Acórdão nº 237/15 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução29 de Abril de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 237/2015

Processo n.º 174/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

A., inconformado com o despacho de pronúncia proferido nos presentes autos, interpôs recurso do mesmo para o Tribunal da Relação de Évora.

Foi proferido despacho na 1.ª instância de não admissão do recurso.

O Arguido reclamou desta decisão, tendo a reclamação sido indeferida por despacho proferido no Tribunal da Relação de Évora.

O Arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, pedindo a declaração de inconstitucionalidade:

  1. da norma do n.º 2, do artigo 5.º, do Código de Processo Penal, quando entendida no sentido de não ser aplicável ao caso concreto, de entre as leis processuais em vigor desde a prática do facto, a que se mostre concretamente mais favorável ao Arguido, contado o período desde a prática do facto e não apenas da data de abertura do inquérito;

  2. da norma do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando entendida no sentido de não ser admissível o recurso da decisão instrutória que pronunciou o arguido pelos mesmos factos da acusação, na parte das nulidades, aos processos cujos factos tenham ocorrido antes da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto.

    Foi proferida decisão sumária que não julgou inconstitucional as normas dos artigos 5.º, n.º 2, e 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de não ser admissível o recurso da decisão instrutória que pronunciou o arguido pelos mesmos factos da acusação, na parte das nulidades, proferida em processo cujos factos tenham ocorrido antes da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, e, em consequência, julgou improcedente o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A..

    Esta decisão apresentou a seguinte fundamentação:

    “Embora o Recorrente formalmente peça a fiscalização da constitucionalidade de dois enunciados normativos, os mesmos reduzem-se à questão colocada no segundo enunciado que é precisamente aquela que foi decidida pelo despacho recorrido.

    Na verdade, o primeiro enunciado contém um critério genérico que se encontra depois concretizado no segundo enunciado, reportado ao critério utilizado para decidir o caso aqui em questão.

    Assim, é suficiente, porque é este que é verdadeiramente instrumental da decisão recorrida, a apreciação da constitucionalidade do segundo critério enunciado, embora também reportado ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    O Tribunal Constitucional em diversos acórdãos (v.g. n.º 460/08, 247/09, 477/11 e 708/14, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt) já decidiu que não era inconstitucional a norma contida nos artigos 5.º, n.º 1 e 2, e 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação segundo a qual a inadmissibilidade do recurso da decisão instrutória na parte em que aprecia nulidades e outras questões prévias ou incidentais, prevista na redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto ao artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., é imediatamente aplicável aos processos pendentes.

    Foi a seguinte a fundamentação do Acórdão n.º 247/09, para a qual remeteram as decisões posteriores:

    “Questiona-se a constitucionalidade da aplicação imediata aos processos já pendentes da alteração ocorrida no regime de recursos da decisão instrutória, resultante da alteração do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, efetuada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.

    O artigo 310.º, n.º 1, do CPP, na redação anterior e vigente no momento em que se iniciou o processo, a qual lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, dispunha:

    “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.”

    Durante a sua vigência foram proferidas pelos Tribunais das Relações decisões contraditórias sobre se essa irrecorribilidade se estendia ou não à parte do despacho de pronúncia que decidia sobre nulidades, exceções ou questões prévias ou incidentais, o que levou a que o Supremo Tribunal de Justiça tenha fixado jurisprudência no sentido de que as decisões sobre essas matérias eram recorríveis (Acórdão n.º 6/2000, de 19 de janeiro de 2000, publicado no Diário da República, I-A Série, de 7 de março de 2000).

    Posteriormente, perante nova querela jurisprudencial sobre o regime de subida deste recurso, o Supremo Tribunal de Justiça teve necessidade de emitir novo acórdão de uniformização de jurisprudência, fixando agora que aquele recurso deveria subir imediatamente (Acórdão n.º 7/2004, de 21 de outubro, publicado no Diário da República, I-A Série, de 2 de dezembro de 2004).

    Entretanto, o Tribunal Constitucional proferiu várias decisões no sentido de não serem inconstitucionais quer as interpretações normativas que consideravam aquelas decisões não recorríveis (Acórdãos n.º 216/99, de 21-4-1999, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 43.º, pág. 239, e 387/99, de 23-6-1999, acessível no site www.tribunalconstitucional.pt), quer as que, admitindo o recurso, diferiam o momento da sua subida (Acórdão n.º 242/05, de 4-5-2005, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 62.º, pág. 365).

    Foi neste quadro que o legislador de 2007, visando impor maior celeridade ao processo penal, entendeu consagrar expressamente a solução da irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público, incluindo as decisões que apreciam a arguição de nulidades e outras questões prévias ou incidentais, passando o referido artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., a dispor:

    “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4, do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.”

    Apesar deste processo se ter iniciado quando se encontrava em vigor a redação do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, a decisão recorrida entendeu que a nova redação dada ao artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., era de aplicação imediata, nos termos do disposto no artigo 5.º, do C.P.P., pelo que considerou inadmissível um recurso interposto de um despacho de pronúncia proferido já no domínio da nova redação do artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., na parte em que havia indeferido a arguição da exceção de incompetência territorial do tribunal para julgar o processo e das nulidades imputadas a escutas telefónicas.

    Não cumpre a este tribunal apreciar da conformidade desta decisão com o direito infraconstitucional, mas sim verificar se o critério que lhe presidiu fere algum parâmetro constitucional.

    Entre os princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal encontram-se os princípios da não retroatividade da lei penal desfavorável, que se traduz na impossibilidade de ser aplicada lei que qualifique como crimes ou que agrave as penas relativamente a factos que lhe são anteriores, valendo apenas para o futuro, e o da retroatividade da lei penal mais favorável que impõe que a lei despenalizadora ou que puna menos severamente determinado crime se aplique aos factos passados (artigo 29.º, n.º 1 a 4, da C.R.P.).

    Na doutrina tem-se sustentado que, na medida imposta pelo conteúdo de sentido destes princípios, eles também são aplicáveis a algumas normas do processo penal, cuja natureza justifique tal extensão.

    Assim, ainda na vigência da Constituição de 1933, Figueiredo Dias já defendia que “…o princípio jurídico-constitucional da legalidade se estende, em certo sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal…importa que a aplicação da lei processual penal a atos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infração cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um ato ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa” (In “Direito Processual Penal”, 1º vol., pág. 112, da ed. de 1974, da Coimbra Editora). E citava em abono desta extensão do âmbito de aplicação do princípio da legalidade penal não só as opiniões de Caeiro da Mata (em “Apontamentos de processo criminal, pág. 31, da 2ª ed.) e de Castanheira Neves (em “Sumários de processo criminal”, 1968), mas também o próprio conteúdo de anteriores preceitos constitucionais (o § 10.º, do artigo 145.º, da Carta Constitucional de 1826, e o n.º 21, do artigo 3º, da Constituição de 1911).

    Apesar da atual Constituição também não enunciar especificamente qualquer critério de aplicação da lei processual penal no tempo, na doutrina continua a defender-se que aqueles princípios são extensíveis não só às normas processuais que condicionam a aplicação das sanções penais (v.g. as relativas à prescrição, ao exercício, caducidade e desistência do direito de queixa, e à reformatio in pejus), mas também às normas que possam afetar o direito à liberdade do arguido (v.g. as relativas à prisão preventiva) ou que asseguram os seus direitos fundamentais de defesa, todas elas apelidadas de normas processuais penais...

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