Acórdão nº 1115/08-1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução18 de Novembro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, após audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. - Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº ..que correm termos no 2º juízo criminal do tribunal Judicial da Comarca de ..., foi julgada A. ... nascida em 30/07/78, , a quem o MP imputara a prática, em concurso real, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.137º nº 1 e 2 do C. Penal; de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº1do mesmo Código; de um crime de condução perigosa de veículo, p. e p. pelo art. 291º nº 1 al. b) do C. Penal; de uma contra-ordenação ao disposto no art. 35º do Código da Estrada; de uma contra-ordenação ao disposto no art. 21º do C. Estrada, com referência ao art. 145º, al. f) do mesmo Código e de uma contra-ordenação ao disposto nos art.s 29º e 30º também do C. Estrada.

  1. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, foi decidido, por acórdão de 25.02.2008: « - Julgar extinto por prescrição o procedimento contraordenacional contra a arguido quanto às contra-ordenações de que vem acusada.

    - Julgar a acusação improcedente, por não provada quanto ao crime de condução perigosa de veículo p. e p. pelo art.º 291º do C. Penal dele absolvendo a arguida.

    - Julgar a acusação procedente por provada, nos termos e com a qualificação jurídica supra descritas e, em consequência: a) condenar a arguida pela prática de um crime de homicídio negligente p. e p. pelo art.º 137º, nº1 do C. penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, na condição da arguida pagar à Associação Para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), com sede na Vila Berta, nº7, r/c, Esq. em Lisboa, a quantia de 600€, no prazo de 3 meses; (...) » 3. Inconformado com a decisão, recorreu o MP para este tribunal, terminando a sua motivação com as seguintes Conclusões: «1. Ao condenar A. ... pela prática de um único crime de homicídio por negligência, p. e p. no artº 137º, nº1, do Código Penal, quando os deveres de cuidado omitidos pela arguida no exercício da condução estradal o foram por forma grosseira e foram causa adequada da produção, quer da morte de B. ..., quer de ofensas na integridade física de C. ... - já que foi por via da invasão da faixa de rodagem em que circulavam por parte da arguido que se deu o embate entre o veículo por esta conduzido e o motociclo em que aqueles seguiam, sendo certo que a morte e as lesões que sofreram não teriam ocorrido se não fosse esse embate - violou o douto colectivo o disposto nos artºs. 137º, nº2 e 30º, nº1, ambos do Código Penal; 2. Violado foi o artº 137º, nº2, porquanto a matéria de facto provada leva a concluir pelo seu preenchimento: A arguida, ao efectuar uma manobra de trânsito de forma totalmente descuidada, que se traduziu na invasão da faixa de rodagem contrária àquele em que seguia, sem se importar com o trânsito que ali se fazia sentir e levando ao embate no motociclo, demonstrou total inconsideração pelos demais utentes da via, total desconformidade com as necessidades básicas de cautela com que se deve actuar no exercício da condução; 3. Sendo assim de qualificar como grosseira a negligência com que agiu, a merecer o agravamento da pena de homicídio, nos termos do nº2 do artº 137º do Código Penal.

  2. Por outro lado, dispondo o nº 1 do artº 30º do Código Penal que «O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente» deveria a arguida ter sido condenada pela prática de dois crimes, em concurso real, procedendo-se depois ao cúmulo jurídico das penas assim impostas.

  3. Ao que não obsta estar-se no domínio da negligência, conforme tem vindo recentemente a ser entendido pela jurisprudência.

  4. Pois que é a arguida merecedora do juízo de censura próprio da culpa relativamente a cada um dos concretos resultados verificados e crimes praticados.

  5. Ao fazer-se reconduzir a punição à actuação da arguida, ao seu acto de vontade, ao entendimento de que o juízo de censura terá que ser igual ao número de decisões de vontade do agente, como justificar a sua não punição nos casos em que tal conduta não leva a qualquer resultado danoso para terceiros (casos de acidentes sem vítima)? 8. E como justificar que a mesma conduta possa ser qualificada como de homicídio negligente ou de ofensa à integridade física negligente consoante os resultados de uma mesma acção? 9. Terá necessariamente que se concluir que nestes casos, embora se puna a conduta (negligente), esta punição tem que ser ligada às consequências, aos resultados, não se verificando qualquer violação do princípio ‘ne bis in idem'.

  6. O juízo de censura parte dos resultados para a acção. Só se os primeiros existirem, e no grau em que existiram, existe censura.

  7. Na verdade, a punição a título de negligência pune precisamente a conduta traduzida numa omissão do dever objectivo de cuidado que, de acordo com as circunstâncias, se deveria ter tido. E, se é certo que as consequências não são queridas pelo agente (motivo pelo qual ele é punido a título de negligência e não de dolo), também é certo que é possível censurar a sua conduta por negligente, tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar.

  8. O desvalor do resultado tem que ser relevado, tal como sucede nos crimes dolosos.

  9. Daqui que o douto acórdão recorrido deva ser revogado e substituído por outro no qual a arguida A. ... seja condenada pela prática, em concurso real, de um crime de homicídio por negligência e um outro contra a integridade física por negligência, pp. e pp. nos artºs. 137º, nºs 1 e 2 e no artº 148º, nº1, do Código Penal, procedendo-se depois ao cúmulo jurídico dessas penas.

  10. Entendendo o MºPº que, tendo em conta todos os elementos constantes no acórdão, nomeadamente em termos de escolha da medida da pena, deverá a arguida ser condenada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de homicídio por negligência (grosseira) e de 1 ano de prisão pela prática do crime contra a integridade física por negligência e, em cúmulo, imposta a pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução nos termos e sob a condição imposta no acórdão recorrido. » 3. - Notificada para o efeito, a arguida não respondeu.

  11. - Nesta Relação, o MP apresentou o seu parecer, concluindo pela procedência do recurso.

  12. - Notificada da junção do parecer a arguida nada disse.

  13. Transcrição parcial da decisão recorrida.

    Discutida a causa ficaram provados os seguintes FACTOS: 1. No dia 5 de Julho de 2005, pelas 19 horas, na E. M. s/nº, ...a arguida conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula...., no sentido nascente/poente.

    2. No mesmo local e à mesma hora, mas em sentido contrário, seguia o motociclo, de matrícula...., conduzido por B. ..., levando como passageiro C. ....

    3. Ao chegar próximo de um entroncamento existente junto ao Hotel ..., a arguida pretendeu mudar de direcção para a esquerda, para entrar no parque de estacionamento existente em frente do referido hotel.

    4. Uma vez ali, sem atentar no trânsito que circulava em sentido contrário, a arguida avançou, mudando de direcção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, invadindo a faixa de rodagem contrária onde circulava o motociclo, indo assim embater com a parte da frente lateral direita do seu veículo, na frente do motociclo, cujo condutor, não teve tempo de travar e evitar o embate.

    5. Em consequência da colisão, o condutor e o passageiro do motociclo caíram, tendo aquele ficado junto do local do embate e C. ... sido projectado por cima do veículo que a arguida conduzia e ficado a cerca de dois metros do mesmo local.

    6. Da referida colisão resultou para o condutor do motociclo, B. ... graves lesões traumáticas, melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 18 a 21, que aqui se dá por reproduzido, que foram causa directa e necessária da sua morte e para o passageiro que com ele circulava, C .... resultou traumatismo do membro inferior direito com ferida inciso-contusa da perna e ferimentos superficiais no pé, lesões estas que lhe determinaram um período de doença por 8 dias, sendo os primeiros quatro dias com incapacidade para o trabalho, conforme relatório médico de fls. 183 a 185 e ficha clínica de fls. 187, os quais aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

    7. A arguida, ao pretender mudar de direcção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, fê-lo com manifesta falta de cuidado, sem prestar atenção ao trânsito que circulava em sentido contrário, como lhe era exigível, invadindo a faixa contrária no momento em que nela circulava um outro veiculo, dando assim causa ao acidente, com desrespeito por regras elementares de condução, cujo cumprimento bem sabia ser-lhe exigível.

    8. A arguida conhecia bem o local em virtude de então trabalhar, em part-time, no referido hotel ....

    9. A arguida não tem quaisquer antecedentes criminais.

    10. A arguida é tida pelas pessoas que com ela lidam como uma condutora, prudente e respeitadora da sinalização.

    11. A arguida trabalha como contabilista auferindo mensalmente 650€ e fora do seu horário de trabalho está a concluir o 3º ano do curso de gestão na Faculdade de Portimão. Vive com o marido e um filho menor de 8 meses de idade.

    12. Segundo o relatório social elaborado pelo IRS, o acidente em apreço provocou na arguida instabilidade emocional tendo recorrido a apoio psicoterapêutico junto do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio.

    Em julgamento não ficou provado: - que a arguida não assinalou, por qualquer forma, a sua intenção de mudança de direcção para a esquerda; - que na data do acidente, a circulação no referido parque de estacionamento para a via pública onde seguia a arguida apenas era permitida para a saída de veículos do parque para a referida estrada municipal; -...

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