Acórdão nº 6667/2008-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | AGOSTINHO TORRES |
Data da Resolução | 04 de Novembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃO PENAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I-RELATÓRIO 1.1- Nos autos supra identificados, de processo abreviado, após acusação pública datada de 19/01/2005, ao abrigo do artº 391º-B), nº 2 do CPP, na versão em vigor à data, requerendo o julgamento dos arguidos M..., B... e C... pela co-autoria material em 30 de Dezembro de 2004 de um crime de furto simples na forma consumada p.p. nos artº 203 º nº 1 do CP o sr juiz proferiu despacho nos termos do nº1 do artº 391º D) do CPP, entendendo haver nulidade da acusação, insanável, com a subsequente ordem de remessa dos autos para outra forma de tramitação processual que não a do processo abreviado.
Foi tal despacho exarado com o seguinte teor: Nos presentes autos, os arguidos M... , B... e C... encontram-se acusados, em processo abreviado, por factos de 30 de Dezembro de 2004, da prática, em co-autoria material, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203 do Código Penal.
O "despacho final de inquérito" data de 19 de Janeiro de 2005.
Tal ilícito é punido com pena de prisão até 3 (três) anos ou multa até 360 (trezentos e sessenta) dias.
Dos autos, consta: - a fls. 2, o ofício de remessa do auto de notícia ao D.I.A.P.; - a fls. 3 a 5, o auto de notícia por detenção; - a fls. 6, o auto de denúncia; - a fls. 7, a informação ao lesado do disposto nos artigos 75 a 77 do Código de Processo Penal; - a fls. 8 a 13, cópia certificada de procuração; - a fls. 14, o termo de autorização de revista; - a fls. 15, um documento a discriminar os artigos subtraídos e respectivos valores; - a fls. 16 e 17, os autos de apreensão; - a fls. 18, o auto de exame direito e de avaliação; - a fls. 19, fotografia de objecto apreendido ; - a fls. 20, 22 e 24, termos de constituição de arguido; - a fls. 21, 23 e 25, termos de identidade e residência; - a fls. 26, 27 e 28, termos de libertação e notificação; - a fls. 29, uma comunicação da Polícia de Segurança Pública; - a fls. 30, um comprovativo de comunicação; - a fls. 31, uma guia de entrega; - a fls. 32, comunicação fax de fls. 29; - a fls. 33, comunicação fax de fls. 14; - a fls. 34, comunicação fax de fls. 16; - a fls. 35, o despacho a remeter o expediente ao DIAP; - a fls. 36, um requerimento de justificação de falta de testemunha; - a fls. 37, um envelope; - a fls. 38 e 39, informações de bilhetes de identidade; - a fls. 40, informação de falta de registo de bilhete de identidade; - a fls. 41 a 43, pedidos de certificados do registo criminal; - a fls. 44, comunicação via fax; - a fls. 45 a 50, certificados do registo criminal; - a fls. 51 a 53, o "despacho final de inquérito" Questiona-se: terá havido inquérito? Desde logo não se ouviu ninguém à matéria dos autos - arguido, agentes policiais, qualquer testemunha, perito, ninguém.
O n.º 1 do artigo 272 do Código de Processo Penal prescreve: "1. Correndo inquérito contra pessoa determinada, é obrigatório interrogá-la como arguido. Cessa a obrigatoriedade quando não for possível a notificação." Os arguidos não foram interrogados.
Tal constitui, conforme o refere o Acórdão nº 1/2006, do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23 de Novembro de 2005, e publicado na 1ª Série A do Diário da República, de 02 de Fevereiro de 2006, a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120 do Código de Processo Penal.
Por outro lado, nenhuma testemunha foi interrogada quanto à matéria dos autos.
O artigo 262 do Código de Processo Penal prescreve: "1. O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
-
Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito.
" Não houve uma única diligência de inquérito realizada.
Não foram realizadas quaisquer diligências de inquérito posteriores à detenção.
Foi proferido um "despacho de acusação" logo na primeira data em que o processo foi concluso ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto do DIAP.
Após uma leitura aturada do "despacho final de inquérito" pergunto-me: onde obteve o Digníssimo Magistrado do Ministério Público elementos para concluir de tal modo, se não ouviu os arguidos, as testemunhas, ninguém? Por outro lado resulta do artigo 391-A, do Código de Processo Penal que é necessário para uso da forma abreviada, a existência de "(...) provas simples e evidentes (...)".
Onde estão? Não houve recolha de qualquer prova.
Como afirmar haver prova simples e evidente? São todos factos sobre os quais não se recolheu qualquer prova. Acusa-se sem saber, minimamente, o que se passou.
Assim, deparo-me com duas nulidades insanáveis, são elas: a falta de inquérito e o emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.
Porquê falta de inquérito? Como se sabe, no processo sumário encontra-se dispensada a fase de inquérito.
Ou seja, nesta forma processual não há inquérito, avança-se directamente para a fase de julgamento.
O que dizer dos presentes autos em que o processado integral de um processo sumário recebe imediata "acusação" sem a realização de uma única diligência de inquérito? Se o sumário remetido ao DIAP não tem fase de inquérito - o que parece ser indiscutível - a acusação deduzida sem mais parece ter sido elaborada sem ser precedida de inquérito (mais não fosse a inquirição dos agentes policiais e, sendo possível, dos arguidos).
Quid juris? Parece-me, assim, haver nulidade do inquérito, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 119 do Código de Processo Penal - cfr., a este propósito, os Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Setembro de 1992, Processo de Recurso n.º 278333 e de 15 de Dezembro de 1999, Processo de Recurso n.º 52833.
Neste caso, importará, sempre, rejeitar a acusação porque se entende a mesma nula.
Ainda que se não entendesse assim, importa aqui transcrever - porque extremamente claro e doutamente redigido, sendo impossível ao subscritor dizer mais e melhor: "Sumário: I - Recebidos os autos para julgamento em processo abreviado, o juiz, por força do disposto no art.391°-D, do CPP, deve conhecer das questões a que se refere o art.311°, n.º 1 do mesmo Código, nomeadamente das nulidades.
II - Para saber se o M.º P.º fez emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei, nulidade insanável prevista no art.119, al. f), do CPP , deve o juiz apreciar os pressupostos que permitem a utilização de tal forma de processo, nomeadamente a simplicidade e a evidência da prova quanto aos indícios da verificação do crime e de quem foi o seu agente.
III - Tal sindicância traduz um juízo sobre a idoneidade da prova para sustentar a tese da acusação e não sobre o bem fundado da tese da acusação .
IV - A decisão quanto à falta de pressupostos legais do processo abreviado, declarada como nulidade, é irrecorrível quando proferida nos termos do art.391°-D, n.º 1, do CPP.
" Decisão em Texto Integral: "Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
(... segue o texto integral da decisão e que termina como sumariado supra) (...) De facto é extremamente difícil dizer mais e melhor, sendo certo que, da análise das alegações do Ministério Público nesses autos a situação aí exposta é muito menos clara que a dos presentes autos.
Existe um exame ao produto estupefaciente. Nestes autos não há rigorosamente nada que concerne à investigação da existência de um crime, determinação dos seus agentes e suas responsabilidades e descoberta e recolha de provas.
Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 391 - D do Código de Processo Penal, declaro a "acusação" de fls. 51 a 53, dos autos, nula, por virtude do disposto nas alíneas d) e f) do artigo 119 do Código de Processo Penal e, consequentemente, determino a remessa dos presentes autos para o D.I.A.P. para os fins tidos por convenientes.
Notifique.
Após trânsito, remeta." 1.2- Inconformado, recorre desta Decisão o MºPº que conclui como se segue as suas motivações de recurso: "1.- Só existe falta de inquérito se a lei processual penal o impuser como fase obrigatória no processo abreviado - artigo 391º-A nº 1 e 262º, nº 2 ambos do CPP.
2. Ora, a lei processual penal, ao não impor a existência de inquérito no processo abreviado, aponta inequivocamente para a legalidade processual da acusação em processo abreviado sem a realização do mesmo.
3. No caso em apreço não houve falta de inquérito por a lei processual penal o não exigir, não se verificando, consequentemente, a nulidade prevista na alª d) do artigo 119º do CPP.
4. A prova constante dos autos é simples e vidente quanto á verificação de crime e de quem foi o seu agente, não se verificando, consequentemente, a nulidade prevista na alª f) do artº 119º do CPP.
5. Desta forma, encontram-se preenchidos todos os requisitos do processo abreviado, não sendo de considerar, como tal, nulo o despacho de acusação proferido.
6. O despacho proferido pelo Mmº JIC é recorrível por nele se terem apreciado nulidades.
7. O despacho recorrido violou o disposto no artº 203º do CP e 119º, alª f), 311º, nº1 e 391º-A nº 1 do CPP.
8. Por todo o exposto, o despacho ora impugnado deve ser revogado e substituído por outro que receba o despacho de acusação proferido e determine data para julgamento em processo abreviado." 1.3- Em despacho de sustentação o Mmº JIC disse de novo: ""Recebida a motivação do recurso, cumpre proferir decisão ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 414 do Código de Processo Penal o que passo a fazer: Impõe-se, para boa apreciação da causa, ter presente que: - a fls. 51 a 53 foi proferido despacho de acusação, tendo sido requerido pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público a tramitação processual especial abreviada; - a fls. 81 a 89, proferi despacho, declarando nula a "acusação"; - a fls. 103 a 108, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público apresentou requerimento de...
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