Acórdão nº 4/05.7TAACN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução11 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

15 I – RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção do tribunal singular registado sob o n.º4/05.7TAACN, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de ....., o arguido …, melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento pelos factos constantes da acusação deduzida nestes autos, pela imputada prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.º a) e 256.º, n.º1, alínea c), do Código Penal.

Realizado o julgamento, foi proferido sentença que, pela procedência da acusação pública, condenou o arguido, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.º a) e 256.º, n.º1, alínea c), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

  1. Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões – após despacho de convite ao aperfeiçoamento proferido pelo relator, em sede de exame preliminar do recurso (transcrição): 1 - A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo considerou como provados os factos enunciados na, aliás douta, sentença, sob os números 1 a 13.

    2 - Apenas deviam ter sido dados como provados, nos precisos termos, os indicados sob os números 1, 3 e 11.

    3 - Os factos indicados sob os números 4, 6, 7, 8, 9 e 10, devem ser considerados não provados.

    4 - Os factos indicados sob os números 2, 5, 12 e 13 passariam a ter a seguinte redacção: 2 - A L... não esteve presente na sobredita assembleia-geral porque não quis.

    5 - A L... sabia o que no seu âmbito havia sido tratado.

    12 - Em 06/01/01, e por deliberação dos sócios da "…”, … deixou a gerência da mesma, permanecendo apenas a ….

    13- Pelo menos, a partir de 2002, … sabia que era gerente da sociedade.

    5 - Os factos indicados sob os números 6, 7, 8, 9 e 10, estão relacionados com o indicado sob o número 4, pelo que, não se provando este último, todos devem ser considerados como não provados.

    6 - Ora, para fundamentar a sua convicção quanto à sua decisão sobre este número 4, e como acima se referiu exaustivamente, a Meritíssima Juíza cometeu vários lapsos, a saber: 7 - Não aceitou (na fundamentação) que o arguido não quisesse prestar declarações no início da audiência, valorando negativamente essa circunstância para cimentar a sua convicção; 8 - Valorou negativamente, para o mesmo fim, que o arguido não tivesse apresentado contestação escrita e apenas fosse junta em audiência a procuração ao seu mandatário; 9 - Refere expressamente que o arguido devia ter negado, de início, os factos, ignorando, ou adulterando, o que o mesmo arguido disse logo no primeiro interrogatório: «... eu, por agora, remeto-me ao silêncio, mas eu desde já digo que esta acusação não corresponde minimamente à verdade».

    10 - Transcreve na sua fundamentação que a testemunha … admitiu que pudesse ter sido o arguido a apor no requerimento de registo o nome da …., sendo certo que 11 - Em parte alguma do seu depoimento a … admite tal facto.

    12 - A testemunha … é taxativa: o registo foi feito por ele próprio, só, ou com o solicitador ….

    13 - Se a Meritíssima Juíza, na sua fundamentação, censura o arguido por não ter alertado o Tribunal para a diferenciação entre o provável e o certo ( fê-lo, a final, no uso de um direito, e não de início como, vá lá saber-se porquê, a senhora juíza pretendia ), porque se estriba na peritagem, confundindo o provável com o certo? 14 - O certo é, seguramente, que para além da peritagem, nada no decurso da audiência aponta na direcção do arguido, e ninguém, mesmo ninguém, admite que tivesse sido o arguido a subscrever o requerimento de registo, bem antes pelo contrário.

    Donde: 15 - Impõem decisão diversa da tomada na, aliás douta, sentença, as seguintes provas, produzidas em audiência de julgamento, as quais devem ser reapreciadas, tendo em atenção o atrás expendido acerca das mesmas, nomeadamente a transcrição da audiência apresentada pelo arguido-recorrente, a qual pode ser renovada.

    a)- Declarações do arguido ( fls. 38 e 39 ); b)- Depoimento da testemunha … (fls 3, 4, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 18, 19, 20 e 21 - Pontos 2 e 2.1 da contestação à fundamentação da matéria de facto, do presente articulado ); c)- Depoimento da testemunha … (fls 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38 - Ponto 2.3 da contestação à fundamentação da matéria de facto, do presente articulado ); d) - Depoimento da testemunha … (fls 23 a 26 - Ponto 2.2 da contestação à fundamentação da matéria de facto, do presente articulado).

    16 - Acresce que falta o elemento prejuízo para a tipificação do crime de falsificação imputado ao arguido, 17 - Foram, pela meritíssima juíza que proferiu a decisão condenatória violados os artigos 256°-n.º1 do Cód. Penal, 12°, 138°-n.º2, 163°, 343°n.º1, 361º, n.º1 e 374°-n.º1, todos do Cód. Proc. Penal.

    Nestes termos, e demais de Direito, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e, consequentemente, o arguido, ora recorrente, absolvido.

  2. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, sustentando a confirmação da sentença 4.

    Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.

  3. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2 (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.99, CJ/STJ, Ano VI, Tomo II, p. 196).

    Atento o teor das conclusões, identificam-se como questões que o recorrente pretende sejam apreciadas: o invocado erro no julgamento da matéria de facto; a falta do elemento “prejuízo” para a tipificação do crime de falsificação de documento.

  4. A sentença recorrida 2.1.

    Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): 1.Em 06/08/01, a hora não concretamente apurada, na sede da empresa denominada “…”, sita em ....., ....., reuniram-se, em assembleia geral, os seus sócios, …, … e …, nesse âmbito tendo decidido por unanimidade aceitar a renúncia à gerência da mesma ….

  5. Por motivos não concretamente apurados, a igualmente sócia, …, não esteve presente na sobredita assembleia geral.

  6. Em 07/06/02, foi apresentado, na Conservatória do Registo Comercial de Ourém, o pedido de registo comercial da cessação de funções da gerente …, aí figurando, como apresentante, …, titular do BI com o n.º …, residente em ....., ....., e evidenciando-se o mesmo assinado com o nome “…”.

  7. Tal assinatura não foi feita por …, tendo sido o arguido, que assumia funções de mandatário da referida sociedade, quem, em data não concretamente apurada, pelo seu próprio punho e na parte final daquele pedido de registo, escreveu o nome “…”, imitando a assinatura desta.

  8. …, porque não interveio na aludida assembleia geral, apesar de assumir a qualidade de sócia da “…”, desconhecia o que no seu âmbito se havia decidido.

  9. O arguido sabia que, ao imitar a assinatura de … no pedido apresentado na Conservatória do Registo Comercial de Ourém, tendo em vista registar a renúncia à gerência da “…” por parte de …, aprovado por unanimidade em assembleia geral, fazia crer ter sido aquela quem subscreveu tal pedido e, assim, ter conhecimento de tal deliberação, o que não correspondia à verdade.

  10. Tinha conhecimento que, com a sua conduta, lesava os direitos e interesses da sócia …, ao fomentar a convicção de que esta havia anuído à renúncia das funções de gerente de …, com as consequências e implicações de lei dessa circunstância decorrentes, o que não correspondia à verdade.

  11. Não ignorava tratar-se de documento destinado ao registo de acto comercial, com o que determinava a produção dos efeitos legais ao mesmo associados, pondo em causa a confiança e a credibilidade que o registo comercial das sociedades merecem no tráfico jurídico, enquanto reflexo da verdade das vicissitudes societárias.

  12. Não desconhecia que tal conduta era proibida e punida por lei.

  13. Apesar do que não deixou de actuar como actuou, agindo livre e conscientemente.

  14. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

    Lograram ainda provados os seguintes factos: 12. Em 06/01/01, e por deliberação de sócios da “…” a respectiva gerência foi deferida, entre outro (a), a ….

  15. … desconhecia alguma vez ter sido gerente da mesma sociedade.

    2.2. Quanto a factos não provados consignou-se (transcrição): «Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa.» 2.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição): «O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, a qual, cotejada com as regras da experiência, se revelou suficiente em ordem à demonstração, para além de qualquer dúvida razoável, da factualidade narrada na acusação, susceptível de configurar a prática, por parte do arguido, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos arts. 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

    O arguido, usando de direito que legalmente lhe assiste, optou por inicialmente se remeter ao silêncio, apenas tendo pretendido prestar declarações a final, então tendo explicado que a adopção de um tal comportamento em Juízo se deveu ao facto de não ter querido “provocar uma situação menos clara” (expressão sua) no decurso da audiência – motivação esta que, pese embora a sua irrelevância, na precisa medida em que sobre o arguido não impende o dever de...

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