Acórdão nº 08P3854 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelSOARES RAMOS
Data da Resolução27 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1 AA, nascido em 03/01/1941, foi julgado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 154/05.OTAMBR do T.J. de Moimenta da Beira e veio a ser condenado, por acórdão de 16/03/2007, na pena de 4 anos de prisão, pela prática, em 21/09/2001, de um crime de homicídio tentado, p. e p. nos artigos 22° n°s 1 e 2 al. b), 23° n° 1 e 2, 73° n° 1 al. a) e b) e 131°, todos do Código Penal.

Foi ainda condenado a pagar ao assistente (BB) a quantia global de € 29.341,84 (vinte e nove mil trezentos e quarenta e um euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de indemnização por danos de natureza patrimonial e não patrimonial, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre a quantia de € 4.341,84 desde a notificação para contestar o pedido até integral pagamento (cfr. art°s. 804°, 805° n° 3 e 806° do Cód. Civil e 78° do Código de Processo Penal), e à mesma taxa, contados sobre a quantia de € 25.000,00 desde a decisão e até efectivo e integral pagamento e, bem assim, o que vier a apurar-se em liquidação posterior, a título de gastos com a necessidade de continuar o assistente a ter um acompanhamento mé-dico-psiquiátrico (por causa das lesões provocadas pelo arguido) e ainda por força do que despenderá no pagamento das respectivas consultas e dos medicamentos que lhe forem prescritos.

* Tanto assim, face à ponderação do seguinte enunciado factual: «1. O arguido e o assistente, BB, são cunhados e há vários anos que mantêm entre si um relacionamento conturbado e, pelo menos há 9 anos que não se falam.

  1. No dia 21.09.2000, a hora não concretamente apurada, mas situada na parte da manhã do referido dia, BB, fazendo-se transportar ao volante da sua carrinha, dirigiu-se ao seu prédio denominado "Martimouro"' sito em Vila da Ponte, utilizando, para tal, um caminho ali existente e que é comum ao acesso dum prédio pertencente ao arguido.

  2. Uma vez aí e inadvertidamente, BB pisou a ponta de uma arriosta (arame de ferro de amarração) de um cordão de videira do arguido, a qual ficou danificada.

  3. Nesse mesmo dia 21 de Setembro de 2000, quando eram cerca de 15h30m, e ainda junto do referido prédio em Vila da Ponte, nesta Comarca, o arguido abeirou-se do ofendido BB e instou-o àcerca de ter pisado a arriosta, na sequência do que se desentenderam por causa da passagem no referido caminho comum de acesso aos seus terrenos agrícolas, tendo ambos trocado uma série de palavras, cujo conteúdo não foi possível apurar em concreto.

  4. Na sequência dessa troca de palavras e porque se sentiu indignado com as mesmas, o assistente dirigiu-se ao arguido e agarrou-o junto ao pescoço ao mesmo tempo em que o instou a repetir algumas das palavras que acabara de proferir, ao que o arguido nada disse.

  5. Imediatamente a seguir, o arguido, nas circunstâncias de tempo e de lugar supra referidas e por causa dos factos supra descritos, dirigiu-se a BB, o qual se encontrava acompanhado da mulher, da filha, da sogra e de BB, que ali se encontravam na apanha da maçã, e proferiu-lhe as seguintes palavras: "espera aí que eu vou a casa e já venho".

  6. Acto contínuo, o arguido abandonou aquele local e deslocou-se à sua residência onde se muniu de uma pistola semi-automática de marca "F. N. BABY", com o n°. ........., calibre 6,35mm, com carregador para seis munições e que se encontrava municiada com, pelo menos, 4 projécteis.

  7. Levando consigo a referida arma, o arguido abandonou a sua casa, entrou no seu veículo automóvel e conduziu-o de regresso para próximo do local onde havia deixado o assistente, tendo mediado entre tais eventos cerca de 15 minutos.

  8. Entretanto, o assistente retirou umas caixas da sua carrinha destinadas às maçãs e, por questões relacionadas com a ida dum tio para o hospital na manhã desse mesmo dia (21.09.2000), telefonou para a mulher do arguido, sua cunhada e, após uma breve troca de palavras, aquela disse-lhe que o arguido tinha saído de casa com a arma na mão e ia aí para cima (referindo-se ao prédio rústico onde se encontrava o assistente).

  9. Uma vez chegado ao local onde minutos antes se havia encontrado com o cunhado, o arguido estacionou o seu veículo a cerca de 200 metros do seu terreno, a fim de impedir que a sua presença fosse notada.

  10. Seguidamente, o arguido dirigiu-se ao local onde se encontrava o BB, que nesse momento estava em cima de um escadote a colher maçãs e quando se encontrava a cerca de 4 metros do mesmo, com a arma direccionada para a zona do tórax daquele, em condições de premir o gatilho e deflagrara mesma, foi visto pelo assistente.

  11. O assistente, ao ver o arguido com a arma apontada em direcção ao seu peito e temendo ser atingido de forma letal, moveu-se, altura em que o arguido premiu o gatilho e deflagrou uma primeira munição visando atingir aquele no tórax o que não logrou conseguir em face daquele movimento, vindo a atingi-lo no braço direito.

  12. O arguido deflagrou de novo a arma na direcção do ofendido que, entretanto, saltou do escadote, não o tendo atingido.

  13. Neste momento, o assistente aproximou-se do arguido na tentativa de lhe retirar da mão a arma que empunhava e no momento em que lhe tocou no braço direito, quando a distância que os separava era de apenas cerca de 1 a 2 metros, o arguido premiu de novo o gatilho e deflagrando novo tiro atingiu BB na virilha esquerda.

    l5. Acto contínuo, o arguido começou-se a afastar do local, e ainda de frente para o assistente, o qual se encontrava de pé, disparou de novo, não tendo, contudo, logrado atingi-lo.

  14. Ao mesmo tempo em que se afastava do local nas condições descritas no número antecedente o arguido continuava insistentemente a premir o gatilho da sua arma, mas nenhuma outra munição foi deflagrada para além das quatro já referidas.

  15. Ao aperceberem-se da falta de outras munições, o assistente e as pessoas que o acompanhavam no pomar, identificadas em 6, aproximaram-se do arguido, o qual se desequilibrou e caiu para trás de costas, altura em a sogra do arguido lhe retirou a arma que empunhava e a entregou ao assistente.

  16. Em consequência da descrita actuação do arguido, resultaram para o ofendido diversas lesões, designadamente ferida perfurante do terço médio da face anterior do antebraço direito e ferida perfurante da região inguinal esquerda, as quais lhe determinaram directa e necessariamente um período de 148 (cento e quarenta e oito) dias de doença, com incapacidade para o trabalho.

  17. Tais lesões determinaram-lhe directa e adequadamente sequelas, relevando-se sintomatologia ango-depressiva que não consubstancia doença mental grave ou incurável, bem como sintomatologia dolorosa que afecta, embora de maneira não grave, a possibilidade de utilizar o corpo e a capacidade de trabalho.

  18. Ao efectuar os disparos visando o corpo do BB, nomeadamente a região do tórax aquando do primeiro disparo que efectuou, o arguido previu e quis atingi-lo em zona do corpo onde se alojam órgãos vitais 21. Com efeito, a região do corpo visada e atingida, o instrumento utilizado e a distância a que foram efectuados os disparos, eram meios idóneos a provocar a morte, o que o arguido não ignorava.

  19. Aliás, com tal objectivo o arguido visou, pelo menos aquando do primeiro disparo, o tórax do ofendido, propondo-se a atingi-lo, matando-o, propósito que manteve, pois além daquele efectuou mais três disparos com a arma que empunhava.

  20. Arma esta que decidiu, após troca de palavras com o ofendido, ir buscar à sua residência, para realização do seu propósito de retirar a vida daquele.

  21. Propósito que não logrou conseguir, porque o assistente, no momento do primeiro disparo instintivamente movimentou-se, obstando assim, à entrada de tal projéctil no seu tórax.

  22. O arguido tinha perfeito conhecimento que o meio utilizado e a região do corpo visada e a curta distância a que foi efectuado, eram meios idóneos a causar a morte do assistente, pelo que agiu com a intenção de provocar a mesma, resultado que previu e quis obter.

  23. O arguido não logrou atingir aquele resultado por razões alheias à sua vontade, designadamente porque o ofendido se movimentou repentinamente, pelo que o primeiro projéctil o veio a atingir no braço direito.

  24. Não obstante, permaneceu ainda em tal intenção, tendo premido o gatilho da arma que empunhava e disparado duas novas munições, sendo que uma delas veio a atingir o ofendido que entretanto tinha saltado do escadote onde se encontrava e se havia dirigido ao mesmo em ordem a lhe retirar da mão a pistola que empunhava, na virilha esquerda.

  25. Não obstante, e já quando se afastava do local, premiu de novo o gatilho e deflagrou um quarto projéctil, de cuja trajectória o assistente se desviou.

  26. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, querendo e prevendo tal resultado, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punível.

  27. Em consequência da descrita conduta do arguido, o assistente sofreu internamento nos Serviços de Cirurgia do Hospital de São Teotónio em Viseu, onde, passados dois dias após a data referida em 4, lhe foi feita extracção do projéctil do membro superior direito, vindo a ter alta hospitalar no dia 29.09.2000, continuando o assistente a ter alojado no seu corpo um projéctil com cerca de 1 cm na região inguinal esquerda.

    Do pedido Cível 31. Com a actuação assumida pelo demandado/arguido, o assistente realizou como possível que, no instante em que eram efectuados os disparos, iria perder a sua vida.

  28. O que lhe causou pânico, aflição e sério temor da concretização dos desígnios do demandado.

  29. O assistente ficou profundamente abalado e apavorado.

  30. O assistente passou a sofrer de cefaleias e insónias.

  31. As lesões sofridas pelo demandante determinaram-lhe cicatriz de características operatórias no braço direito, bem como vestígios cicatriciais no antebraço direito, abdómen (arcada inguinal esquerda) e membro inferior esquerdo (perna) de pequenas dimensões e pouco aparentes.

  32. O assistente durante os primeiros 2 meses após o dia 21 de Setembro de 2000 teve que permanecer acamado.

  33. E necessitou de colocar gelo...

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