Acórdão nº 152/15 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2015
Magistrado Responsável | Cons. João Cura Mariano |
Data da Resolução | 04 de Março de 2015 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 152/2015
Processo n.º 866/14
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Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por acórdão do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, foi a arguida A. condenada pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 22.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 23.º, n.ºs 1 e 2, e 73.º, n.º 1, als. a) e b), todos do Código Penal, na pena de seis anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 22 de fevereiro, na pena de um ano e seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão. Foi ainda condenada a pagar ao demandante B. a quantia de €47.130,07 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
A arguida recorreu deste acórdão para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 12 de abril de 2014, concedeu provimento parcial ao recurso, reduzindo para €39.630,07 a indemnização devida pela arguida e demandada ao assistente e demandado, mantendo, no mais, o acórdão recorrido.
Inconformada, a arguida interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça e, por despacho do Relator, de 2 de maio de 2014, foi tal recurso admitido no que se refere ao pedido de indemnização civil, não o tendo sido no que respeita às penas em que a arguida foi condenada, ao abrigo do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
A arguida reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça da não admissão do recurso na parte criminal e, por decisão de 3 de julho de 2014, do Conselheiro Vice-Presidente daquele Tribunal, a reclamação foi indeferida.
Recorreu então a arguida desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
“…Como vem de se dizer, o presente recurso funda-se no disposto na al. b) do nº 1 do artº 70 supra citado, sendo certo que a recorrente, em sua opinião, suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal recorrido em termos de Este estar obrigado a dela conhecer.
Vejamos:
In casu, não se conformando a recorrente com o teor do d. Acórdão proferido pelo TRP, do mesmo, em tempo, apresentou recurso.
No seguimento, o TRP emitiu d. despacho o qual contém duas partes distintas.
Na primeira parte desse d. despacho, que não se questiona, consta o seguinte:
"Por estar em tempo e ter legitimidade, admito o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto pela arguida e demandada no acórdão proferido nestes autos, no que se refere à indemnização civil em que foi condenada, recurso que sobe imediatamente nos próprios autos, e tem efeito suspensivo (artigos 399º, 400º nºs 2 e 3, 401º, nº 1 c), 403º, nº 1 e nº 2 b), 407º nº 2 a), 408º nº 1 a), 411º, nº 1, e 432º nº 1 b) do Código de Processo Penal)”.
Por sua vez, na segunda parte desse d. despacho o TRP decidiu não admitir o recurso, fundamentando essa sua não admissão nos seguintes termos:
"Ao abrigo do disposto no artigo 400º, nº 1, f) do Código de Processo Penal, não admito tal recurso no que se refere às penas em que a arguida foi condenada".
Inconformada com a não admissão do seu recurso quanto à matéria penal, a recorrente reclamou para o STJ uma vez que, em seu entendimento, o despacho recorrido, padecia (e padece) de violação de Lei por força de uma errada interpretação da mesma, interpretação que é também inconstitucional face à inequívoca violação do disposto no art. 32 nº 1 da CRP, o que nessa sede logo se invocou.
Acontece que, através de d. decisão singular, o STJ veio a indeferir a reclamação apresentada, o que leva a recorrente a interpor o presente recurso.
E isto porque, a recorrente entende que a decisão de não admissão do recurso, in totum, por si interposto para o STJ, do d. Acórdão proferido pelo TR Porto, é claramente inconstitucional.
O fundamento invocado para a não admissão do recurso, na sua totalidade, quer por parte do TRP quer agora por parte do STJ em sua d. decisão singular foi o disposto no artº 400, nº 1, al. f) do Código de Processo Penal.
Escuda-se o STJ, tal como já o havia feito o TRP, no vago conceito da dupla conforme, sendo certo que a recorrente não se revê na interpretação exposta na d. decisão sumária ora posta em crise.
Entende a recorrente, ainda que com o respeito devido por opinião contrária, que deve ser outra a interpretação a dar a esse preceito legal, face à manifesta inconstitucionalidade que a interpretação efetuada pelo STJ e exposta na d. decisão sumária comporta.
O artº 400, nº 1, al. f) do C.P.P. dispõe que "não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos".
In casu, entende a recorrente que o d. acórdão proferido pelo TRP não confirma a decisão proferida pela 1ª instância.
É que, se em sede de 1ª instância se decidiu "b) Condenar a arguida A. pela prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de homicídio tentado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 131º, 22º, nºs. 1 e 2, al. b), 23º, nºs. 1 e 2 e 73º, nº. 1, als. a) e b), todos do C.P. e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artº 86º, nº. 1, al. c), da Lei nº. 5/2006, de 22 de fevereiro, nas penas parcelares, respetivamente, de 6 (seis) anos e de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico das mencionadas penas parcelares, condenar a arguida A. na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; (...) g) Condenar a arguida/demandada A. a pagar ao demandante B. a quantia de € 47.130,07 (quarenta e sete mil cento e trinta euros e sete cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais" - sic, por sua vez, o TRPorto decidiu "conceder provimento parcial ao recurso, reduzindo para trinta e nove mil, seiscentos e trinta euros e sete cêntimos (39.630,07€) a indemnização devida pela arguida e demandada ao assistente e demandante e mantendo-se, no restante, o douto acórdão recorrido"- sic.
Face ao que vem de se transcrever, forçoso é concluir que o TRP, ao "conceder provimento parcial ao recurso" interposto pela recorrente, não confirma a decisão proferida pela 1ª instância, e, como tal, não está preenchido um dos requisitos da alínea f) do nº 1 do artº 400 do C.P.P., e, a ser assim, como de facto é, faltando a confirmação, um dos elementos/pressupostos cumulativos previstos nessa mesma alínea, o recurso tem de ser admitido, atendendo à sua possibilidade legal, face à inexistência da dupla conforme.
Outra interpretação, ou seja, a interpretação quer do TRP quer, in casu, a do STJ, exposta na d. decisão sumária da qual se recorre, é uma interpretação que viola claramente o preceito que vem de ser citado, a que acresce o facto ser uma interpretação inconstitucional por violar, de forma manifesta, o disposto no artº 32, nº 1, da CRP, o que aqui se alega para todos os efeitos legais.
É inegável que o legislador na redação do preceito invocado para não admitir o recurso – artº 400, nº 1, al. f) do C.P.P. - inseriu o substantivo "DECISÃO", não constando de tal preceito qualquer referência ou sequer alusão expressa a "parte da decisão", seja esta matéria penal ou matéria relativa à indemnização civil, tal como já o havia feito o TRP e o fez agora o ST J na d. decisão sumária recorrida.
O preceito do CPP é claríssimo e nada diz a esse respeito, consagrando apenas e só o predito substantivo "decisão".
Ora, estando nós na presença de um ramo de direito tão sensível quanto é o direito penal e o direito processual penal, o qual contende com direitos, liberdades e garantias e suas implicações por força da sua consagração constitucional, estamos convictos que neste ramo do direito não é possível proceder a uma interpretação restritiva do preceito em causa (artº 400, nº 1, al. f) do C.P.P.), como o fez quer a 2ª Instância quer agora o STJ, sob pena de violação dos mais elementares princípios jurídico-constitucionais, logo da própria Constituição da República Portuguesa, mormente o seu artº 32, nº 1, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
Em nosso entendimento, é incontestável que, quando o Tribunal da Relação confirma apenas parte da sentença proferida em 1ª instância, se o legislador quisesse restringir a possibilidade de recurso apenas à parte não confirmada, tê-lo-ia dito de forma expressa na Lei, de modo particular no artº 400, nº 1, al. f), o que de todo não se verifica...
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