Acórdão nº 245/13.3PBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Julho de 2014
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 02 de Julho de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em audiência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Figueira da Foz o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...
, com os demais sinais nos autos, a quem imputou a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, b) e 2 do C. Penal.
Por sentença de 6 de Fevereiro de 2014 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período.
* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1 – Não existe prova nos autos suficiente para que o arguido fosse condenado pela prática de um crime de violência doméstica.
2 – O depoimento prestado pela ofendida não pode ser considerado como isento, sério, sentido e circunstanciado face às incongruências que se podem constatar na gravação.
3 – Bem como, o seu depoimento não pode ser dissociado da sua motivação decorrente de litígios de natureza patrimonial, o que o Tribunal, em nosso modesto entender, indevidamente ignorou.
4 – A versão apresentada pela ofendida nos autos não se apresenta minimamente credível nem suportada em qualquer raciocínio lógico, carecendo de urna clara definição no tempo e espaço.
5 – Já a versão apresentada pelo arguido não se encontra em contradição com qualquer outro elemento probatório e muito menos com a prova pericial realizada.
6 – As declarações do arguido, para além de precisas, concretas e consistentes no seu todo permitem obter um enquadramento lógico e funcional dos acontecimentos, reputando-se como credíveis num juízo de normalidade.
7 – Assim, não existe nos autos qualquer motivo válido para, em função de duas versões completamente distintas e não sustentadas por qualquer outro meio de prova, dar maior credibilidade à versão apresentada pela ofendida e incompreensivelmente desvalorizar o depoimento prestado pelo arguido.
8 – Mais que não seja pela aplicação do princípio basilar do direito penal do "IN DUBIO PRO REO".
9 – Sendo que o raciocínio lógico que conduziu o dar como não provadas as alíneas b) e c) dos factos não provados, não pode deixar igualmente de conduzir à impossibilidade de dar como provados os pontos 2, 3, 5. 6. 7. 10 e 11.
10 – Como tal entende o recorrente que face à prova produzida nos autos não poderia deixar de ser absolvido do crime pelo qual vinha indevidamente acusado.
11 – Sem prescindir do supra alegado, em qualquer caso, ainda que se encontrassem devidamente selecionados os factos dados como provados, não estariam reunidos os pressupostos para condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica.
12 – Para o tipo legal de crime de violência doméstica o legislador exige uma gravidade intrínseca suficiente para contundir com o bem jurídico tutelado, uma especial violência.
13 – Se os maus tratos constituem ofensa do corpo ou da saúde de outrem, contudo, nem toda a ofensa inserida no seio da vida familiar doméstica representa, imediatamente, maus tratos, pois estes pressupõem que o agente ofenda a integridade física ou psíquica de um modo especialmente desvalioso e, por isso, inequivocamente, particularmente censurável aos olhos da comunidade.
14 – No que respeita à intensidade, as situações de violência doméstica têm de ser aptas para lesar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana, 15 – Ora, atento o circunstancialismo dos presentes autos, ainda que se admitisse não ser exacta a descrição dos factos relatada pelo arguido, o que só por mera hipótese de raciocínio se concede, os comportamentos e acções descritos, em si mesmo, não seriam enquadráveis no tipo legal de um crime de violência doméstica.
16 – A actuação do arguido nunca poderia ser considerada com intensidade de tal maneira forte que ofendesse consideravelmente a integridade física ou psíquica da sua companheira de um modo especialmente desvalioso, particularmente censurável, ou sequer uma ofensa à saúde psíquica, física e emocional que tivesse sido intenso ao ponto de pôr em causa a própria dignidade da sua pessoa.
17 – Logo, ainda que se considerasse que o Arguido deveria ser condenado por ofender a integridade física da ofendida, o que não se concede, tendo em conta a prova produzida em audiência de julgamento e operada a alteração da qualificação jurídica prevista no art.º 358.°. n.º 3. do C.P.P., tal como se impunha, haveria de ser sempre por um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. no artigo 143.º do Código Penal e nunca pelo crime de violência doméstica.
NORMA VIOLADAS Entre outras, pela decisão recorrida foram violadas as normas constantes dos: Artº 32 nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa; Artigo 152º do Código Penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a douta sentença recorrida ser alterada e substituída por outra que julgue improcedente a acusação e absolva o arguido do crime de violência doméstica ou subsidiariamente e se tal não se entender, tendo em conta a prova produzida em audiência de julgamento e operada a alteração da qualificação jurídica prevista no art.º 358.º, n.º 3, do C.P.P., tal como se impunha, o mesmo ser condenado pelo crime de ofensas a integridade física simples p. e p. no artigo 143.º do Código Penal, assim se fazendo a usual JUSTIÇA! * Respondeu ao recurso a ofendida – que nos autos tem apenas essa qualidade – pugnando pelo seu não provimento.
* Respondeu também ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público alegando, que a convicção do julgador, fundada na razão e na lógica é, pela imediação da provada, alcançada com o apoio de certos meios de prova e com a preterição de outros, considerados não credíveis, e isso sucedeu nos autos, com as declarações da ofendida, que foram sérias, naturais e desinteressadas, e corroboradas pela prova pericial e pelos depoimentos das testemunhas B... e C..., que o tribunal não decidiu, na dúvida, contra o arguido, e que a qualificação jurídica dos factos provados como crime de violência doméstica é correcta pois a conduta do arguido revela o propósito de controlo e domínio sobre a ofendida, circunstâncias manifestamente ofensivas da dignidade pessoal desta, e concluiu pela improcedência do recurso.
* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a contramotivação do Ministério Público, e concluiu pela improcedência do recurso.
* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
* * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a violação do in dubio pro reo; - A incorrecta qualificação jurídica dos factos.
Oficiosamente haverá que conhecer da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
* Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:
-
Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).
-
O arguido e a ofendida D... viveram em comunhão de mesa, cama e habitação, como marido e mulher, desde data não concretamente apurada, mas anterior a 2006, até data também não concretamente apurada, mas não posterior a 2012.
- ...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO