Acórdão nº 764/11.6T4AVR.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução25 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 1 de Setembro de 2011, na Comarca do Baixo Vouga, Aveiro, Juízo do Trabalho, 1.ª Secção, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, S. A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia total de € 134.405,35, referindo-se (i) € 1.655, a férias não gozadas, vencidas em 1 de Janeiro de 2011, (ii) € 1.655, a subsídio de férias não gozadas, vencidas em 1 de Janeiro de 2011, (iii) € 827,50, a proporcionais das férias não gozadas no ano da cessação do contrato, (iv) € 827,50, a proporcionais do subsídio de férias no ano da cessação do contrato, (v) € 827,50, a proporcionais do subsídio de Natal no ano da cessação do contrato, (vi) € 61.080,18, a trabalho suplementar prestado nos últimos 5 anos, (vii) € 14.201,67, a trabalho suplementar prestado, aos sábados, nos últimos 5 anos, (viii) € 53.331, a indemnização por violação dos direitos laborais, quantia acrescida de juros de mora desde a data da resolução do contrato até integral e completo pagamento.

Alegou, em suma, que foi admitido como trabalhador da ré, em 1 de Abril de 1987, e que, no dia 30 de Junho de 2011, comunicou-lhe a resolução do contrato de trabalho fundada em ofensa à sua integridade moral, honra e dignidade, aditando que prestou à ré trabalho fora do horário de trabalho, incluindo aos sábados, e que a ré não satisfez os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação.

Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, a ré contestou alegando, em substância, que não existiu justa causa para o autor resolver o contrato de trabalho e que, de todo o modo, caducou o direito à resolução daquele contrato, pois decorreram mais de 30 dias desde que o autor teve conhecimento dos factos invocados como fundamento da resolução e a respectiva comunicação, mais tendo aduzido que a retribuição do autor, antes de 2008, era de montante inferior ao discriminado na petição inicial, que o autor nunca prestou trabalho para além das 40 horas semanais e que processou as prestações pecuniárias vencidas com a cessação do contrato de trabalho, descontando € 3.310 relativos à compensação pela ausência de justa causa e inobservância do prazo de aviso prévio, o que comunicou ao autor.

Saneado o processo e relegado para final o conhecimento das excepções de caducidade e de compensação, realizou-se julgamento e exarou-se sentença, a qual, objecto de recurso de apelação, foi anulada, «com vista à repetição do julgamento a incidir, exclusivamente, sobre o conhecimento que a ré tinha da prestação de trabalho pelo autor fora do seu horário de trabalho, sobre o consentimento dado pela ré à prestação desse mesmo trabalho fora desse horário, sobre o interesse da ré na prestação do mesmo e sobre o proveito para ela decorrente da prestação desse trabalho, matéria que deve ter-se por alegada no art. 35.º da petição inicial».

Refira-se, para melhor elucidação, que, no artigo 35.º da petição inicial, o autor fez consignar que «ao longo da vigência do contrato de trabalho que o ligava à ré, prestou assídua e constantemente trabalho suplementar, para além do período laboral, quer antes quer depois do mesmo, quer aos sábados de manhã, o que sempre fez com o conhecimento da Ré e na convicção de que tais prestações de trabalho eram por ela aceites, consentidas e do seu interesse e conveniência, nunca tendo tido dela qualquer oposição, e no total convencimento de que tais prestações se lhe não eram solicitadas eram por ela admitidas, trabalho esse que nunca lhe foi pago».

Após novo julgamento, exarou-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e que (a) reconheceu que o autor tem a haver da ré a quantia ilíquida de € 5.792,50, pelas férias e respectivo subsídio, vencidas em 1 de Janeiro de 2011 e não gozadas, e pelas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2011, (b) reconheceu que a ré tem a haver do autor a quantia de € 3.310, a título de indemnização nos termos previstos no artigo 399.º do Código do Trabalho, e, operando a compensação dos créditos mencionados, (c) condenou a ré, a pagar ao autor, a quantia líquida de € 960,32, (d) tendo absolvido a ré quanto ao mais peticionado e (e) julgado improcedente o pedido de condenação da ré como litigante de má fé, em indemnização e multa a fixar.

  1. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual julgou parcialmente procedente o recurso de apelação, condenando a ré a pagar ao autor (a) a quantia a liquidar em execução de sentença correspondente ao crédito pelo trabalho suplementar prestado, com o limite de € 75.281,85, (b) a multa de duas UC por litigância de má-fé, e (c) indemnização por litigância de má fé a fixar pela 1.ª instância, após cumprimento do n.º 3 do artigo 543.º do Código de Processo Civil, e, quanto ao mais, julgou improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida.

    É contra esta deliberação que o autor e a ré se insurgem, mediante recurso de revista, formulando as conclusões seguintes: RECURSO DO AUTOR: «I. Existe no caso sub iudice uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito; II. Donde deve ser admitido o presente Recurso de Revista; III. A lesão da confiança do Autor/Recorrente na manutenção da relação laboral por parte da Ré/Recorrida foi de gravidade suficiente, no contexto das relações entre as Partes, para justificar a rescisão do contrato de trabalho por ele promovida; IV. A ofensa à integridade moral, à honra e dignidade do Autor/Recorrente perpetrada pela Ré/Recorrida basta-se com a punibilidade legal da actuação integradora dos factos consubstanciadores de tais valores, nos termos percepcionados pelo lesado, não exigindo a Lei a punição concreta dos mesmos; V. Deve pois ser acolhido o Pedido do Autor/Recorrente de ver reconhecida a justa causa de resolução do contrato de trabalho que o ligava à Ré/Recorrida; VI. O douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra ora posto em crise e com ele a douta sentença emanada da 1.ª Instância do Juízo do Trabalho de Aveiro, Comarca do Baixo Vouga, violou o disposto na alínea f) do n.º 2 do art. 394.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, e os requisitos específicos do n.º 3 do art. 351.º do mesmo Diploma; VII. Tal douto Acórdão posto em crise deve pois ser revogado e substituído por outro que, neste particular da verificação da justa causa de rescisão do contrato de trabalho invocada pelo Autor/Recorrente, acolha as pretensões deste.» RECURSO DA RÉ: «A) O A., no seu articulado, alegou genericamente a prestação de trabalho suplementar e para que essa prestação seja considerada como tal, não basta alegar e provar um horário, é necessário alegar em concreto, os dias e horas em que ele foi prestado, cabendo, como é óbvio, o ónus da alegação e prova ao autor, por ser constitutivo do seu direito (cfr. art. 342.º, n.º 1 do CC); B) O facto de se encontrar provado que o autor tivesse prestado trabalho para além do horário estabelecido, por si só não fica demonstrada a prestação do trabalho suplementar, atendendo às características da prestação e à forma como era executada a jornada diária de trabalho; C) Na verdade, o recorrido não estava obrigado a registar a sua entrada ou a sua saída do trabalho, executando a respectiva prestação sem qualquer interferência da administração da recorrente ou de qualquer elemento hierarquicamente superior; D) Era um colaborador de alta confiança, adquirida ao longo de três décadas ao serviço da R., a quem estavam atribuídas as chaves do escritório e de acesso directo ao seu local de trabalho, o que lhe permitia, sempre que o desejasse, entrar e sair do local de trabalho; E) Acresce que, apesar do recorrido manter com o presidente do conselho de administração uma relação de proximidade e cordialidade, nunca reclamou o pagamento de qualquer prestação de trabalho suplementar e nem sequer o registou no respectivo livro ou reclamou do seu não registo; F) A prestação de trabalho nos moldes supra expostos jamais poderia ser tida como de suplementar, considerando que recorrente e recorrido nenhuma relevância lhe atribuíram para efeitos de remuneração (cfr. n.º l do art. 226.º do CT); G) Ainda que o recorrido tivesse, efectivamente, prestado trabalho suplementar é manifesto que, com a sua atitude, renunciou tacitamente à remuneração a que eventualmente tivesse direito, por aquele tipo de prestação laboral (cfr. art. 809.º do Cód. Civil); H) Doutro modo, o exercício do direito nos moldes expostos, excedem os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, devendo tal exercício ser considerado ilegítimo, ou seja, há neste caso manifesto abuso de direito (cfr. art. 334.º do CC); I) Ora, não havendo trabalho suplementar, como resulta das conclusões que antecedem, não há qualquer fundamento para, nos termos do art. 609.º do NCPC, condenar a R., ora recorrente, a pagar ao recorrido, a quantia a liquidar em execução de sentença correspondente ao crédito pelo trabalho suplementar; J) Por outro lado, a exigibilidade do trabalho suplementar, ainda que efectivamente prestado, nos termos do CCT aplicável à relação em apreço — Cláusula 34.ª/3 — depende da autorização prévia do empregador, facto que nem sequer foi alegado e cujo ónus pertencia ao recorrido; K) A condição exigida pelo referido contrato colectivo de trabalho, ao contrário do defendido, não ofende qualquer direito constitucional, designadamente o princípio da justiça, ou da proporcionalidade, considerando a forma como se estabeleceram, ao longo da vigência do contrato, as regras de organização da prestação do trabalho diário; L) Também, contrariamente ao determinado no Douto Acórdão recorrido, carece de qualquer fundamento, a condenação da recorrente como litigante de má fé; M) Com efeito, a conduta da R., ao negar a existência da prestação de...

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