Acórdão nº 08S1982 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução26 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Braga em 9 de Maio de 2006, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra "Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte", pedindo que seja reconhecido e declarado que com esta manteve um contrato de trabalho sem termo, que cessou em 30 de Junho de 2005 por iniciativa da demandada, de forma ilícita, uma vez que não foi precedido de processo disciplinar, devendo, consequentemente, a Ré ser condenada: - A reintegrá-la no seu posto de trabalho; - A pagar-lhe a quantia de € 27.162,36, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do despedimento até integral pagamento, devida pelos dezoito meses que trabalhou sem que lhe fosse paga a correspondente retribuição (Janeiro de 2004 a Junho de 2005, inclusive); - A pagar-lhe as retribuições mensais, com base no salário de € 1.509,02, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença; - A pagar-lhe a indemnização por danos não patrimoniais que vier a ser liquidada em execução de sentença.

Alegou, para o efeito, em síntese, que: - Foi admitida, em Outubro de 1998, para exercer funções na Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território (DRAOT) - de cuja fusão com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCRN) resultou a Ré -, em regime de prestação de serviços, pois, à data, a Administração Pública só podia admitir pessoal nesta modalidade; - Porém, a relação assim estabelecida deve ser qualificada como contrato de trabalho, uma vez que trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, em horário por ela determinado e inserida na estrutura hierárquica da Ré, mediante o pagamento de uma quantia mensal média de € 1.509,02, que incluía o subsídio de férias e de Natal; - Em 30 de Junho de 2005, foi despedida pela Ré sem precedência de processo disciplinar e sem que lhe tenha sido paga a remuneração referente ao trabalho que prestou no período de Janeiro de 2004 a Junho de 2005, inclusive, no montante de € 27.162,36; - Em resultado do despedimento ficou psicologicamente afectada, sendo «graves e profundos» os danos de natureza não patrimonial sofridos.

Frustrada, na audiência de partes, a tentativa de conciliação, veio a Ré contestar, por excepção e por impugnação: por excepção invocou, por um lado, não ser dotada de personalidade judiciária e, por outro lado, para o caso de se concluir ter existido um contrato de trabalho, encontrarem-se prescritos os créditos reclamados (à excepção do montante de € 21.500,00 que confessou dever à Autora); por impugnação, sustentou que o contrato que manteve com a Autora foi de prestação de serviço e que, a admitir-se que foi um contrato de trabalho, o mesmo é nulo por falta de forma.

Na sequência da posição assumida pela Ré, quanto à falta de personalidade judiciária, veio a Autora, na resposta à contestação, requerer a intervenção provocada do Estado, após o que foi proferido despacho que absolveu a Ré da instância, por falta de personalidade judiciária, e julgou sanada, por via do requerimento de intervenção do Estado, contra quem, representado pelo Ministério Público, os autos passaram a correr termos.

O Estado aderiu à contestação oportunamente apresentada pela entidade primitivamente demandada.

Em audiência preliminar, a Autora foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial, o que cumpriu, na sequência do que foi proferido despacho saneador - onde se relegou para a sentença final o conhecimento da excepção da prescrição -, após o que foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Os autos prosseguiram termos, vindo a ser proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu: "[...] - declarar e reconhecer que a A. prestou a sua actividade profissional para o R., sob as suas ordens e direcção, mediante um contrato de trabalho sem termo; - declarar e reconhecer que esse contrato cessou em 30-06-2005, por facto imputável ao R., que nessa data despediu a Autora, sem justa causa nem organização de procedimento disciplinar e, portanto, mediante ilícito despedimento; - declarar nulo o mesmo contrato; - condenar o R. a pagar à A. a quantia de € 8.914,34 a título de retribuições em dívida (salários e subsídios de férias e de Natal) respeitantes ao período compreendido entre Janeiro de 2004 e Junho de 2005, quantia esta acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde 30-06--2005 até 08-05-2007 sobre € 27.162,24 e, desde então até integral pagamento, sobre € 8.914,34; - condenar o R. a pagar à A. a quantia de € 9.054,08 a título de indemnização por antiguidade; - condenar o R. a pagar à A. a quantia de € 22.131,41 a título de retribuições que a A. deixou de auferir desde 30 dias anteriores à propositura da acção, deduzida dos montantes que a A. tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido pela mesma; - absolver o R. do restante pedido.

[...]".

  1. Inconformada com a decisão, na parte em que não condenou o Réu a reintegrá-la no posto de trabalho, a Autora interpôs recurso de apelação a pugnar pela condenação nesse sentido; solicitou, caso assim não viesse a entender-se, a fixação da indemnização substitutiva em € 13.581,12, calculada com base em 45 dias de trabalho por cada ano de antiguidade ou fracção.

    O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 28 de Janeiro de 2008, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença no tocante à declaração de nulidade do contrato de trabalho e à condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de € 9.054,08 a título de indemnização por antiguidade, que substituiu pela condenação do Réu a reintegrá-la, de imediato, no posto de trabalho e nas funções que sempre exerceu, sem prejuízo da sua antiguidade, tendo, consequentemente, julgado prejudicado o conhecimento da questão relativa à base de cálculo da indemnização.

    Irresignado, desta feita, o Réu vem pedir revista, terminando a alegação com as conclusões assim redigidas: 1. A Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, é inaplicável ao contrato dos autos; 2. Com efeito, no n.º 1 do seu artigo 26.º, ressalva-se a sua aplicação, nomeadamente, quanto às condições de validade; 3. Ora, o contrato em causa é inválido, 4. Porque o regime legal que lhe é aplicável é o decorrente do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro; 5. Acontece que este diploma legal não permitia a celebração de contratos individuais de trabalho por tempo indeterminado; 6. Logo, o contrato dos autos é nulo, não por falta de forma, mas por impossibilidade legal; 7. Daqui decorre que o mesmo não pode ser convalidado pela lei posterior, ou seja, pela Lei n.º 23/2004; 8.

    E não o pode ser porque se trata de um contrato inválido; 9. Por outro lado, inexiste, no caso concreto, abuso do direito; 10. Com efeito, admitindo-se que o contrato dos autos é admissível, por convalidação efectuada pela Lei n.º 23/24, de 22 de Junho, o mesmo é nulo por falta de forma, como decorre do seu artigo 8.º, n.os 1 e 3; 11. Na verdade, não constitui abuso de direito invocar a nulidade decorrente da inobservância da forma legalmente prescrita [existe impossibilidade de invocação do abuso de direito por inobservância da forma legalmente prescrita]; 12. Acresce que a invocação de uma nulidade pela parte que dela aproveita não pode ter-se como abuso de direito, dado que apenas representa a sobreposição de regra processual ao direito substantivo, o que é legitimado pela norma que impõe um determinado procedimento em termos cominatórios; 13. Mas, mesmo que se admita essa possibilidade, ou seja, a de se invocar o abuso do direito em casos de nulidade por inobservância de forma, não se verifica ele no caso em apreço; 14. Com efeito, nestes casos específicos de pedido de declaração de nulidade de um negócio jurídico só excepcionalmente é que se pode admitir a invocação do abuso de direito, desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo; 15. Ora, da factualidade provada inexiste qualquer facto que aponte para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé; 16. Igualmente da matéria de facto provada não resulta que se tenha verificado qualquer situação objectiva de confiança, isto é, não se provou que a Autora estava convicta da validade do seu contrato de trabalho e, também, não se provou que o réu tenha agido/procedido de modo a criar naquela a convicção de que não iria invocar a nulidade do contrato; 17. Não se apurou, pois, qualquer matéria de facto de onde se possa extrair tais conclusões/ilações; 18.

    A interpretação feita no acórdão recorrido do artigo 334.° do CC, conjugado com os artigos 8.º, n.º 1, e 26.º, n.º 2, estes da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, é inconstitucional, por violação do artigo 47.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pois permite a validação de contratos sem termo, nulos por falta de forma, sem haver qualquer procedimento de recrutamento e selecção de eventuais candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e de igualdade.

    Finalizou, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a manutenção da sentença da 1.ª instância.

    A Autora contra-alegou para sustentar a confirmação do acórdão da Relação.

    Depois de corridos os vistos, prevenindo a eventualidade de vir a ser concedida a revista e ter de conhecer-se da pretensão subsidiariamente formulada no recurso de apelação pela Autora, foram as partes notificadas, em obediência ao disposto n.º 3 do artigo 715.º do Código de Processo Civil, para sobre tal se pronunciarem.

    Respondendo, o Réu, representado pelo Ministério Público, defendeu a alteração oficiosa da decisão proferida na 1.ª instância no sentido de não se "outorgar à A. qualquer montante quer a...

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