Acórdão nº 540/20.5GAEPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1. No processo comum singular, com o NUIPC540/20.5GAEPS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo de Competência Genérica (Juiz 1), foi proferida sentença, em 13-10-2021, com o seguinte dispositivo (transcrição): «VI. Decisão: Por todo o exposto, decido:

  1. Condenar o arguido M. M. pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n° 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal na pena de três anos de prisão.

  2. Suspender a execução da pena de prisão de três anos, por igual período, suspensão esta sujeita a regime de prova que contemplará, pelo menos, a necessidade de o arguido frequentar programas específicos de prevenção da violência doméstica; c) Condenar o arguido M. M. na acessória de proibição de uso e porte de arma, prevista no artigo 152º, nº 4 do Código Penal, pelo período de 3 (três) anos.

  3. Condenar o arguido M. M. na acessória de proibição de proibição de contacto com a vítima e afastamento da residência desta, prevista no artigo 152º, nº 4 do Código Penal, pelo período de 3 (três) anos, mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com dispensa de consentimento do arguido, excetuando-se os contactos necessários à resolução das questões atinentes à filha de ambos que deverão ser tratados preferencialmente via telefone, mensagens escritas e correio eletrónico.

  4. Condenar o arguido M. M. na pena acessória de obrigação de frequência de programas de prevenção da violência doméstica, prevista no artigo 152º, nº 4 do Código Penal de acordo com o plano de reinserção social que vier a ser delineado.

  5. Condenar o arguido M. M. a pagar à ofendida A. C. a quantia de €5.000 (cinco mil euros) a título de reparação.

    ** Mais se condena o arguido M. M. no pagamento de custas processuais criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC» 2. Inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido M. M..

    Na sequência das respetivas alegações termina apresentando as seguintes conclusões (transcrição): «CONCLUSÕES:

  6. Pretende o arguido recorrer da decisão do tribunal a quo em o condenar na pena acessória de proibição de contacto com a vítima e afastamento da residência desta pelo período de três anos, mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

  7. No decorrer da fase de inquérito foi o arguido submetido à medida de coacção de proibição de contacto com a ofendida com recurso à fiscalização, por meio técnico de controlo à distância.

  8. Durante esse período de tempo o arguido não violou quaisquer dos deveres a que estava legalmente obrigado.

  9. Por força da mudança da vítima para …, França, entendeu-se não se justificar a manutenção das medidas de controlo à distância implementadas, pelo que, mantendo-se a proibição de contacto com a vítima, foi retirada ao arguido a pulseira electrónica que visava fiscalizar o respectivo cumprimento.

  10. Após ter sido retirada a pulseira electrónica ao arguido, a ofendida regressou a Portugal por ocasião das suas férias, tendo o Arguido obtido conhecimento dessa situação e, em momento algum, infringiu ou tentou infringir a imposição de proibição de contactar com vítima.

  11. Mantendo-se a ofendida a morar fora do território nacional, não há fundamento que sustente a imprescindibilidade da fiscalização da pena acessória de proibição de contacto com a vítima mediante recurso à fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

  12. A implementação de meios de vigilância electrónica depende da verificação de um juízo de imprescindibilidade dessa medida para a protecção da vítima.

  13. No caso em concreto, residindo a vítima no estrangeiro e a milhares de quilómetros do arguido, não se verifica o requisito de imprescindibilidade para aplicação dos meios de vigilância electrónica.

  14. O arguido tem respeitado tanto a vontade da ofendida, bem como a do Tribunal, mantendo-se afastado daquela, e se fosse sua intenção aproximar-se, já o teria feito, o que não aconteceu.

  15. Prova disso é que o arguido concordou que a ofendida recomeçasse a sua vida no estrangeiro, tendo acordado extrajudicialmente o regime das responsabilidades parentais da filha menor de ambos.

  16. Face ao exposto, entende o arguido que a aplicação de meios electrónicos que visem a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima é excessiva por violar os princípios da adequação e da necessidade consagrados no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa.

  17. Pelo que deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que determina a imposição ao arguido dos meios electrónicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da pena acessória.

  18. O Arguido pretende também recorrer da medida do valor fixado para o pedido de indemnização cível a pagar à ofendida.

  19. O valor peticionado pelo Ministério Público, tendo por base os factos alegados na acusação foi de 3.500,00€ (três mil e quinhentos euros).

  20. Se 3.500,00€ se afiguravam, na óptica do Ministério Público, justos e correctos para indemnizar a ofendida pelos factos que alegadamente lhe tinham sido causados pelo arguido, não se percebe como no final, e não se tendo provado alguns deles, venha o tribunal a quo condenar o arguido num valor superior ao peticionado.

  21. O tribunal a quo deu como provado (relativamente às condições pessoais do arguido) que este é trabalhador da construção civil, trabalhando a fazer biscates.

  22. Foi também dado como provado que o arguido não tem rendimentos fixos, auferindo o salário mínimo nacional e, em alguns meses, até menos do que isso.

  23. O Arguido paga ainda a pensão de alimentos da sua filha L. B. no valor de 120,00€ mensais.

  24. Os danos não patrimoniais são aqueles que são insusceptíveis de expressão pecuniária e a sua quantificação faz-se com recurso à equidade.

  25. A fixação da indeminização com recurso à equidade significa que o seu valor é determinado considerando entre outras, a culpa do agente, a sua situação económica, as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e criteriosa ponderação das realidades da vida.

  26. Salvo melhor entendimento, não percebe o arguido como pode ser condenado a pagar a título de indemnização à ofendida o valor de 5.000,00€, quando esse valor é quase tanto como aquilo que o Arguido aufere ao fim de um ano de trabalho! v) O arguido tem ainda como encargo o valor mensal de 120,00€ relativamente à pensão de alimentos da sua filha menor.

  27. Tal condenação não se afigura como justa e proporcional na medida que condena o arguido numa obrigação incomportável e que irá contribuir para agravar ainda mais a situação de precariedade económica em que este vive.

  28. Neste sentido, a douta decisão do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 496º, nº 4 e 494º do Código Civil.

  29. Face ao exposto, considera o recorrente que se justifica por completo a redução do valor fixado pela sentença recorrida nesta parte, afigurando-se como adequado e proporcional o valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros).

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente como é de JUSTIÇA.» 3. Ao recurso interposto pelo arguido, respondeu o Ministério Público, no sentido de que “deverá ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, julgando-se como manifestamente improcedente o recurso interposto pelo Recorrente”.

    1. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido de que: - No que concerne às questões levantadas pelo recorrente, e relativas à reparação cível, não tem interesse em agir, escapando-lhe legitimidade para tal, como se colhe do referido na conjugação dos artigos 401.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 413.º, n.º 1, ambos do CPP a contrario, na medida em que nesse concreto não é parte, nem representa nenhuma delas.

      - Relativamente à fiscalização eletrónica da pena acessória de afastamento da ofendida deverá o recurso ser declarado procedente por não resultar da decisão, devidamente fundamentado um juízo de imprescindibilidade da fiscalização do cumprimento da medida com recurso a meios técnicos.

    2. Não foi apresentada resposta a esse parecer.

    3. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal.

      1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto do recurso.

      Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal(1), e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior.

      Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes: a) – Violação dos princípios da adequação e da necessidade consagrados no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa em virtude da aplicação de meios eletrónicos de fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, aplicada ao recorrente.

  30. – Violação o disposto no artigo 496º, nº 4 e 494º do Código Civil, na medida em que a quantia arbitrada a título de reparação dos danos causados à vítima é excessiva; 2. Da decisão recorrida.

    O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade (transcrição): «1. Factos Provados 1. A partir do ano de 2013, o arguido M. M. e a A. C. iniciaram vida em comum, como se marido e mulher se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT