Acórdão nº 08S2308 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução26 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa intentou AA contra BB, Ldª, acção de processo comum, peticionando a condenação da ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, com reserva de posterior opção pela indemnização por antiguidade, a pagar, em partes iguais, a ela, autora, e ao Estado, uma sanção compulsória não inferior a € 250 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração, a pagar à autora as retribuições que deixou de auferir desde trinta dias antes da propositura da acção, as quais computou em € 3.061, e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal e as férias e subsídio de férias vencidos em Janeiro de 2004, a pagar à mesma autora € 2.007,36, a título de diferenças salariais, acrescidos de juros de mora vencidos no montante de € 93,22 e vincendos, € 2.838,99, a título de diferenças por trabalho suplementar, acrescidos de juros de mora vencidos no quantitativo de € 94,44 e vincendos, € 20.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e juros moratórios vincendos desde 1 de Abril de 2005 até integral pagamento.

Para basear a sua pretensão, muito em síntese, invocou que: - - foi trabalhadora subordinada da ré desde 4 de Fevereiro de 2004, num estabelecimento de ensino desta denominado BB, tendo, actualmente, a categoria de coordenadora da área de audiovisual, e desenvolvendo, inicialmente, a actividade de professora do ensino técnico e profissional, leccionando aulas de guionismo e produção de televisão; - desde sempre esteve a laborar sob as ordens e instruções da directora-geral da ré, do seu director pedagógico, integrada na hierarquia da ré, submetida a um horário de trabalho determinado por esta, em gabinete próprio nas instalações dela, ré, utilizando instrumentos de trabalho à mesma pertencentes, gozando férias em períodos determinados pela ré, não se obrigando a um qualquer resultado específico e dependendo economicamente da ré; - percebia uma remuneração mensal fixa, calculada a partir de uma verba multiplicada por catorze e dividida por doze, paga em doze meses do ano, e não em função de qualquer resultado, e, a partir de Agosto de 2003, uma remuneração fixa e uma outra, variável, em função do número de horas de aulas ministradas; - após a assunção das funções de coordenadora da área de audiovisual, a autora tinha, hierárquica e directamente subordinados a si, uma secretária e dois responsáveis de áudio e assistência técnica, que da autora recebiam e cumpriam ordens e instruções, além de ser directamente responsável, perante a respectiva hierarquia, pelos formadores e assistentes da sua área; - que desempenhou trabalho extraordinário, que discriminou, o qual lhe não veio a ser pago; - a partir de 3 de Agosto de 2003, ocasião em que a autora passou a receber uma remuneração fixa e outra variável, o seu vencimento passou a ser inferior ao que auferia até Julho desse ano, ficando penalizada em € 167,28 mensais entre Agosto de 2003 e Julho de 2004; - em 3 de Junho de 2004, foi comunicado à autora que os cursos de audiovisual ministrados pela ré iriam desaparecer, pelo que se prescindia da actividade por si desenvolvida, sendo certo, porém, que, afinal, não se verificou qualquer alteração na estrutura dos cursos até então prosseguidos e o posto de trabalho que era ocupado pela autora não sofreu qualquer alteração, excepto no que respeita ao seu titular; - assim, o contrato de trabalho da autora foi cessado sem invocação de justa causa ou precedência de processo disciplinar, consubstanciando, pois, um despedimento ilícito; - a autora ficou afectada psicologicamente, sofrendo abalo emocional grave, com profundas alterações de humor e capacidade de relacionamento, inclusive com o seu marido e filhos, perda de apetite, dificuldade em dormir, cefaleias permanentes e apatia geral, tendo de se sujeitar a tratamento médico.

Contestou a ré, sustentando a improcedência da acção e a sua consequente absolvição dos pedidos contra si formulados, aduzindo, em súmula: - - que a autora fora por si contratada como formadora externa mediante a celebração de sucessivos contratos de prestação de serviço desde Fevereiro de 2001 a Dezembro de 2002, pagando-lhe em função do número de horas leccionadas, resultando, assim, um quantitativo mensal indeterminado; - como em Dezembro de 2002 a equipa responsável pela área de áudio e vídeo informou a ré que iria dar por finda a sua colaboração, viu-se ela na necessidade de organizar uma nova equipa, convidando, para tanto, a autora para assumir a qualidade de coordenadora dessa nova equipa, havendo necessidade de se estabelecerem novas condições de prestação desse serviço, mas de acordo com a verba que estava disponível até ao final do ano lectivo, verba essa que foi fraccionada em sete prestações pagas de Janeiro a Julho de 2002 e que incluía a coordenação e a formação que a autora pudesse dar; - no sequente ano escolar, decidiu a ré convidar a autora para coordenar a área de vídeo, negociando as partes as condições do exercício dessa tarefa, partindo da verba então disponível e, dando a ré à autora a possibilidade de esta escolher, de entre as modalidades propostas - contrato de prestação de serviço pago em catorze meses, contrato de prestação de serviço pago em doze meses e contrato de trabalho -, veio ela a optar pela modalidade de contrato de prestação de serviço mediante a remuneração global de € 35.000, paga em doze prestações mensais; - situação semelhante ocorreu no ano escolar seguinte; - a autora é empresária em nome individual; - as aulas leccionadas pela autora eram contabilizadas no final de cada mês e pagas as respectivas horas em meados do mês seguinte; - não correspondia, por isso, à verdade, desfrutar a autora de uma remuneração fixa e outra variável; - a autora, nas suas funções de coordenadora, agia com autonomia técnica e não recebia ordens ou instruções da administração da ré, a qual só dava instruções tendentes à salvaguarda da prossecução dos cursos e, se a autora prestava funções nas instalações da ré, utilizando os equipamentos desta, isso devia-se à circunstância de a mesma ré disponibilizar espaços, equipamentos, aliás de elevadíssimos custos, e meios humanos, físicos e técnicos a todos os seus colaboradores, atentos os objectivos que prosseguia; - inexistiu, pois, qualquer vínculo de natureza laboral entre a autora e a ré, sendo a cessação do contrato de prestação de serviço consequenciada pela reestruturação do plano curricular dos cursos; - a autora, com a instauração da acção, adoptou um comportamento que deve ser qualificado como abuso de direito e litigância de má fé.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 17 de Agosto de 2006, a ser proferida sentença que: - - condenou a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, com todos os direitos e regalias que adviriam caso se tivesse mantido ao serviço desde 31 de Julho de 2005; - condenou a ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 75 por cada dia de atraso no cumprimento da determinada reintegração; - condenou a ré a pagar à autora as retribuições vencidas desde 14 de Março de 2005, incluindo os vencimentos base, férias e subsídios de férias e de Natal, até ao trânsito em julgado da decisão, devendo deduzir-se no respectivo valor as importâncias que a autora, comprovadamente, tivesse obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não tivesse ocorrido o despedimento, bem como os montantes eventualmente auferidos a título de subsídio de desemprego, os quais deveriam ser deduzidos no quantitativo a pagar e entregues pela ré à Segurança Social.

Do assim decidido apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo ainda arguido nulidades da sentença e impugnado a matéria de facto tida por demonstrada.

Sem sucesso, porém, já que aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 17 de Outubro de 2007, julgou improcedente o recurso incidente sobre a matéria de facto e, bem assim, a apelação.

Mantendo o seu inconformismo, veio a ré pedir revista.

Em 4 de Março de 2008, a Desembargadora Relatora proferiu despacho no qual, perfilhando o entendimento de que o justo impedimento alegado pela mandatária da ré quanto à apresentação extemporânea da sua alegação não procedia, determinou o respectivo desentranhamento, em consequência julgando deserto o recurso de revista.

Desse despacho requereu a ré reforma e, do mesmo passo, veio reclamar para a conferência.

Por acórdão de 14 de Maio de 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando que a alegação veio a ser apresentada no terceiro dia útil após o termo do prazo, deferiu a reclamação, permitindo que a ré procedesse ao pagamento da multa a que se reporta o nº 3 do artº 145º do Código de Processo Civil, a fim de ser admitida a peça processual em causa.

Foi efectuado o pagamento daquela multa.

  1. Rematou a ré a alegação com o seguinte quadro conclusivo: - "1.ª O douto acórdão em Revista ofendeu o princípio fundamental da liberdade contratual em que assenta o nosso sistema jurídico, violando assim o artigo 405.º do Código Civil; 2.ª Em consequência, decidiu pela existência de um contrato de trabalho, com recurso aos dispositivos legais dos artigos , 10º e 12º do Código do Trabalho e 1154º do Código Civil, violando-os frontalmente; 3ª O douto Acórdão recorrido, ao decidir pela qualificação do contrato em causa nos autos como contrato de trabalho, violou as regras do ónus da prova e, sobretudo, procedeu a uma errada apreciação da prova, em violação dos artigos 342º, 236º e 358º, todos do Código Civil, e ainda doartigo 516º do Código de Processo Civil; 4.ª Que assim não fosse, face à matéria de facto dada como assente, impunha-se concluir no douto Acórdão pela não verificação dos índices enunciados no artigo 12º do Código do Trabalho, e assim concluir pela qualificação do contrato como de prestação de serviços; 5.ª O douto...

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