Acórdão nº 0816232 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Fevereiro de 2009
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR ESTEVES |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso Penal nº 6232/08 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório Nos autos de processo gracioso de concessão de liberdade condicional que, com o nº .../05.3TXPRT, correm termos no .º juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, foi proferido despacho que desatendeu a nulidade arguida pelo recluso B.........., devidamente identificado nos autos, relativamente à parte da decisão que, tendo-lhe concedido a liberdade condicional, lhe impôs como um dos deveres o pagamento de uma determinada quantia à ofendida.
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, pedindo que seja revogada e formulando as seguintes conclusões: 1. O recorrente arguiu a nulidade insanável do despacho de concessão de liberdade condicional, na parte em que lhe impôs o dever de "pagar mensalmente, até ao dia dez de cada mês e com início em Setembro próximo, a quantia de mil euros à ofendida C.........., Lda", nos termos dos art. s 64° e 52° do Código Penal Português, para todos e devidos legais efeitos nos termos dos art. s 119° al. e) com os efeitos do art.122º do CPP.
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Dos artigos citados (64° e 52º do Código Penal Português), não decorre em momento algum, legitimidade/competência para a imposição de tal dever, decorre sim ter o Tribunal de Execução de Penas competência para aplicar e fazer cumprir os art.s 52°, nºs 1 e 3 do art.53º, al.s a) a C) do art.55º nº 1 do art.56º e art.57°, e não os deveres constantes do art.51° nº1 al. a) "pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado (...).
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A decisão, na parte em que aplica o dever constante da norma do art.51° nº1 al. a do CP, padece de nulidade insanável, por falta de competência material, de acordo com as disposições conjugadas dos art.s 18° do CPP e 22° do DL.783/76 de 29 de Outubro com as alterações introduzidas pelo DL. 222/7 de 30 de Maio.
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O recorrente consentiu expressamente na concessão da liberdade condicional, sendo que jamais interiorizou que lhe pudesse ser imposto o dever de pagar a quantia de mil euros mensais como regra de conduta a seguir em liberdade condicional e como condição de manutenção desta.
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Não possuiu capacidade económico-financeira para suportar tal quantia mensal, razão pela qual não procedeu em tempo ao pagamento da indemnização fixada em sentença não usufruindo do perdão parcial aplicada.
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Ao interpretar-se como se interpretou a norma do art. 52° no sentido de que a mesma permite a imposição do dever de pagamento no todo ou em parte da indemnização devida ao lesado é inconstitucional por violação dos artigos 18° 32° e 211 ° da CRP, o que se invoca para efeitos do art.70º e seguintes da CRP 7. A interpretação deste consentimento de pagamento que qualifique essa nulidade insanável como sanável está ferida de inconstitucionalidade material, por ofensa do disposto no nº 5 do art. 20º e no n° 1 do art. 32º, CRP, o que se invoca para efeitos do art.70º e seguintes da CRP 8. O despacho que agora se recorre, que indeferiu a nulidade arguida é um reparar/ fundamentar de facto e de direito da decisão cuja nulidade se arguiu pois nada responde aos fundamentos invocados aquando da arguição de nulidade, 9. Antes repara uma decisão quando já estava esgotado o seu poder Jurisdicional quando refere" (...) tal regra promove a reintegração do condenado na sociedade, na medida em que funciona como um mecanismo de auxílio na tomada de consciência das consequências civis do acto ilícito, o que contribuirá, espera-se, para o evitar de ulterior infracções.
Por outro todo, a obrigação imposta não representa para o condenado o cumprimento de algo que não lhe seja razoável exigir-lhe (art.51°, nº2, aplicável por força do art.54º, nº4, ambos do citado diploma.Com efeito, está também em causa a reparação (no caso, parcial) das consequências do crime e em moldes em relação aos quais o condenado, quando ouvido, deu anuência expressa (...)" 10. O art. 51º do Código Penal contém regras e deveres, sendo que "o dever de pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível. a indemnização devida ao lesado a suspensão da execução da pena de prisão" só pode ser imposto pelo juiz de julgamento por ser materialmente para o efeito e nunca da competência material do juiz do Tribunal de Execução de Penas, pois como diz e bem, Maia Gonçalves "os deveres distinguem-se das regras de conduta, pois estas destinam-se primordialmente a facilitar a reintegiação do condenado na sociedade, enquanto que os deveres só visam indirectamente tal desiderato, destinando-se principalmente à reparação do mal do crime. (em Código Penal Português, anotado e comentado, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 1995, p. 315 e 317).
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Isto quer dizer que a suspensão da execução da pena de prisão pode ficar sujeita à condição de o condenado pagar determinada importância pecuniária ao ofendido, que poderá ser o montante da indemnização àquele devida. Todavia, aquela importância tem de ser adequada às suas condições económicas, de modo que o possa razoavelmente pagar (cfr. neste sentido o acórdão desta Relação de 4/02/2004, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf sob o n° 0315956; e o acórdão da Relação de Coimbra de 20/09/2000, CJ/2000/lV/51).
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É também neste sentido que alude o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2004 (em www.dgsi/jstj.nsf sob o nº 03P4033): "A decisão de suspensão de execução da pena de prisão, quando sujeita a condições, deveres ou regras de conduta, nos termos permitidos pelo artigo 50º, nº 2, do Código Penal, tem de pressupor e conter um razoável equilíbrio entre natureza das imposições à pessoa condenada e a eficácia e integridade da medida de substituição. A imposição de condições de muito difícil ou não suportável cumprimento não satisfaz, nem as injunções para a reintegração dos valores afectados e para a condução de vida de acordo com tais valores, nem conformação da vontade da pessoa condenada na aceitação e no respeito das sujeições que devem acompanhar e potenciar o reencaminhamento para o reencontro com os valores do direito. Por isso, os deveres ou condições a estabelecer na suspensão da execução da pena devem ser adequados, pessoal e materialmente possíveis, num plano de reordenação para os valores do direito que previna, no essencial, a reincidência, ou que possa contribuir para a reparação das consequências do crime".
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Também o Prof. Germano Marques da Silva defende que não devem ser impostos à pessoa condenada deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento desses deveres (em Direito Penal Português, vol. III, pág. 208).
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A aplicação da norma constante do art.51 e nº1 é aplicada sempre num momento anterior à execução da pena privativa de liberdade e nunca depois do cumprimento parcial desta. É uma possibilidade, uma última oportunidade dada ao condenado de ele reparar o mal do crime sem cumprir a pena privativa de liberdade.
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Impor-se ao recorrente o dever de pagar mensalmente a quantia de mil euros mensais após o cumprimento de 45 meses de prisão efectiva dos 60 meses a que tinha sido condenado é manifestamente uma ofensa ao princípio da razoabilidade dos deveres contido no art.52º nº2 do CP.
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A nossa constituição não permite a prisão por dívidas, artigo 27°, n° 1, da Constituição, em consonância com o previsto no artigo1º do Protocolo n° 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Dos trabalhos preparatórios do referido Protocolo resulta que o que se proíbe no artigo 1 ° é a «prisão por dívidas» por que uma tal situação é contrária à noção de liberdade e de dignidade humanas. Ao impor-se o dever de pagamento como condição da manutenção da liberdade condicional, está-se a contornar tal princípio constitucional em vez de o observar e aplicar.
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Ao recorrente não lhe foi dada a possibilidade de suspender a pena em virtude do pagamento. Ainda que ele tivesse pago nunca lhe seria aplicada uma pena de substituição (suspensão da pena de prisão) mas sempre a pena principal (pena de prisão efectiva) que cumpriu quase na totalidade.
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Ao decidir como decidiu foram violadas as seguintes normas: 18º 51º 52º e 64º do CPP; 119º e 122º do C P Penal; 22º do DL.783/76 de 29 de Outubro com as alterações introduzidas pelo DL.222/77 de 30 de Maio, 20° 27° 35° da CRP e artigo 1º do protocolo nº 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Na resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, concluindo como segue: 1. O TEP, face ao que dispõem os art.s 22º,§ 8.° do Dec. Lei 783/76, de 29/10, e 64.°, n.° 1, e 52,° do Código Penal, tem competência para fixar obrigações pecuniárias aos libertados condicionalmente.
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Efectivamente, aquele art°. 52.°, elencando, exemplificativamente, determinadas regras de conduta passíveis de aplicação pelo tribunal, deixa ainda ao Juiz a possibilidade de impor ao condenado o "cumprir determinadas obrigações" (na...
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