Acórdão nº 9746/2008-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | JOSÉ ADRIANO |
Data da Resolução | 11 de Novembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO: Após primeiro interrogatório judicial (art. 141.º, do CPP) e na sequência de promoção do Ministério Público nesse sentido, o M.º Juiz do 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa determinou que o arguido H... ficasse a aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.
O arguido, inconformado com tal decisão, interpôs o presente recurso, concluindo nos seguintes termos: 1. O reconhecimento realizado nos autos viola as regras estabelecidas no art. 147.
º, n.
º 2 do CPP, uma vez que as pessoas que intervieram no reconhecimento não apresentavam semelhanças com a pessoa a identificar; 2. O reconhecimento que não obedecer ao disposto no art.
º 147 do CPP não tem valor como meio de prova (n.º 7 do art. 147.º do CPP); 3. Não tendo sido juntas fotografias das pessoas que intervieram no reconhecimento aos autos não poderá este Venerando Tribunal fiscalizar o cumprimento destas regras.
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Por esta razão entende-se que é inconstitucional a norma do n.° 4 do art. 147.° do CPP quando interpretada no sentido de não ser obrigatório as pessoas que intervieram no reconhecimento serem fotografadas e as fotografias juntas aos autos.
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A medida de coacção prisão preventiva ordenada no douto despacho recorrido, mostra-se, com o devido respeito, excessiva e desproporcionada. O recorrente é ainda muito jovem, não tem antecedentes criminais e não existe, manifestamente, perigo de continuação da actividade criminosa. Mais: mesmo que tais perigos existissem, teriam de relevar da própria personalidade ou "modus vivendi" do recorrente, e não derivar apenas da medida legal incriminadora ou da respectiva moldura penal.
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Ao decretar, sem mais, a mais grave das medidas de coacção para o recorrente, sem percorrer todo o "catálogo" de medidas não privativas da liberdade constantes da lei, o douto despacho recorrido violou o disposto no art. 3.°, n.° 2 do CPP bem como o principio da adequação e da proporcionalidade que lhe está ínsito, violando ainda o art. 204.º e 202.º do CPP, tendo ainda violado o disposto no art.° 28 n.º 2 da CRP e o principio nele consignado.
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Sem conceder, mesmo admitindo, no limite interpretativo, a existência de indícios quanto á prática, pelo arguido, do crime de roubo agravado, sempre a medida de coacção a aplicar deveria ser a de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica (art. 201.
º do CPP) dado o arguido encontrar-se inserido socialmente, ser primário e ser ainda muito jovem.
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Ao decretar a medida de prisão preventiva para o recorrente, o douto despacho recorrido violou, por erro interpretativo, o disposto nos art.s 193.º, n.
º 2, 202.°, 198.
º e 201.º do CPP e o art. 28.° n.º 2 da CRP.
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Sendo da mais elementar justiça a imediata libertação do recorrente tendo em conta o principio da igualdade, em casos de idêntica natureza, em que a medida aplicada não foi a prisão preventiva mas outra muito mais benéfica ao arguido, como aconteceu nestes autos a outros arguidos anteriormente ouvidos.
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Na verdade, dispondo os artigos 193°, n.° 2 e 204º, n.° 1, ambos do CPP, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção - e nada disto sucede - segue-se que, na interpretação que deles é feita no douto despacho recorrido, estão aqueles preceitos feridos de vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade e subsidiariedade previstos no artigo 28º, n.
º 2 da CRP».
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida. Concluiu do seguinte modo: (1) O arguido H... está fortemente indiciado como um dos co-autores, juntamente com V..., L... e pelo menos mais um dos elementos do grupo do «X...», da prática do crime de roubo agravado, p. p. pelo art. 210.°, n.° 1, e n.° 2, al. b), do Código Penal, em conjugação com o art. 204.°, n.° 2, als. a), f) e g), do mesmo Código, a que se refere o Inquérito com o NUIPC 64/08.9JBLSB. Incumbiu-lhe como tarefa abordar directamente o Porta-Valores e, mediante o uso de arma de fogo, apoderar-se da quantia de 45.000€ (quarenta e cinco mil euros), o que logrou. Ainda lhe é imputado, a titulo de autoria singular, a prática de dois crimes de detenção de arma proibida, um p. p. pelo art. 86.°, n.° 1, al. c), e outro p. p. pela al. d), do n.° 1, do mesmo artigo, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro.
(2) A sua conduta insere-se na actividade mais vasta desenvolvida pelo chamado grupo do «X...», a quem é imputada a prática de mais 10 (dez) crimes de roubo agravado, dois deles na forma tentada, p. p. pelo art. 210.°, n.° 1, e n.° 2, al. b), do Código Penal, em conjugação com o art. 204.°, n.° 2, als. a), f) e g), do mesmo Código, não sendo de excluir que a investigação permita determinar a sua participação noutros crimes face à volatilidade dos elementos do grupo e à negação da prática dos crimes.
(3) Tendo em conta a gravidade do crime, a elevada moldura penal abstracta que lhe é imputável (3 a 15 anos de prisão), o elevado grau de ilicitude pessoal e material, o modo grave de execução (uso de arma de fogo contra pessoa e em local público), o grau intenso do dolo, a fragilidade da situação pessoal e familiar do arguido, a ligação à terra da sua nacionalidade - Guiné-Bissau -, e a inserção do crime nas actividades delituosas do grupo do «X...», todos, excepto de um, executados do mesmo modo e com o mesmo objecto, consideramos haver, em concreto, perigo de fuga, de perturbação do decurso do inquérito, de grave perturbação da ordem e tranquilidade e de continuação da actividade criminosa, os quais só serão devidamente acautelados pela medida de prisão preventiva, e não com a medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, a qual não está vocacionada nem é adequada (muito menos na situação concreta) para fazer face a fenómenos de «Criminalidade especialmente violenta» (vd. art. 1.° - al. m) do Código de Processo Penal.
(4) A medida de prisão preventiva aplicada respeitou os princípios da legalidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade (vd., arts., 191.
0, 193.°, 202.° e 204.°, do Código de Processo Penal).
(5) O art. 147.°, do Código de Processo Penal, disciplina o modo como se deve proceder ao reconhecimento de uma pessoa. No caso concreto, o reconhecimento do arguido (identificando) foi efectuado de acordo com o ritual processual.
(6) A lei não exige que as pessoas chamadas sejam fotografadas e as fotos juntas aos autos para que o Mm. Juiz possa aferir se as pessoas apresentavam as maiores semelhanças com o identificando. O cumprimento do ritual resulta do auto que é lavrado, o qual faz fé dos termos em que o mesmo decorreu (vd. arts., 99.° e 100.°, do Código de Processo Penal). Aliás, o auto foi assinado pela defensora do arguido.
(7) Consequentemente, o reconhecimento tem valor probatório.
Admitido o recurso e instruído com as peças processuais julgadas pertinentes, o juiz recorrido, usando da faculdade concedida pelo art. 414.º, n.º 4, do CPP, manteve a decisão.
Subidos os autos, neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto apôs "visto".
Colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO: 1 - Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que operam a fixação e delimitação do objecto do recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso.
No presente caso, ao submeter à apreciação deste Tribunal Superior o despacho recorrido, invoca, fundamentalmente, o recorrente que: - o reconhecimento do arguido é inválido, por violação do disposto no art. 147.º, n.º 2, do CPP, não podendo tal meio de prova ser valorado, por força do n.º 7 do mesmo artigo; - a norma do n.º 4 do art. 147.º, do CPP é inconstitucional, quando interpretada no sentido de não ser obrigatória a obtenção de fotografias das pessoas que intervieram no reconhecimento e a sua posterior junção aos autos; - a medida de coacção aplicada ao arguido é excessiva e desproporcionada; - face aos princípios da adequação e da proporcionalidade, devia ter sido aplicada ao arguido medida de coacção menos gravosa, nomeadamente a prevista no art. 201.º, do CPP; - dispondo os artigos 193°, n.° 2 e 204º, n.° 1, ambos do CPP, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção - e nada disto sucede - segue-se que, na interpretação que deles é feita no douto despacho recorrido, estão aqueles preceitos feridos de vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade e subsidiariedade previstos no artigo 28º, n.
º 2 da CRP.
2 - Findo o primeiro interrogatório judicial do recorrente, o MP promoveu no seguinte sentido: «Investiga-se nos presentes autos a prática pelo chamado "Grupo do X..." do qual os ora arguidos B..., S...e H... faziam parte, de 11 crimes de roubo agravado, dois deles na forma tentada, p. e p. pelos artºs 210º nº 1 e nº 2 al. b) do CP em conjugação com o artº 204º nº 2 al.s f) e g) do mesmo código. Dez destas situações dizem respeito a assaltos de porta valores no momento em que transportava o saco com dinheiro para abastecer as máquinas ATM, e em todas foi usada arma de fogo. Em duas destas situações chegou a ser efectuado disparo. Assim NUIPC 1099/07.4GBVFX, em que o arguido X... efectuou um disparo na direcção do porta valores e NUIPC 64/08.9JBLSB em que o arguido H... efectuou dois disparos na direcção do porta valores. Só na situação em que se refere o NUIPC 659/08.0PSLSB (carjaking) é que não foi usada arma de fogo, embora tivesse sido usada arma branca. No total foi subtraída a quantia de 307.888,00 euros.
Há prova segura de que o arguido B... foi um dos executores materiais do crime de roubo...
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