Acórdão nº 0844093 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA ELISA MARQUES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 4093/08-4 4ª Secção (2ª Secção Criminal) I - Relatório Por Acórdão proferido nos autos de processo comum (tribunal Colectivo) nº ./05.2GBVRL do TRIBUNAL JUDICIAL DE VILA REAL-.º Juízo, foram condenados os Arguidos: a) (...) B.......... pela prática, em co- autoria material e concurso real de : - um crime de violação, previsto e punido no artº 164º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão; em autoria material - um crime de coacção grave, previsto e punido no artº 154º e 155º, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; - um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido no artº 6º, da Lei 22/97, de 27 de Junho, alterada pela Lei 98.01, de 25 de Agosto, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, considerando os factos e a personalidade do arguido, nos termos acima referidos, condena-se o arguido em 5 (cinco) anos de prisão.

  1. (...) C.........., como co-autor material, sob a forma tentada, na prática de um crime de violação, previsto e punido nos artºs 22º e 23º e 164º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período.

  2. Absolver o arguido C.......... da prática do crime de violação do artº 164º, nº 1, sob a forma consumada de que vinha acusado.

  3. Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido pela demandante D.......... e condenar solidariamente os arguidos/demandados B.......... e C.......... a pagarem à demandante o montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros a título de danos não patrimoniais.

    Condenar ainda o arguido B.........., a título individual, a pagar à demandante a quantia de €20.000,00 (vinte mil) euros a título de danos não patrimoniais.

    Aos aludidos montantes acrescem juros de mora cíveis contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

  4. Julga-se improcedente o remanescente do pedido cível deduzido pela demandante e absolvem-se os demandados do mesmo.(..)".

    Inconformados interpuseram recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões: 1ª) Os factos dados como provados, despidos e sem móbil, aqui dados por integralmente reproduzidos, são manifestamente insuficientes para levar o Tribunal "a quo" à condenação dos arguidos, pelo que, ao decidir como decidiu, o tribunal "a quo" violou os princípios de presunção de inocência (artº 32º da C.R.P.) e "in dúbio pro reo"; 2ª) O Tribunal "a quo" fez a inversão do ónus da prova da presunção da inocência dos arguidos, impondo-lhes o ónus da prova da não prática dos factos, violando, como violou, também o princípio da presunção de inocência; 3ª) Vigorando, como vigora, no processo penal o princípio da presunção de inocência, o ónus da prova incumbe à própria justiça devendo seguir esta, também, por não estar ao alcance da inteligência humana a certeza plena, regras incontestáveis de equidade e razoabilidade que o Tribunal "a quo" obliterou, violando, assim, também o princípio da presunção de inocência; 4ª) Os factos dados como provados e bem assim a aplicação e interpretação da lei aos factos constitui clara violação material do art. 32º, nº 2 da C.R.P., por causar na esfera jurídica dos arguidos insuportável ofensa dos seus direitos; 5ª) Ao valorar o depoimento da assistente, sendo certo que a assistente nem sequer testemunha pode ser, principalmente quando nenhuma testemunha arrolada pela acusação presenciou os factos, o Tribunal "a quo" fê-lo acriticamente, sendo certo que a apreciação das provas, mesmo no sistema da livre convicção, é também vinculada pelo menos aos princípios em que se consubstancia o sistema jurídico, às normas da experiência e regras da lógica, violando, entre o mais, o disposto no art. 127º do C.P.P., e os princípios da presunção de inocência e "in dúbio pró reo"; DO ARGUIDO B..........

    Da Violação 6ª) A assistente/ofendida em momento algum refere o que foi dado como provado pelo Tribunal "a quo" no ponto 33º e 34º dos factos provados.

    Aliás, do depoimento da assistente/ofendida, alcança-se que o ora recorrente não chegou a introduzir o seu pénis na vagina da assistente, tão pouco ejaculando nas partes íntimas.

    1. ) Embora o Tribunal "a quo" "conduzisse" a ofendida e esta fosse torquemizada durante praticamente toda a audiência de julgamento a responder "sim" ou "não", a instâncias do Meritíssimo Juiz, a assistente/ofendida não afirma, em momento algum, que o recorrente introduziu o pénis na sua vagina, nem que ejaculou nas partes intimas. Pelo contrário, diz claramente "foi para as pernas". (vide transcrições efectuadas na pag. 19 do presente recurso).

    2. ) A ofendida não refere nem descreve, quais as expressões ou actos de violência que o ora recorrente tenha usado para poder levar a cabo a violação, no entanto, e erradamente, o Tribunal "a quo" dá como provado no ponto 31º e 32º que "...por palavras não apuradas" e "...por oposição verbal e física" a ofendida dizia ao recorrente para cessar tal comportamento. Quais as palavras que a ofendida usou? Quais os comportamentos da ofendida que possam espelhar a oposição física? Perguntas que o Tribunal "a quo" não conseguiu responder.

    3. ) Atento o princípio da presunção de inocência do Arguido era à acusação que competia fazer a prova das concretas palavras e dos concretos comportamentos, nos quais se manifestassem a oposição. E não lograram fazê-lo. A oposição é uma conclusão que tem que ser sustentada em factos concretos que o próprio Tribunal " a quo" reconhece que não apurou.

    4. ) O Tribunal "a quo" caracteriza como "violência", o facto do recorrente ter empurrado e deitado a ofendida no banco do passageiro e ter segurado os ombros da ofendida, ao mesmo tempo que manteve o peso do seu corpo.

    5. ) Senhores Desembargadores, "in casu" estamos a falar de alguém que tinha à altura dos factos 34 anos, vide doc de fls..., embora não conste da matéria dada como provada, e que não foi possível apurar se era virgem, porquanto, conforme se alcança dos documentos juntos a fls... e dado como provado no ponto 66º o hímen da ofendida possuía vestígios de soluções de continuidade cicatrizadas.

    6. ) Contrapondo as declarações da Ofendida, o depoimento da mãe, o depoimento da perita médica e a prova documental temos, a ofendida e a mãe a dizerem que a ofendida não se lavou até ao exame e que teria havido sangramento na zona genital, temos a perita médica a dizer que se a ofendida se não tivesse lavado teria que haver necessariamente vestígios de sangue, e do documento resulta que a ofendida quando efectuou o exame afirmou que se lavou.

    7. ) Em face dos aludidos meios de prova e da conjugação dos mesmos, o Tribunal "a quo" só podia concluir que ou em audiência ou aquando do exame a Ofendida e a Mãe MENTIRAM.

    8. ) O Tribunal "a quo" fundamentou a sua convicção nas declarações da Ofendida e nos depoimentos dos pais, nomeadamente na Mãe. Como pode o Tribunal "a quo" relevar de forma tão pouco crítica depoimentos que contrapostos com os restantes meios de prova nos levam sempre a concluir por uma verdade insofismável: a ofendida e a mãe, em determinado momento e sobre determinados factos MENTIRAM, e se o fizeram o Tribunal não poderia pura e simplesmente não relevar tal facto ou não se pronunciar sobre ele.

    9. ) O Tribunal "a quo" dá como provado que (cfr. Pontos nºs 25º, 35º, 37º, 41º a 46º da matéria dada como provada) entre as 8h50m e as 9h02 a assistente/ofendida foi objecto dos actos preparatórios da violação e da própria violação, ora tal é impossível, já que a assistente/ofendida diz a instâncias do Tribunal "a quo" que os recorrentes, "in casu" o recorrente esteve meia hora a tentar agarrá-la, (vide transcrições efectuadas na pag. 25 do presente recurso).

    10. ) Durante o aludido período, entre as 8h50m e as 9h02, em que o tribunal dá como provado que a assistente/ofendida foi objecto dos actos preparatórios da violação, encontrando-se, inclusive, ainda o arguido C.......... no local (cfr. Ponto 37º da matéria dada como provada) e da violação propriamente dita, a assistente/ofendida efectua cinco chamadas (cfr. ponto 18º da matéria dada como provada) e atende quatro chamadas (cfr. Ponto 41º da matéria dada como provada) quando emana da "convicção do tribunal" que "o telemóvel terá ficado na viga no exterior do barraco junto à carrinha, mesmo quando foi levada para dentro da carrinha", aliás o que foi afirmado pela assistente/ofendida.

    11. ) Como é que se consegue explicar, e o Tribunal "a quo" não conseguiu, que alguém que está a ser objecto de violência e de uma violação efectue cinco chamadas, com conversação e atenda outras quatro chamadas, de um telemóvel depositado numa viga? 18ª) Tanto quanto nos diz a experiência comum só é possível efectuar e receber chamadas através da intervenção humana. Sendo assim, como pode o Tribunal "a quo" ter ficado com a convicção que de um telemóvel colocado numa viga podem ter sido efectuadas e recebidas chamadas? (vide transcrições efectuadas na pag. 34 do presente recurso).

    12. ) Para tal acontecer a Ofendida tinha que ter estado sempre na posse do seu telemóvel. E se assim era, não poderia estar manietada. Diz-nos a experiência comum e a razoabilidade que se duas pessoas estão no exercício de uma relação sexual e uma tem um telemóvel, de onde faz e recebe chamadas, não pode estar a ser exercida violência sobre essa pessoa, pelo menos de forma a constrangê-la a ter a dita relação sexual.

    13. ) Mesmo que se configurasse tal cenário como possível, a que propósito é que a Ofendida e a Mãe inventaram a versão rocambolesca das chamadas do telefone na viga? 21ª) Os factos que se seguiram indiciam precisamente o contrário daquilo que o Tribunal "a quo" deu como provado. Será entendível que após uma violação, o violador, acto contínuo faculte à vítima, de livre e espontânea vontade, o seu telemóvel para ela telefonar para os seus pais (cfr. ponto 44º da matéria dada como provada), sem ter efectuado qualquer ameaçada à assistente/ofendida, no sentido desta não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT