Acórdão nº 124/15 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 124/2015

Processo n.º 629/2014

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, na 3.ª Secção, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. O Ministério Público intentou contra o município de Lagoa, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ação administrativa especial destinada a obter a declaração de nulidade da deliberação camarária de 18 de dezembro de 1990, que licenciou o conjunto turístico Torre da Marinha, tendo indicado como contrainteressada A., S.A., titular do empreendimento.

    Finda a fase dos articulados, foi relegado para final o conhecimento das exceções invocadas pelos réus, dispensada a produção de prova testemunhal e as partes notificadas para apresentarem alegações escritas.

    Juntas as alegações escritas, o tribunal, funcionando em juiz singular, e com a invocação do disposto nos artigos 27.º, n.º 1, alínea i), e 87.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), proferiu sentença, com data de 9 de janeiro de 2009, em que deu como não verificadas as exceções de litispendência, caso julgado, inimpugnabilidade do ato administrativo e intempestividade da ação e julgou procedente a ação, declarando a nulidade da deliberação camarária impugnada.

    Em 5 de março de 2009, a contrainteressada A., S.A. interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que, por despacho do relator datado de 3 de julho de 2013, notificou a recorrente para se pronunciar sobre a possibilidade de não ser conhecido o recurso, em virtude de a sentença ter sido proferida com a invocação dos poderes conferidos pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA e haver lugar, nessa circunstância, a prévia reclamação para a conferência.

    A recorrente respondeu, suscitando, além do mais, a inconstitucionalidade da norma do artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA interpretada no sentido de que a sentença é insuscetível de recurso apenas podendo ser objeto de reclamação para a conferência, por violação do direito de acesso à justiça, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do princípio do processo equitativo e do princípio da confiança e segurança jurídica.

    O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 10 de outubro de 2013, decidiu não conhecer do recurso por considerar que da decisão proferida no uso dos poderes previstos na citada norma do CPTA não cabe recurso mas reclamação para a conferência.

    Dessa decisão foi interposto recurso excecional de revista para o STA, que não foi admitido, por acórdão de 3 de abril de 2014, com fundamento em que a questão suscitada tem sido analisada de forma consolidada na jurisprudência do STA e, mormente, nos acórdãos de 13 de fevereiro de 2014, no Processo n.º 1856/13, e de 18 de dezembro de 2013, no Processo n.º 1363/13.

    A recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do TCA Sul de 10 de outubro de 2013 e do acórdão do STA de 3 de abril de 2014, identificando, após despacho de aperfeiçoamento, as seguintes questões de inconstitucionalidade:

    i. a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, no quadro da invocação dos poderes conferidos pelos artigos 27°, n.º 1, alínea i), e 87°, n.º 1, do CPTA, não é suscetível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27°, n.º 2, desse Código;

    ii. a apresentação prévia de reclamação para a conferência é exigível mesmo que não tenham sido invocados fundamentadamente na sentença os pressupostos e fundamentos concretos da aplicação dos artigos 27°, n.º 1, alínea i), e 87°, n.º1, do CPTA;

    iii. A interposição de recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, após o decurso do prazo de dez dias, previsto no artigo 29°, n.º 1, do CPTA, impede a sua convolação em reclamação, por aplicação do disposto no artigo 199°, n.º 1, do anterior CPC e no artigo 193°, n.º 3, do NCPC.

    Prosseguindo o processo para alegações, a recorrente foi notificada para se pronunciar quanto à possibilidade de não conhecimento do recurso interposto do acórdão do STA de 3 de abril de 2014, por inutilidade decorrente do facto de a decisão recorrida não ter aplicado, em fundamento da rejeição do recurso de revista, as normas que integram o objeto do recurso, e de não conhecimento do recurso interposto do acórdão do TCA Sul, de 10 de outubro de 2013, no que se refere à questão enunciada na alínea ii) do requerimento de interposição do recurso aperfeiçoado, por inobservância do ónus de prévia suscitação, e na alínea iii), por inutilidade decorrente da não aplicação da norma sindicada.

    A recorrente apresentou alegações em que formula as seguintes conclusões:

  2. O presente recurso não tinha que ser imediatamente interposto da decisão que aplicou ou recusou a aplicação de norma reputada de inconstitucional – no caso sub judice, do Ac. TCA Sul, de 2013.10.10 –, mas sim aquando da prolação da “ulterior decisão que confirm(ou) a primeira”, in casu, do douto Acórdão do STA, de 2014.04.03 (v. art. 70º/6 da LTC), abrangendo no seu objeto ambos os referidos arestos (v. Ac. TC n.º 411/00, Proc. 501/2000; cfr. Acs. TC n.º 331/2005, Proc. 396/05; nº. 345/05, Proc. 405/2005; e nº. 133/2005, Proc. 110/2005, todos in www.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto nºs. 1 e 2;

  3. A “questão de inconstitucionalidade enunciada sob a alínea ii)” foi expressamente invocada no requerimento apresentado no TCA Sul, em 2013.09.03 (v. Pontos 2. e 3.), e nas alegações do recurso para o STA, apresentadas em 2013.11.08 (v. texto n.ºs 1 a 6, 10 e 13 a 16 e conclusões 2ª, 7ª e 9ª), tendo esta questão sido expressamente decidida pelo douto Acórdão TCA Sul, de 2013.10.10 – cfr. texto nº. 3;

  4. O douto Acórdão TCA Sul, de 2013.10.10, aplicou, pelo menos implicitamente, “a norma sindicada em iii)” – art. 29º/1 do CPTA (cfr. art. 199º/1 do CPC e art. 193º/3 do NCPC) –, pelo que esta questão não pode deixar de ser conhecida por este Venerando Tribunal – cfr. texto nºs. 4 e 5;

  5. A sentença do TAFL, de 2009.01.19, foi proferida no quadro da invocação expressa dos poderes conferidos “ao juiz ou relator”, pelo art. 87º/1 do CPTA, cuja aplicação “conduz ao afastamento da intervenção alargada de julgamento, prevista no art. 40º/3 do ETAF” (v. AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao CPTA, 2ª ed., p.p. 218-219), não prevendo, nem exigindo prévia reclamação para a conferência – cfr. texto nºs. 6 e 7;

  6. O referido art. 87º/1 do CPTA é manifestamente inconstitucional, interpretado e aplicado com o sentido e dimensão normativa que lhe foram atribuídos nos arestos recorridos, segundo os quais:

    a) A sentença do TAFL, de 2009.01.09, não seria suscetível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência, por violação dos princípios consagrados nos arts. 2º, 20º e 205º da CRP, pois “sanciona-se, no grau máximo, com a perda do direito de recorrer um desvio formal materialmente inócuo, considerando os fins para que a disciplina processual foi estabelecida. A gravidade das consequências processuais é totalmente desproporcionada à gravidade e relevância do desvio introduzido no modelo legalmente previsto” (v. Ac. TC nº. 102/2010, Proc. 800/09, in www.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto nºs. 6 e 7;

    b) A referida solução seria aplicável independentemente de se verificarem e de na sentença terem sido fundamentadamente invocados os seus pressupostos e fundamentos concretos, o que no caso sub judice não ocorreu, por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, do acesso à Justiça e aos Tribunais, bem como da tutela jurisdicional plena e efetiva (v. arts. 2º, 20º e 205º da CRP) – cfr. texto nºs. 7 e 8;

  7. O art. 27º/1 e 2 do CPTA, além de ser manifestamente inaplicável in casu, por não se verificarem, nem terem sido concretamente invocados os pressupostos expressamente estabelecidos na alínea i) do respetivo nº. 1, sempre constituiria, pelos mesmos motivos, norma claramente inconstitucional, por violação dos princípios consagrados nos arts. 2º, 20º e 205º da CRP – cfr. texto nºs. 6 a 8;

  8. O art. 29º/1 do CPTA (cfr. arts. 153º e 199º/1 do CPC e arts. 149º e 193º/3 do NCPC), com a dimensão e sentido normativo que lhe foi atribuído pelos acórdãos recorridos, segundo a qual a interposição de recurso jurisdicional, após o decurso do prazo de dez dias, impede a sua convolação em reclamação, é manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios consagrados nos arts. 2º, 20º e 205º da CRP (v. Ac. TC nº. 434/2011; cfr. Acs. TC nº. 587/11, nº. 359/2011 e nº. 324/11, todos in www.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto nºs. 9 e 10.

    O magistrado do Ministério Público contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

  9. Relativamente ao acórdão do STA, de 3 de abril de 2014, na medida em que, tendo resolvido não admitir a revista, não conheceu do objeto desse recurso e não fez aplicação de normas cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada durante o processo, falta o pressuposto processual da “aplicação de norma”, pelo que nesta parte é de proferir decisão de não conhecimento do objeto do recurso (Constituição, art. 280.º, n.º 1, e LOFPTC, arts. 70.º, n.º 1, al. b) e 79.º-C);

  10. Relativamente ao acórdão do TCA Sul, de 10 de outubro de 2013, no que respeita à matéria do “art. 27.º/1/i) e 2 do CPTA”, uma vez que vem invocado pela recorrente um vício no ato judicial de determinação ou escolha da norma jurídica “certa” e não já uma questão de desvalor constitucional dos atos normativos em causa, falta o pressuposto processual de “aplicação de norma”, entendido como “questão normativa de constitucionalidade”, pelo que também aqui é de proferir decisão de não conhecimento do objeto do recurso (Constituição, art. 280.º, n.º 1, e LOFPTC, arts. 70.º, n.º 1, al. b) e 79.º-C);

  11. Ainda quanto ao acórdão do TCA Sul, de 10 de outubro de 2013, agora no que respeita à matéria do “art. 29º/1 do CPTA”, uma vez que nos autos de recurso jurisdicional não foi aplicada a norma jurídica...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
20 temas prácticos
20 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT