º do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO), requereram a correção parcial do referido acórdão e arguiram diversas nulidades, sumariando-se nos seguintes termos:

    a) Correção do Acórdão por falta de assinatura de um dos juízes;

    b) Nulidade por falta da menção da decisão condenatória - violação do art.º 374.º n.º 3, al. b) do C.P.P.;

    c) Nulidade por omissão de pronúncia e violação do dever de fundamentação em relação à coima aplicável aos arguidos face à absolvição de uma das contra-ordenações por que vinham acusados;

    d) Nulidade por omissão de pronúncia e por violação do dever de fundamentação em relação às questões decidendas suscitadas pelos Recorrentes.

    Acresce que, já em sede de impugnação judicial e de recurso da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, haviam os Recorrentes deixado invocadas as inconstitucionalidades de que entendiam padecer a decisão administrativa, invocação que reiteraram para os devidos efeitos legais.

    Como se torna claro no requerimento de correção/ arguição de nulidades apresentado “(…), face ao Acórdão proferido por este Tribunal superior e conforme se deixou antever da argumentação acima apresentada, a existência dos vícios apontados a tal decisão redunda em nova situação de inconstitucionalidade que, caso não seja deferido o presente pedido de supressão de nulidades, não poderá deixar de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.”

    Como é evidente, o requerimento de correção de Acórdão/ arguição de nulidades não se traduz num novo grau de jurisdição: é o próprio Tribunal que proferiu a decisão que a irá corrigir (e tal apenas nos casos previstos na lei) – logo, não podem ser invocadas questões que não se encontrem previstas nos art.ºs 379.º, n.º 2 e 380.º do Código de Processo Penal (CPP).

    Ainda assim, entenderam os Recorrentes, nesse mesmo requerimento de correção/ arguição de nulidades suscitar questões de inconstitucionalidade que “decorrem da própria decisão contida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, através da qual a interpretação normativa que se questiona foi pela primeira vez enunciada no processo. Donde, as inconstitucionalidades agora em apreço apenas podem ser suscitadas no presente requerimento onde se invocam, igualmente, as nulidades constatadas.

    Pelo que, a invocação de inconstitucionalidades no presente momento, é totalmente admissível, tal como é jurisprudência constante desse alto Tribunal quanto às ‘decisões-surpresa’ que procedam à aplicação ou interpretação de determinada regra em termos inesperados ou imprevisíveis (neste sentido, cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina, 2009, página 385 e ainda José Manuel Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 77 e 78, nota 99 com indicação de abundante jurisprudência a este propósito).”

    As demais inconstitucionalidades já suscitadas durante o processo e inclusive no recurso para a Relação nunca poderiam ser invocadas no requerimento de correção/ invocação de nulidades – teriam de ser invocadas em recurso a apresentar no Tribunal Constitucional, em momento próprio.

    O que não se pode aceitar é a interpretação pela qual não tendo as inconstitucionalidades objeto de recurso para o Tribunal Constitucional sido invocadas em tal requerimento de correção/ arguição de nulidades, não podem ser mais suscitadas…

    As inconstitucionalidades em causa não poderiam ter sido invocadas no requerimento de correção/ arguição de nulidades por tal ser processualmente inadmissível.

    Com efeito, o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa esgota-se assim que seja proferida a decisão, não subsistindo esse poder, para além de tal decisão, senão “para a resolução de algumas questões marginais, acessórias ou secundárias que a sentença pode suscitar entre as partes.”

    Proferida a sentença ou o acórdão podem ainda ser retificados erros materiais, supridas nulidades e esclarecidas dúvidas, sendo certo que, enquanto não decorrer o prazo dentro do qual se pode requerer o suprimento daqueles vícios, a decisão não transita.

    No entanto, apesar de não ter transitado em julgado, esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal assim que a decisão tenha lugar.

    Ora, o que a decisão sumária parece olvidar é que o Acórdão do Tribunal da Relação de 04.06.2014 e o Acórdão do mesmo Tribunal de 08.10.2014 não são dois acórdãos distintos e autónomos mas uma mesma decisão.

    É esse o regime que resulta do disposto no Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável aos presentes autos: o anterior art.º 670º do CPC e o...

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