Acórdão nº 01568/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelARAG
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: O Ministério das Finanças interpôs recurso de revista excecional, nos termos do artigo 150º do CPTA, que oportunamente foi admitido, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 10/7/2015, no processo que aí correu termos sob o n.º 06709/13.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: 1. O presente recurso de revista vem interposto do Douto Acórdão proferido em conferência pelo TCA Sul em 10-07-2015; 2. Salvo o devido respeito, que é muito, entende o Ministério das Finanças que esse acórdão procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo esse Supremo Tribunal intervir em Revista, pois que se verificam os pressupostos previstos na lei para o efeito.

  1. Nos presentes autos foi rejeitado o recurso jurisdicional interposto pelo Ministério das Finanças da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 19-11-2012, por ali se ter entendido ser aplicável ao caso - em que estava em causa uma ação administrativa especial em matéria tributária da competência e a correr termos num tribunal tributário - o regime previsto no art. 40.º n.º 3 do ETAF (para os tribunais administrativos de círculo) e, por isso, ser também aplicável ao caso a alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA.

  2. Em consequência do que se decidiu que o meio de reação adequado deveria ter sido a reclamação nos termos do nº 2 do citado artigo 27º do CPTA e não aquele recurso jurisdicional, tendo este sido rejeitado por intempestividade.

  3. A questão relevante controvertida nestes autos consiste, essencialmente, em saber se nas circunstâncias do caso, numa sentença proferida numa ação administrativa especial em matéria tributária, proferida num Tribunal Tributário, por juiz singular (como não podia deixar de o ser), o TCA, ao aplicar a alínea i) do nº 1 e o nº 2 do artigo 27º do CPTA, e isso por entender ser também aplicável o art.º 40.º n.º 3 do ETAF, procedeu a uma incorreta aplicação do direito.

  4. A questão enunciada é fundamental para garantir uma correta e melhor aplicação do Direito e tal, note-se, numa matéria em constante aplicação nos tribunais.

  5. E isso, além do mais, dado que, aquando da interposição, nos presentes autos, do recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário para o TCA Sul, a opção jurisprudencial que se encontrava firmada era no sentido de que das sentenças proferidas em primeira instância pelos tribunais tributários cabia sempre imediato recurso jurisdicional, a interpor no prazo de 30 dias após a notificação das mesmas, em conformidade com o nº 1 do artigo 144º do CPTA, pelo que a sua rejeição constituiu uma decisão totalmente imprevisível.

  6. Apenas agora houve uma inflexão na jurisprudência respeitante às ações administrativas especiais em matéria tributária, tendo os tribunais tributários e os TCA começado a decidir que das sentenças proferidas pelos tribunais tributários cabe reclamação, nos termos do artigo 27º nº 2 do CPTA, e não recurso.

  7. Face ao que se impõe reconhecer, in casu, a importância jurídica da questão e a sua relevância excecional com vista a uniformizar as decisões e a permitir segurança no domínio do acesso à justiça, situação em que a Revista é essencial.

  8. Em abono do referido veja-se o entendimento acolhido pelo douto acórdão desse Supremo Tribunal proferido no processo nº 1360/13, de 12-09-2013, que supra se transcreveu e que, atenta a sua bondade manifesta, damos como reproduzido, salientando-se aqui que, como aí se refere: «A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo, (...)».

  9. Termos em que, por estarem verificados os respetivos pressupostos legais, deve a Revista ser admitida.

  10. No caso em apreço estamos perante uma ação administrativa especial cujo objeto consiste num ato administrativo em matéria tributária (que não comporta a apreciação do ato de liquidação - cf. 97, nº 1, alínea p) e nº 2 do CPPT).

  11. A competência para conhecer desses atos administrativos respeitantes a questões fiscais (que não comportem a apreciação do ato de liquidação) foi atribuída aos tribunais tributários pelo artigo 49º, nº 1-a)-iv do ETAF.

  12. Em conformidade com essa norma, os recursos contenciosos - hoje ações administrativas especiais - em matéria tributária correm termos, em primeira instância, nos tribunais tributários.

  13. A competência, organização e funcionamento dos tribunais tributários vem regulada no ETAF, no Capítulo VI desse diploma.

  14. No que especificamente respeita ao funcionamento dos tribunais tributários, rege o artigo 46º do ETAF, decorrendo dessa norma que os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular, só assim não sendo por decisão do presidente do tribunal tributário em causa e na situação específica prevista no respetivo nº 2.

  15. E, salvo o devido respeito, contrariamente ao que o TCA entendeu nos presentes autos, o entendimento da ora recorrente, acima expresso, não é posto em causa pelo regime constante nos artigos 9º-A e 49º-A, aditados ao ETAF pelo Decreto-Lei nº 166/2009, de 31-7.

  16. Da interpretação sistemática do referido artigo 49º-A e atendendo ao Capítulo do ETAF onde está integrado, a conclusão a retirar é que não poderá aplicar-se ao juízo de pequena instância a norma do ETAF prevista no n.º 2 do artigo 46º.

  17. Assim, reiterando o que já havíamos concluído - contrariamente ao que acontece com os tribunais administrativos de círculo - por imposição expressa do artigo 46º, nº1 do ETAF os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular, só não sendo assim na situação específica prevista no nº 2 do mesmo preceito.

  18. Diversamente do que acontece com os tribunais tributários, a organização, competência e funcionamento dos tribunais administrativos de círculo vem regulada no ETAF, no Capítulo V desse diploma e, dentro deste, no que especificamente respeita ao funcionamento dos tribunais administrativos de círculo, no artigo 40º.

  19. O acórdão recorrido apela, em defesa da sua tese, para o nº 3 desse artigo 40º do ETAF, porém esse nº 3 (bem como, de resto, os números 1 e 2 do mesmo preceito) aplica-se apenas à jurisdição administrativa.

  20. Deste modo, as ações administrativas especiais que aí se referem são as que correm termos nesses tribunais administrativos de círculo e não aquelas que o legislador entendeu serem da competência e deverem correr termos nos tribunais tributários, como acontece com a ação administrativa especial sub judice.

  21. Decorrendo das normas referidas que, por opção do legislador, as ações administrativas especiais que correm termos nos tribunais tributários são, por regra, julgadas por juiz singular e que, por opção do mesmo legislador, as ações administrativas especiais que correm termos nos tribunais administrativos de círculo, se de valor superior à alçada, por regra, são julgadas por tribunal coletivo.

  22. Matéria que foi claramente explicitada, em termos que consideramos ser de acolher integralmente, pelo ilustre Conselheiro Lúcio Barbosa, no voto de vencido que proferiu no já atrás mencionado Acórdão desse Supremo Tribunal de 2-5-2007, Processo nº 01128/06.

  23. Sendo ainda de ter presente, a propósito, que, como também vimos nas presentes alegações, o legislador previu aquele particular regime das ações administrativas especiais da jurisdição administrativa, que correm termos nos tribunais administrativos de círculo, com um objetivo específico.

  24. Poderia, também, o legislador ter considerado ser necessária, por quaisquer razões, a intervenção do coletivo de juízes nas ações administrativas especiais no contencioso tributário, porém não o fez, não cabendo ao intérprete e aplicador do direito substituir-se ao legislador, sob pena de usurpação de poderes.

  25. Do supra exposto decorre também, contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, a inaplicabilidade ao caso em apreço do regime estabelecido no artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA.

  26. Funcionando os tribunais tributários, por determinação expressa da lei, com juiz singular, carece de sentido a atribuição de uma competência (ao juiz singular) para proferir despacho em ordem a afastar a necessidade de intervenção de coletivo.

  27. Por outro lado, os tribunais tributários, como também já vimos, só funcionam em coletivo quando se verifica a situação prevista no nº 2 do artigo 46º, e, nessa situação, não se coloca, também, naturalmente, a hipótese de poder, depois, vir o relator proferir decisão nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA.

  28. Não sendo esse artigo 27º, nº 1 alínea i) suscetível de aplicação no âmbito dos processos de ação administrativa especial em matéria tributária que correm termos nos tribunais tributários, o seu nº 2 também não é suscetível de ter aplicação nesse âmbito.

  29. E, deste modo - contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, que procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação de todos os preceitos acima citados -, não cabia interpor qualquer reclamação, mas antes recurso jurisdicional, nos termos dos artigos 140º e 144º do CPTA.

  30. Ao que acresce sublinhar que, como se explanou nas presentes alegações, no caso em apreço, não apenas a sentença não foi proferida por relator, como o não podia ter sido, pois in casu, de um lado nunca houve qualquer coletivo de que pudesse haver relator, por outro, de facto, todo o processo no tribunal a quo foi efetivamente conduzido, desde o seu início, por juiz singular.

  31. O que, de resto, está em consonância com o facto de não haver sequer qualquer referência ao artigo 27º do CPTA na sentença do Tribunal Tributário ora em causa.

  32. Por último, mas não menos importante, importa...

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