Acórdão nº 08P2191 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUTO MOURA
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, nascido no dia 17 de Dezembro de 1955, foi julgado em processo comum (Pº 109/05.4GAVRS) perante tribunal colectivo, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António, a 26/7/2007, que decidiu:

  1. Condená-lo como autor material de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 22°, 23°, 131° e 73° do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, e como autor material de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punível pelo artigo 6º da Lei n° 22/97, de 27 de Junho, na pena de 4 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas foi condenado na pena única de 3 anos de prisão; b) Mais decidiu suspender, na sua execução, a aludida pena única de prisão pelo período de quatro anos, sob condição de o mesmo, no prazo de 6 meses, proceder ao depósito à ordem dos presentes a quantia arbitrada a título de indemnização civil, que foi de 3.750 €, ao abrigo do artº 50°, n° 1 e 51°, n° 1, alínea a) do C. P..

É da condenação crime que o Mº Pº veio interpor recurso para este S.T.J..

A - DECISÃO RECORRIDA. MATÉRIA DE FACTO É a seguinte a matéria de facto dada por provada: "Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos: Da acusação 1. No mês de Maio de 2005, o arguido residia na Urbanização M... F..., lote 32, Io andar, em M... G..., nesta comarca de Vila Real de Santo António; 2. No 1º andar do lote 31 dessa urbanização, vivia o ora assistente BB; 3. Nessa altura, o arguido e assistente desentenderam-se por razões que não foi possível apurar; 4. No dia 27 de Maio de 2005, cerca das 19.00 horas, nesse lugar, o arguido viu que BB conversava com a sua filha CC (que tinha ido visitar o pai), no passeio à porta de sua casa; 5. Nessa altura, o arguido aproximou-se do assistente e deu-lhe dois socos, fazendo com que este caísse ao chão; 6. Em acto contínuo, o arguido e assistente iniciaram uma luta, durante a qual o assistente deu uma cabeçada ao arguido, fazendo com que este caísse ao chão; 7. Depois, e enquanto o arguido ainda estava deitado no chão, o assistente colocou-se em cima do arguido e desferiu-lhe vários socos na boca, provocando-lhe sangramento e dores; 8. A luta entre arguido e assistente só terminou com a intervenção de CC, que ordenou a seu pai que parasse; 9. Então, o arguido foi em direcção a sua casa e, pouco depois, voltou com uma pistola em riste; 10. Tratava-se de uma pistola de alarme de marca «FN», modelo e número de série desconhecidos, fabricada para deflagrar apenas munições de alarme mas alvo de uma transformação que a tornou apta a deflagrar balas, com o calibre 6,35 mm (ou 25Auto), de dimensões desconhecidas, com o carregador introduzido e carregado com pelo menos seis munições de calibre 6.35 mm; 11. Com a pistola em riste, o arguido caminhou em direcção ao assistente e efectuou um disparo na direcção de CC, que correu a esconder-se atrás do veículo de matrícula ...-...-..., da marca Nissan, modelo Micra, pertencente à sua filha, e que aí se encontrava estacionado, passando o arguido e assistente a contornar o referido veículo, sendo que o assistente fugia e escondia-se ao mesmo tempo que o arguido procurava atingi-lo com tiros de pistola, disparando a pistola com a mão direita elevando a mesma por cima do carro; 12. Desta forma, o arguido efectuou pelo menos três disparos a uma distância não superior a quatro metros, com a intenção de acertar no corpo do assistente; 13. O arguido só deixou de disparar porque a pistola se encravou e de haver perdido as duas munições restantes, ao manipulá-la para a desencravar; 14. Dois dos referidos disparos acertaram no veículo com a matrícula ...-...-... e outro dos disparos atingiu o assistente na zona dorsal, do lado esquerdo; 15. De seguida, o arguido foi para casa, trocou de roupa e foi-se embora da urbanização no veículo de matrícula ...-...-..., de sua propriedade; 16.O disparo atingiu o assistente causou neste ferida inciso contusa com cerca de 4 cm, na região dorsal esquerda, a 1/3 da base do hemitorax posterior e, como consequência directa e necessária dores, e 15 dias de doença; 17. A pistola utilizada pelo arguido não se encontrava registada nem manifestada na Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública; 18.0 arguido não era titular de licença de uso e porte de arma de defesa; 19.0 arguido sabia que efectuava quatro disparos com uma pistola contra outra pessoa, a cerca de quatro metros de distância, querendo causar-lhe a morte; 20. Sabia igualmente que detinha e usava uma pistola de calibre 6,35 mm, não registada nem manifestada a seu favor na polícia e sem que fosse titular de licença de uso e porte desse tipo de arma; 21. Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida; Do pedido de indemnização civil 22. Aquando do descrito supra sob os n° 11 a 14, o assistente pensou que poderia vir a ser atingido pelos disparos de pistola, julgando que ia morrer; 23. Durante quinze dias, o assistente continuou a sofrer fortes dores em todo o corpo, principalmente na zona dorsal atingida pelo tiro; 24. Outros factos resultantes da discussão 25.0 arguido vivenciou uma dinâmica familiar isenta de referências significativas; 26. Ao terminar a 4a classe começou a trabalhar num café, permanecendo junto da família de origem, na Figueira da Foz, até aos quinze anos; 27. Nessa altura foi viver com um irmão mais velho, emigrando para França, onde permaneceu durante sete anos. Todavia, porque nunca se sentiu verdadeiramente adaptado e aceite como imigrante, regressou a Portugal; 28. Iniciou então um percurso de profissional como camionista de longo curso, sempre activo, área relativamente à qual expressa grande investimento e realização pessoal. Nos últimos anos trabalhou para empresas espanholas; 29. Ainda em França casou, tendo nascido dois filhos de tal casamento, actualmente com 28 e 30 anos, ambos residentes em Portugal e com os quais mantém um relacionamento distante; 30. Há dez anos, na sequência do divórcio, fixou-se no Algarve, altura em que inicia relação afectiva com uma companheira, relacionamento que já terminou, sendo certo que o arguido continua a ter o apoio e amizade de tal companheira; 31. Actualmente, o arguido vive hoje sozinho, embora mantenha relacionamento próximo com a antiga companheira, apoiando-a em termos materiais e afectivos, surgindo esta aliás como única referência afectiva próxima quando se procura a existência de elementos de identificação no meio; 32. Apesar do relativo isolamento social em que vive, o arguido expressa com facilidade bem-estar e vontade de continuidade na região, associando-a à única referência segura após os períodos em que passa em trabalho em Espanha; 33. Desde há cinco anos que trabalha para a empresa espanhola T..., S.L., com a categoria profissional de condutor mecânico, auferindo um vencimento líquido mensal próximo dos dois mil euros, o que lhe permite usufruir de uma situação económica estável e relativamente desafogada; 34. Neste momento, sentindo-se condicionado pelas medidas de coação em curso, faz viagens mais curtas, com ausências máximas do País por dois dias; 35. A detenção do arguido, ainda que transitória, teve cumulativamente um impacto muito significativo, pela noção de privação de liberdade e pela realidade quotidiana da vivência em estabelecimento prisional; 36.0 arguido assume com facilidade uma postura de censura/relativamente aos excessos em causa, elevando o valor da vida humana e a sua não sujeição a querelas particulares; 37.0 arguido está arrependido; 38. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais." Quanto aos factos não provados: "Concretamente, não se provaram os seguintes factos: I. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na matéria de facto julgada provada, o arguido e assistente se desentenderam por razões relacionadas com o volume do som que o arguido usava quando ouvia música em casa; II.O arguido, quando se aproximou do assistente, se lhe tenha dirigido dizendo «Cabrão, tu não mandas baixar a música...»; III.A expressão referida no número anterior foi proferida pelo arguido apenas porque uma só vez o demandante ter-lhe-à pedido para baixar a música pois aquele após a meia noite tinha quase sempre quando se encontrava em casa a música em alto som, incomodativo não permitindo o descanso deste e sua família; IV.O arguido tenha ido buscar a pistola a casa e que a pistola estivesse municiada com seis munições; V.A CC tenha agarrado o arguido, procurando imobilizá-lo; VI.O arguido, não obstante ter sido agarrado pela CC, tenha conseguido puxar a culatra da pistola atrás; VII.O arguido tenha admitindo atingir o assistente e feri-lo em órgãos vitais e causar-lhe a morte, tendo aceite tal resultado, já que o que, a este propósito, se demonstrou...

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