Acórdão nº 08S0602 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - A autora AA intentou a presente acção com processo comum, contra a ré G... - B... P..., Lda, pedindo que, declarada a ilicitude do despedimento da A., por falta de fundamento: a) seja a R. condenada a reintegrar a A. ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria profisional e antiguidade; b) seja ainda a R. condenada a pagar-lhe: • uma indemnização pelo despedimento, caso opte pela não reintegração, no montante de € 32.182,50, acrescida dos juros legais, desde a citação até ao efectivo pagamento; • a quantia de € 100.000,00, a titulo de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais, desde a citação até ao efectivo pagamento; • as retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, acrescida dos juros legais desde os respectivos vencimentos até ao efectivo pagamento.

Alega, para tal, em síntese: Desde 11-01-1971, sob as ordens e direcção da Ré, desempenhou as funções de operadora de máquinas de fabricar agulhas, de 1ª classe, e, em 23-03-2005, foi despedida com fundamento em justa causa pela demandada, com fundamento em agressão cometida sobre colega de trabalho.

Defende que não se verifica a invocada justa causa de despedimento.

A ré contestou, pugnando, com a alegação de factos configuradores da justa causa invocada, pela licitude do despedimento e concluindo, em conformidade, pela improcedência da acção.

Realizada a audiência de julgamento - com gravação da produção da prova - foi proferida sentença, que, julgando improcedente a acção, absolveu a R. dos pedidos formulados.

Por seu douto acórdão, a Relação do Porto julgou improcedente a apelação da A., tendo confirmado a sentença.

* * * * II - Novamente irresignada, a A. interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões: 1.ª . Na reapreciação da matéria de facto requerida na apelação, o tribunal recorrido limitou-se a alterar a matéria da alínea m) e a eliminar a matéria das alíneas s) e t), deixando de considerar factos de grande importância não só para a apreciação da justa causa do despedimento, como também dos danos causados à arguida com o despedimento injusto e ilícito.

  1. . Embora a decisão tomada em relação a algumas destas matérias não possa ser objecto do presente recurso por força do art.º 722, n.º 2 do C.P.C., já tal não acontece em relação à idade da arguida e à ofensa à honra e dignidade da mesma provocada pela frase que lhe foi dirigida, bem como à consequente desorientação e reacção da mesma, isto, por força da última parte do mesmo n.º 2 do referido artigo ao estabelecer "Salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".

  2. . Quanto à idade da arguida, esta disposição legal remete-nos para os art.ºs 371.º, n.º 1 e 372.º, n.º 1 do C.C.

  3. . O acórdão recorrido, ao contrário do que devia, não deu como provada a idade da A. com os fundamentos de que " para além de irrelevante e não ter sido concretamente invocada, dir-se-á que o aspecto factualmente relevante do art.º 78.º já foi considerado na alínea b) dos factos provados ao consignar-se que a A. trabalhou para a R. desde 11.1.1971", quando tais fundamentos não correspondem à verdade uma vez que no art.º 78.º da P.I. (fls. 9) corrigido pelo requerimento de fls. 90, alegou a A. a sua idade, sendo certo que a idade da A. e o tempo de trabalho que prestou à R. são duas realidades muito diferentes, ambas com interesse para a decisão e, bem ainda, que a idade da arguida é circunstância importante a ter em conta na apreciação da justa causa do despedimento, por imperativo do art.º 396.º, n.º 2 do C.T.

  4. . Tendo juntado, a fls. 91 e 92, fotocópia certificada do seu B.I. e sendo o B.I. um documento autêntico que faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público que o emitiu, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, o acórdão recorrido, ao recusar dar como provada a idade da A., facto este com interesse para a boa decisão da causa, violou os art.ºs 371.º, 1 e 372.º, n.º 1 do C.C.

  5. .No que respeita à ofensa à honra e dignidade da arguida e consequente desorientação e reacção desta, a última parte do n.º 2 do art.º 722.º do C.P.C, remete-nos para o regime do art.º 514.º do C.P.C. ao estabelecer que "Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral" 7.ª É do conhecimento geral e público que a expressão dirigida a alguém, "vai para a puta que te pariu", constitui no nosso país uma das mais graves ofensas que se pode dirigir a alguém e que a pessoa a quem é dirigida se sente gravemente ofendida e ultrajada, dado tratar-se de uma agressão ao bom-nome e à honra não só do destinatário, como da sua própria mãe, sendo certo que a A. sempre referiu, quer no processo disciplinar (fls. 134), quer neste processo, que se sentiu ofendida e ultrajada e daí a reacção imediata que teve.

  6. Assim sendo, quanto a estes factos não necessitava o tribunal de qualquer outra prova para os dar como provados, como devia, pelo que violou o art.º 514.º do C.P.C.

  7. Não pode ser decisiva nem aceitável a invocação feita no acórdão recorrido de que "Os estereótipos da linguagem corrente em determinados ambientes - como pode ser o caso - estão pejados de expressões banalizadas, sem valor semântico e sem carga injuriosa ou ofensiva", porque não está provado que seja este o caso, como a própria formulação o refere expressamente e, não estando provado, não pode ser o julgador a presumir que o seja.

  8. Por outro lado, mesmo que o fosse, o que de forma alguma é aceitável, tal circunstância não retiraria ao trabalhador, nem a sua sensibilidade, nem a sua dignidade e, consequentemente, o seu direito de se sentir ofendido e ultrajado e de sentir o impulso espontâneo e inconsciente que teve de reagir, como reagiu.

  9. Sendo estes factos importantes para a decisão da causa, não tendo dado como provada a matéria referida, como o devia ter feito, o douto acórdão recorrido violou o art.º 514.º do C.P.C.

  10. Ao concluir, como concluiu, que o comportamento da recorrente assumiu a gravidade que o conceito de justa causa pressupõe, quer quanto à conduta em si, quer quanto às suas consequências, o acórdão recorrido violou os números 1 e 2 do artigo 396.º do Código do Trabalho e, tal como na decisão proferida na 1.ª instância, o acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação destas disposições legais.

  11. O art.º 396.º, n.º 1 do C.T. define o conceito de junta causa de despedimento como "O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento".

  12. Para que haja justa causa de despedimento é necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador, o que não é totalmente o caso dos autos.

  13. Quanto à culpa da arguida, ficou provado que "No dia 5 de Abril de 2005, pelas 8h 45m a A. e a sua colega de trabalho, Edite Paula envolveram-se numa discussão, culminando com esta a dirigir à A. a expressão: "Vai para a puta que te pariu"( alínea m) e que " De seguida, a A. levantou-se, pegou numa calha de alumínio e com ela desferiu duas pancadas na trabalhadora BB, uma nas costas, que deu origem a escoriações ao nível da grade costal esquerda e antebraço direito, e outra, na cabeça, que originou uma ferida lacero-contusa no couro cabeludo, de aproximadamente 7 cm, com hemorragia activa."(alínea n).

  14. Em obediência ao art.º 514.º do C.P.C., dadas as razões atrás referidas, deve ser ainda considerada provada a seguinte matéria, desatendida pelo Tribunal da Relação: " A A. sentiu-se ultrajada e ofendida com o insulto que lhe foi dirigido pela colega", bem como," A expressão utilizada pela colega provocou na A. um estado de desorientação e a reacção imediata" e, bem ainda, " A A nasceu em 05/08/1952".

  15. Deve[m] ser atendidas ainda na decisão a descompensação e o estado depressivo da autora, bem como a doença do foro psiquiátrico existente desde 1992 ou 1993, admitidas no acórdão, a fls. 470 dos autos, constantes do relatório psiquiátrico de fls. 265 e 266 dos autos.

  16. Feito este aditamento à matéria de facto dada como assente pelo Tribunal da Relação, resulta provado, em suma, que houve, por parte da BB, uma torpe e indecorosa agressão à honra e dignidade da arguida e à memória da mãe desta e que foi imediatamente após esse insulto e como reacção ao mesmo que a arguida deu com a calha de alumínio uma pancada nas costas e outra na cabeça da BB.

  17. Se a arguida agiu de imediato, por provocação da colega e num estado de desorientação e exaltação e em resposta à agressão à sua dignidade e honra e à memória de sua mãe, o seu acto, embora excessivo, não é mais do que o exercício de retorsão sobre a sua agressora e um acto de legítima defesa em prol da sua honra e dignidade, pelo que a sua culpa resulta muito diminuída ou, até, inexistente.

  18. O art.º 143.º, n.º 3, alínea b), do C.P. dispõe que o tribunal pode dispensar de pena, quando o agente tiver exercido retorsão e, por outro lado, nos termos do art.º 31.º, n.º 2, alínea a), não é ilícito o facto praticado em legítima defesa, o que significa em qualquer dos casos que a culpa do agente é muito reduzida ou, até inexistente.

  19. O direito ao bom-nome e reputação é um direito constitucionalmente garantido pelo art.º 26.º, n.º 1 da lei fundamental.

  20. Nos termos do n.º 1 do referido art.º 396.º, para haver justa causa de despedimento, o comportamento do trabalhador tem de ser culposo e, no caso dos autos, a arguida agiu por provocação, num estado de desorientação e, portanto, sem a plena consciência do que fazia, logo sem culpa ou, pelo menos, com um grau de culpa especialmente reduzido, o que a torna praticamente irrelevante, para o efeito.

  21. ...

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