Acórdão nº 71/04.0TAVGS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Fevereiro de 2009
Magistrado Responsável | HEITOR VASQUES OS |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
12 Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO.
No Tribunal Judicial da comarca de Vagos, sob acusação do Ministério Público que lhe imputava a prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, a) e 3, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, a), e de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, b), todos do C. Penal, foi submetido a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, o arguido …, divorciado, nascido em P…, e residente em Peniche.
O demandante civil … deduziu pedido de indemnização contra o arguido e contra … e …, SA, com vista à condenação solidária dos dois primeiros demandados no pagamento da quantia de 29.000.000$00 a que correspondem € 144.651,39, acrescidos da remuneração do capital traduzido nos prémios regulares anuais desde 1 de Novembro de 1997 até efectivo e integral pagamento, e com vista à condenação solidária do primeiro e terceira demandada no pagamento da quantia de 26.000.000$00 a que correspondem € 129.687,45, acrescidos da remuneração do capital traduzido nos prémios regulares anuais desde 29 de Agosto de 1997 até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, por acórdão de 18 de Junho de 2008, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, a) e 3, do C. Penal, na pena de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, a), do C. Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, b), do C. Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, e em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
Mais foi decidido absolver as demandadas sociedades do pedido de indemnização contra cada uma deduzido, e condenar o arguido no pagamento ao demandante E…, da quantia de 29.000.000$00 (€ 144.651,39), acrescidos da remuneração do capital traduzido nos prémios regulares anuais, desde 1 de Novembro de 1997 até efectivo e integral pagamento, e da quantia de 19.499.899$00 (€ 97.265,09), acrescidos da remuneração do capital traduzido nos prémios regulares anuais, desde 29 de Agosto de 1997 até efectivo e integral pagamento.
Inconformado com a decisão, dela recorreu o Digno Procurador da República junto do Círculo Judicial de Aveiro, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).
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O Colectivo considerou e bem a modalidade do dolo – directo – o elevado grau de ilicitude, a extrema gravidade das consequências dos ilícitos e a favor do arguido considerou a sua confissão parcial (sem relevo), a sua inserção social e, acrescentamos nós, o tempo decorrido sobre a prática dos factos sem incidentes criminais de relevo.
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Face ao conjunto de circunstâncias enumeradas seria de esperar em cumprimento do disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, que o Colectivo optasse por uma pena de prisão situada acima do ponto médio das molduras penais aplicáveis (2 anos e 9 meses – falsificação; 5 anos – burla qualificada; 4 anos e 6 meses – abuso de confiança).
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O Colectivo optou por aplicar penas muito próximas dos mínimos legais, a saber, 1 ano de prisão pela falsificação, 2 anos e 10 meses pela burla qualificada e 1 ano e 10 meses pelo abuso de confiança qualificado, e em cúmulo na pena única de 3 anos de prisão, sem que minimamente apresentasse qualquer justificação para tal opção, em violação do disposto no artigo 71.º n.º 3 e 77.º do Código Penal.
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E fê-lo com base na consideração do acórdão do processo comum colectivo nº 451/98.9 JAAVR, ainda não transitado, e no raciocínio de que se o arguido foi condenado nesse processo pela prática de múltiplos crimes de natureza semelhante aos dos autos na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, não se justifica que, por um conjunto singular de factos relativos apenas a um ofendido se sujeite o arguido a uma pena sensivelmente superior.
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O raciocínio é manifestamente ilegal porque o Colectivo não tem meios nem competência (que só ao tribunal de recurso pertence) para avaliar se a decisão do Colectivo que procedeu ao julgamento no processo nº 451/98.9 JAAVR se encontra bem ou mal proferida e se o juízo de prognose aí efectuado se revelou adequado ao conteúdo dos autos e da prova aí produzida.
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Para agravar ou atenuar a responsabilidade do arguido não podia o Colectivo considerar por qualquer forma prova produzida noutro julgamento – e que por isso não foi produzida perante si em obediência aos princípios da oralidade e do contraditório – ou a correspondente decisão ainda não transitada em julgado, sob pena de violação do disposto no artigo 355.º do Código de Processo Penal e no artigo 32.º n.º 5 da Constituição da República 7. Considerando as atenuantes e agravantes que em concreto se verificavam mostrava-se adequada a condenação do arguido nas penas de 2 anos e 10 meses de prisão pelo crime de falsificação, 5 anos e 6 meses pelo crime de burla qualificada e 4 anos e 11 meses pelo crime de abuso de confiança, e, em cúmulo jurídico nos termos do artigo 77.º do Código Penal, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, pelo que o Tribunal Colectivo ao aplicar as penas referidas na conclusão 3.ª violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal.
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Numa comunidade de forte emigração não é possível aceitar que através da prática de falsificação, burla e abuso de confiança, alguém se apodere de 42.000 contos que são fruto duma vida de trabalho no estrangeiro, abusando da boa-fé dos emigrantes, sem que se previna quer a ocorrência de vingança privada, quer a ocorrência de novos crimes, que não seja através da imposição de penas de prisão efectiva ao seu autor.
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Nos crimes de burla, abuso de confiança e falsificação que beneficiaram na sua prática da boa inserção social do seu autor, a manutenção dessa boa inserção social não assume especial relevo sob pena de deixar sem punição os crimes de maior dimensão e que maior dano social provocam.
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Ao suspender a execução da pena ao arguido violou o Tribunal Colectivo por erro de interpretação o disposto no artigo 50.º n.º 1 e 40.º n.º 1 do Código Penal, pelo que deve reformar-se o acórdão recorrido condenando o arguido no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada.
Assim, requer-se a V. Exas. que, dando provimento ao presente recurso, reformem o acórdão recorrido condenado o arguido em pena de prisão efectiva.
(…)”.
O arguido não respondeu ao recurso.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual, aderindo aos argumentos do Digno Magistrado do Ministério Público recorrente, concluiu pela procedência do recurso.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido alegando que as penas propostas pelo recorrente excedem a medida da sua culpa, que as exigências de prevenção geral não impõem a aplicação de pena de prisão efectiva, que a cupidez do próprio ofendido contribuiu para a facilitação da sua conduta criminosa, e que o seu arrependimento é manifesto no facto de ter vindo a reparar os danos causados, concluindo pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO.
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A insuficiência da medida concreta de cada uma das três penas de prisão decretadas, e a insuficiência da pena única de prisão decretada, resultante do cúmulo; - A suspensão ou não, da pena única de prisão decretada.
Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:
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No acórdão foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): “ (…).
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O arguido dedicou-se durante vários anos e até 1998 à actividade de (mediador de seguros, designadamente, do ramo vida, trabalhando para diversas companhias seguradoras, entre elas, a "Alico" e a "Eagle Star".
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O ofendido … era emigrante em França e em 1997 conheceu o arguido, sendo-lhe o mesmo apresentado por um seu irmão que já tinha efectuado alguns seguros com ele.
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O arguido convenceu-o de que conseguiria para as suas poupanças melhor rendimento que os juros dos depósitos bancários a prazo.
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Assim convencido da rentabilidade que proporcionava aos investimentos feitos por seu intermédio, em Agosto de 1997, no escritório do arguido, em Mira, … entregou ao arguido a quantia de 29.000.000$00 com vista à constituição de um seguro do ramo vida na companhia de seguros" Alico".
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Para esse efeito, preencheu a respectiva proposta que o arguido lhe apresentou e foi-lhe emitido e entregue um recibo.
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Aquele seguro efectivamente foi constituído, tendo sido emitida a apólice com o nº 1120001235.
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Confrontado com a notícia de que o arguido se teria apoderado de dinheiro pertencente a outros clientes e tinha fugido para o estrangeiro, em 1998 o E... foi informado pela companhia de seguros "Alico" que em Fevereiro desse ano tinha sido efectuado um pedido de adiantamento...
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