Acórdão nº 09B0297 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelALBERTO SOBRINHO
Data da Resolução05 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA - VIATURAS E MÁQUINAS DA BEIRA, LDª,intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, S.A.

, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 764.342,77, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão alega, no essencial, ter celebrado um contrato com a ré mediante o qual lhe foi concedida a comercialização, em exclusivo, dos produtos da marca BB por esta fornecidos, em determinada área geográfica, contrato que a ré denunciou, apesar de, posteriormente a essa denúncia, ter assumido todo um comportamento revelador da manutenção do contrato.

Com base na falta de observação do prazo estipulado para a denúncia e como compensação pela clientela angariada, fundamenta o montante do pedido de indemnização formulado.

Contestou a ré, alegando, em síntese, que a autora nunca atingiu os objectivos comerciais a que contratualmente se vinculou e que a denúncia do contrato foi efectuada na sequência da reestruturação da sua rede de concessionários, sendo essa denúncia lícita e, como tal, determinante da exclusão de qualquer indemnização. Sustentando ainda que sempre seria aqui inaplicável o regime do contrato de agência e, consequentemente, não haver lugar a indemnização de clientela, bem como seria inaplicável o regime de prazos estipulado no art. 29° do Dec-Lei 178/86, de 3 Julho.

Replicou a autora para reafirmar a posição inicialmente defendida e ampliar o pedido com a quantia a apurar em liquidação posterior, mas em montante não inferior a € 493.520,00, correspondente aos prejuízos decorrentes da denúncia abusiva e da falta de pré-aviso, para a hipótese de não ser aqui aplicável o estatuído no nº 2 do art. 29° do Dec-Lei 178/86.

Treplicou ainda a ré para se insurgir contra a ampliação do pedido.

Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.

Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora, a título de indemnização de clientela, a quantia de 38.006.664$00, com juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Inconformadas com o assim decidido, apelaram autora e ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente o recurso daquela e parcialmente procedente o desta, e condenado a ré a pagar à autora a quantia de 149.639,37 €.

De novo irresignadas, recorrem agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando ambas as partes pela alteração da fixação da matéria de facto e pela atribuição da indemnização peticionada, a autora, e pela improcedência dessa pretensão, a ré.

Contra-alegaram as recorridas pugnando pela improcedência das razões invocadas por cada uma das recorrentes.

Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acolhendo a invocação de nulidade, por omissão de pronúncia, assacada ao acórdão recorrido, foi o processo remetido à Relação, onde essa nulidade foi sanada.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir II. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo das recorrentes radica, em síntese, no seguinte: da ré 1- A recorrente alegou fundadamente as razões da sua discordância relativamente às respostas dadas aos pontos controvertidos nºs 126 e 127 da base instrutória.

2- Porém, o Tribunal da Relação entendeu não alterar essas respostas alegando que tal modificação apenas poderá ocorrer quando a resposta dada pelo Tribunal a quo a um determinado quesito não tem a menor correspondência com o depoimento das testemunhas arroladas para a respectiva prova.

3- Aceitar tal interpretação contraria frontalmente o disposto no artigo 712.° C.Pr.Civil, e atenta contra o mais elementar sentido de justiça material.

4- Aquilo que a recorrente pretendeu foi que os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação ouvissem os depoimentos de todas as testemunhas arroladas para prova dos quesitos em causa e decidissem se o Tribunal de 1ª Instancia andou bem quando privilegiou dois depoimentos "particulares" e um depoimento "indirecto" em detrimento de dois depoimentos "profissionais e directos".

5- A recorrente reconhece que no "Contrato de Concessionário BB" celebrado com a recorrida, em 01.10.1996, existem algumas cláusulas onde estão presentes elementos característicos de uma relação de concessão comercial.

6- Porém, atento o seu conteúdo, o mercado ou indústria a que respeita e a própria "praxis" contratual desenvolvida entre a recorrente e a recorrida, tal convénio aproxima-se bastante mais de um outro sub-tipo dos Contratos de Distribuição, qual seja a franquia.

7- A doutrina e jurisprudência dominantes têm vindo a reconhecer que a relação de franquia - pela sua natureza e filosofia subjacente - não é susceptível de gerar na esfera jurídica do franqueado o direito a uma indemnização de clientela.

8- Ainda que se considere que o contrato dos autos deva ser qualificado como concessão comercial, sempre se deverá concluir que, atenta a manifesta divergência entre as funções desenvolvidas e os papéis desempenhados pelo agente e pelo concessionário, a aplicação analógica pretendida pela recorrida não deverá ter lugar.

9- Considerando a qualificação jurídica que se deve dar ao contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida, bem como o teor das suas cláusulas, não poderá deixar de se concluir pela inaplicabilidade do Decreto-Lei 178/86, de 3 de Junho (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de Abril).

10- Por outro lado, a mera leitura do "Contrato de Concessionário BB" celebrado entre a recorrente e a recorrida em 01.10.1996, revela que os elementos decisivos e claramente preponderantes de atracção de clientela são derivados da actividade da recorrente BB e não imputáveis em si mesmo á actividade da recorrida.

11- A recorrida beneficiou sempre, desde o inicio do seu relacionamento contratual com a recorrente, da enorme notoriedade e reputação da própria marca "BB", bem como do esforço de divulgação dos novos produtos "BB" e da promoção e afirmação dos mesmos no mercado do sector, actuando no mercado do ramo automóvel sob a imagem empresarial da recorrente.

12- Acresce que a recorrida apenas logrou fazer prova de alguns factos conexionados com o primeiro requisito da indemnização de clientela, sendo que a mera alegação (e prova) do aumento progressivo do volume de facturação ao longo do período de vigência do "Contrato de Concessionário BB" é manifestamente insuficiente para que se conclua pela verificação deste requisito, exigindo-se a demonstração de que o aumento foi substancial, considerável, significativo, o que não foi conseguido.

13- O disposto na al. c) do art. 33º do citado Dec-Lei 178/86 é de aplicação analógica à relação de concessão para evitar uma duplicação de recebimentos.

14- Mas a recorrida não alegou quaisquer factos que - uma vez provados - permitissem concluir pela verificação do pressuposto constante dessa al. c).

15- Também não se encontram reunidos nos autos os elementos mínimos indispensáveis para que se proceda ao cálculo da indemnização de clientela, uma vez que a recorrida não fez prova da medida da alegada transferência de clientela.

16- De qualquer modo, sempre a indemnização, a ter lugar, deve ser muito inferior ao máximo legal, de valor muito reduzido e porventura meramente simbólico, desde logo porque a recorrida nunca teve um bom desempenho, quer por repetidamente não atingir os objectivos de vendas, quer ainda por não apresentar instalações condignas e condicentes com a dignidade exigível a um "Concessionário BB".

17- A condenação da recorrente a pagar á recorrida o montante equivalente aos juros de mora contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento é completamente destituída do menor fundamento jurídico, quer porque o pagamento de uma indemnização de clientela não consubstancia o cumprimento de uma obrigação certa, nem consiste no cumprimento de uma obrigação proveniente de facto ilícito ou pelo risco e, havendo necessidade de recorrer á equidade para fixar o montante devido a título de indemnização de clientela, é forçoso concluir-se pela iliquidez do "crédito" e tal iliquidez não é, de modo algum, imputável á recorrente.

18- Caso a recorrente seja condenada a pagar á recorrida uma quantia a titulo de indemnização de clientela, os respectivos juros de mora apenas deverão ser contabilizados a partir da data do trânsito em julgado do acórdão definitivo que venha a ser proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que a indemnização de clientela se reveste de um cariz compensatório e não indemnizatório.

19- Atento o teor do artigo 21.8 do "Contrato de Concessionário BB", a formulação do pedido de condenação da recorrente no pagamento de uma indemnização de clientela e de declaração de nulidade da aludida cláusula encontra-se ferida de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

20- O art. 21.8 do "Contrato de Concessionário BB" é plenamente válido á luz do disposto no n° 1 do art. 809.° do Código Civil e válido igualmente no confronto entre o artigo 17.° da Directiva do Conselho de 18 de Dezembro de 1986 e o disposto no Decreto-Lei 178/86, na medida em que não consubstancia renúncia alguma por parte da recorrida relativamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados (pela Lei ou pelo Contrato) nos casos de não cumprimento ou mora da recorrente.

21- A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 33.° e 34.° do Dec-Lei 178/86, de 3 de Julho (com as alteragoes introduzidas pelo Dec-Lei 118/93, de 13 de Abril) e o art. 21.8 do "Contrato de Concessionário BB".

da autora 1- A recorrida não respeitou o prazo convencional de pré-aviso de dois anos de denúncia estabelecido no contrato de concessão comercial de 1 de Outubro de 1996 e constante da sua Cláusula 21°, n° 1.

2- Assim como inutilizou o período de 10...

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