Acórdão nº 11271/2008-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - No dia 20 de Novembro de 2008, no termo do 1.º interrogatório judicial do arguido G, a Sr.ª juíza colocada no 2.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa proferiu o despacho (fls. 4674 a 4682) que, na parte para este efeito relevante, se transcreve: O arguido G foi presente a 1.º interrogatório judicial indiciado pela prática de vários ilícitos, todos eles relacionados com condutas que envolvem actos de violência dirigidos a terceiros e que têm na sua base rivalidades derivadas do facto de todos eles, adeptos do Sport Lisboa e Benfica, pertencerem à denominada claque dos "NO NAME BOYS" (doravante identificada pela sigla NNB).

Tais acções de violência têm sido concertadas contra adeptos de outros clubes (designadamente do Sporting Clube de Portugal e do Futebol Clube do Porto), bem como contra elementos das forças policiais e de segurança privada, provocando distúrbios no interior e no exterior dos recintos desportivos, criando um clima de insegurança e de intranquilidade públicas.

Estes distúrbios envolveram também a utilização nos estádios de futebol de material pirotécnico (tochas, petardos e potes de fumo) e o arremesso de tochas em combustão, isqueiros, cadeiras e garrafas contra adeptos de outras claques e agentes da autoridade e elementos da segurança privada, e são normalmente acompanhadas de expressões injuriosas e de incentivação à violência.

Apesar de estes factos resultarem dos autos, são do conhecimento público por terem sido noticiados pelos diversos órgãos de comunicação social e não há que pô-los em causa.

Defende o Ministério Público que o arguido G aderiu à organização liderada pelos arguidos JP, AC e (H), na qual os respectivos membros se mostram organizados e têm funções específicas, mostrando-se preenchidos todos os elementos do tipo legal do crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.º do Código Penal.

Ora, em nosso entender, porém, a prova produzida nos autos (remetendo nesta parte para os elementos de prova com os quais o arguido foi confrontado no seu interrogatório) não se mostra suficiente para que se possa considerar preenchido o conceito de indícios fortes da prática por este do referido crime de associação criminosa.

Com efeito, as dificuldades normalmente inerentes à prova do crime de associação criminosa mostram-se presentes no caso dos autos, não resultando fortemente apurado que o arguido faz parte de uma organização cuja finalidade ou actividade seja dirigida (especificamente) à prática de ilícitos criminais.

Por outro lado, não resultou apurado (mesmo indiciariamente) que o grupo dos NNB tenha uma estrutura organizatória que implique a concretização de funções específicas atribuídas a alguns dos membros.

Em nosso entender, o que resulta é que os NNB, que nem sequer existem como uma organização ou associação formal, são efectivamente um grupo (claque) de apoiantes do "Sport Lisboa e Benfica" que tem por finalidade o apoio à equipa (designadamente de futebol) nos jogos. O que não significa que não surjam episódios de violência (como surgem também episódios idênticos da iniciativa de claques de outros clubes) especificamente relacionados com questões de rivalidades desportivas, episódios estes que se mostram extremados pela dinâmica normal da actuação em grupo.

Ao arguido G é também imputada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do D.L. 15/93, de 22.01, por no dia 07.01.08, em Benfica, ter sido apreendido na viatura onde se fazia transportar, juntamente com os arguidos JP, AC e (H), um sabonete de haxixe com o peso de 100,30 gramas.

Tal factualidade mostra-se sustentada nos elementos de prova que foram dados também a conhecer ao arguido no seu interrogatório.

Admitindo-se a versão do arguido de que o estupefaciente apreendido (haxixe) se destinava ao seu consumo e dos outros três arguidos, não será de afastar, por ora, a eventualidade da prática de um crime de tráfico de menor gravidade (tendo por base a quantidade de produto apreendido e o conceito de consumo médio diário).

Ao arguido G são ainda imputados crimes de roubo agravado, de dano, de ofensa à integridade física e de incêndio.

Pese embora o entendimento do Ministério Público, em nosso entender, não resultam, da prova produzida no NUIPC 512/08.8 PTLSB (relativo aos incidentes que envolveram o incêndio provocado na sede da Juve Leo no Estádio de Alvalade), elementos que permitam imputar ao arguido a autoria dos factos aí em causa e que integram o tipo legal do crime de incêndio na forma tentada.

Com efeito, em nenhum dos fotogramas que constam do NUIPC em causa é possível identificar qualquer dos intervenientes nos factos, não existem testemunhas presenciais que possam identificar o arguido e este nega a autoria dos factos.

Relativamente aos restantes factos com os quais o arguido foi confrontado, consideramos que: Se mostra fortemente indiciada a prática por este de: - Dois crimes de ofensas à integridade física e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, e artigo145.º, n.º 2, ex vi do artigo 132.º, n.º 2, alíneas e), h), i) e j), e artigo 210.º, n.º 1, todos do Código Penal (NUIPC 110/08.6SVLSB), em que o arguido foi presencialmente reconhecido por duas das vítimas; - Dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, um crime de incêndio em concurso aparente com um crime de dano com violência, um crime de roubo, p. e p. nos termos do artigo 143.º, n.º 1, e artigo 145.º, n.º 2, ex vi artigo132.º, n.º 2, alíneas e), h), i) e j), 214.º, alínea a), artigo 272.º, n.º 1, e artigo 210.º, n.º 1, todos do Código Penal (NUIPC 1319/08.8PSLSB), em que o arguido foi presencialmente reconhecido por duas das vítimas e ainda face aos fotogramas que se mostram juntos no respectivo NUIPC; Existem alguns indícios que justificam a prossecução da investigação da prática por este arguido de: - Um crime de incêndio p. e p. nos termos do artigo 272.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (NUIPC 910/08.6PULSB), face ao teor da sessão telefónica 8155 (Alvo 1N085M).

- Um crime de dano com violência, p. e p. nos termos do artigo 214.º, n.º 1, a), do Código Penal (NUIPC 910/08.6PULSB), face ao teor do depoimento do ofendido, fotografias de fls. 32, 35-44 e, embora parcialmente, às declarações do arguido.

* Cumpre agora determinar o estatuto processual do arguido.

Nos termos do n.º 1 do artigo 193.º do Código de Processo Penal "as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas" (princípios da adequação e da proporcionalidade).

Assim, a decisão que aplique medida de coacção tem de partir da avaliação da sua necessidade face às referidas exigências (nisto consistindo o princípio da necessidade da medida de coacção), ponderando-se depois a gravidade da conduta que ao arguido se impute e fazendo-se, a partir da medida abstracta da pena, um juízo de previsibilidade da pena concreta em que este venha a ser condenado (princípios da adequação e da proporcionalidade).

Quanto às exigências cautelares há que considerar o disposto no artigo 204.º do Código de Processo Penal, que dispõe que nenhuma medida de coacção (à excepção do TIR) pode ser aplicada se, em concreto, não se verificar fuga ou perigo de fuga, perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.

Enumeram-se assim as várias situações que consubstanciam exigências cautelares processuais e extra processuais, como a necessidade de protecção da comunidade.

Dentro do elenco das medidas de coacção previstas na nossa legislação a de prisão preventiva (medida requerida pelo Ministério Público) aparece como a mais gravosa de todas as medidas, assim se justificando que só possa ser aplicada se existirem fortes indícios da prática pelo arguido de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos (crimes de roubo agravado, de incêndio e de tráfico de estupefacientes), de crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a três anos e, ainda, se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão - artigo 202.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

As condutas descritas nos autos, no que aos ilícitos fortemente indiciados [se refere], são muito graves.

Recordemos que a situação em causa no NUIPC 1319/08.8PSLSB envolveu, para além de outras agressões, o arremesso pelo arguido para o interior da viatura de uma tocha que caiu em cima das pernas de uma das vítimas que nele se encontrava, provocando um incêndio no carro (vd. fotografias de fls. 8).

Urge aplicar uma medida cautelar de prevenção especial que obste à sua repetição, não tendo o Tribunal dúvidas de que o arguido em liberdade continuará a sua actividade criminosa.

Fundamenta esta conclusão o carácter repetido das condutas em causa, sendo evidente que o arguido apresenta uma personalidade adequada à prática de actos punidos e não admitidos num Estado de Direito, não se inibindo, para defender o clube de que é adepto, de praticar actos que envolvem frequentemente violência material e contra as pessoas.

O facto deste arguido demonstrar ser defensor acérrimo das rivalidades com adeptos de outros clubes desportivos (como é notório do teor de algumas das sessões telefónicas), não hesitando em recorrer a actos de violência para consolidar e demonstrar essa rivalidade, faz-nos concluir pela manifesta existência de perigo de repetição...

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