Acórdão nº 26/09.9GASPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelCALV
Data da Resolução18 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes, em conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I. Relatório: Em processo comum, para julgamento em Tribunal singular, o Ministério Público acusou, a fls. 274 e seg., A... , solteiro, vendedor ambulante, nascido a 14/4/1984, filho de (...) e (...), natural de (...), residente na Rua (...), Paredes; Imputando-lhe a prática, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de falsificação de documento, p. e p pelo art.º 256º, n.ºs 1, al. c) e 3 e um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1, todos do Código Penal.

*** A ofendida B...

formulou pedido de indemnização civil, a fls. 287 e seg., peticionando a condenação do arguido a indemnizá-la pelos danos patrimoniais sofridos, no montante de € 793,23, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde de a notificação do arguido para contestar.

*** Realizado o julgamento, o tribunal a quo, decidiu julgar a acusação procedente e, em consequência, condenar o arguido A...: a) pela prática de um crime de burla, previsto e punido pelo art.º 217º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa; b) pela prática de um crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelo art.º 256º, n.ºs 1, al. c) e 3 do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa; Em cúmulo jurídico, condenar o arguido A... na pena única de 420 (quatrocentos e vinte) dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 2.100,00 (dois mil e cem euros).

Condenar ainda o arguido no pagamento das custas e respectivos encargos nos termos dos art.ºs 513º e 514º do Código de Processo Penal e art.ºs 8º, 16º e 24º do Reg. das Custas Processuais, bem como a Tabela III deste, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.

* Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante B..., e condenar o demandado civil A..., a pagar-lhe a quantia de € 611,12 (seiscentos e onze euros e doze cêntimos), acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação do arguido para contestar até efectivo e integral pagamento.

Absolver o arguido/requerido civil do restante pedido cível contra si formulado * Sem custas cíveis, nos termos do art.º 4º, n.º 1, al. n) do Reg. das CP.

*** 2.

Não concordando com a decisão a arguida interpôs o presente recurso (fls. 433/448), formulando nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões: “1 - NÃO TENDO A ÚNICA TESTEMUNHA QUE PRESENCIOU OS FACTOS IDENTIFICADO CABALMENTE O SUSPEITO, A SUA IDENTIFICAÇÃO SÓ PODERIA TER SIDO EFECTUADA POR RECONHECIMENTO PESSOAL, COM OBSERVÂNCIA DO FORMALISMO ESTABELECIDO NO N° 2 DO ART. 1 47° DO CCP 2 - TENDO TAL RECONHECIMENTO SIDO EFECTUADO APENAS ATRAVÉS DA EXIBIÇÃO DE FOTOCÓPIA DE DUAS FOTOGRAFIAS DE DOIS INDIVÍDUOS, NÃO PODE O MESMO VALER COMO MEIO DE PROVA, POR INOBSERVÂNCIA DO FORMALISMO ESTABELECIDO NO NORMATIVO ACIMA CITADO.

3 - TRATANDO-SE DE UM DOCUMENTO APÓCRIFO, ONDE FORAM APOSTOS DOIS NOMES, MANUSCRITOS, SEM QUALQUER INDICAÇÃO DE AUTORIA OU CERTIFICAÇÃO VÁLIDA, NÃO PODE, POR MAIORIA DE RAZÃO, SER ADMITIDO O RECONHECIMENTO COM BASE NO MESMO, POR NÃO SER POSSÍVEL SABER SE AQUELES NOMES CORRESPONDEM ÀS PESSOAS EXIBIDAS NAS FOTOGRAFIAS.

4 - TENDO O TRIBUNAL A QUO EFECTUADO O JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO E FEITO O SEU RECONHECIMENTO EXCLUSIVAMENTE COM RECURSO AO DITO DOCUMENTO, NUNCA PODERIA TER DADO COMO PROVADO QUE O ARGUIDO FOI O AUTOR MATERIAL DOS FACTOS CONSTANTES DA ACUSAÇÃO.

5 - MESMO QUE ASSIM SE NÃO ENTENDESSE, DA PROVA TESTEMUNHAL PRODUZIDA EM AUDIÊNCIA NÃO RESULTOU PROVADO QUE O ARGUIDO FOI O AUTOR MATERIAL DOS FACTOS CONSTANTES DA ACUSAÇÃO.

6 - AO DECIDIR CONFORME DECIDIU, O TRIBUNAL A QUO INCORREU EM VÍCIO DE PROVA E ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA MESMA, E VIOLOU, POR ERRO DE INTERPRETAÇÃO, NOMEADAMENTE, O DISPOSTO NO ART. 147º DO CPP” *** 3 Em resposta, veio o Ministério Público oferecer a resposta, de fls. 452/470, onde defende que o recurso deve improceder, mantendo-se a decisão recorrida, formulando nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões: “1. Inexiste qualquer nulidade por preterição do formalismo legal imposto pelo artigo 147.º do Código de Processo Penal, quer durante a fase de inquérito quer ainda durante a audiência de discussão e julgamento.

  1. Assim, se por um lado o tribunal a quo não assentou a sua convicção em qualquer eventual reconhecimento levado a cabo em inquérito; por outro lado, também não o fez em fase de julgamento, 3. O entendimento jurisprudencial antecedente à reforma operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto não deverá sofrer qualquer abalo no âmbito da nova redacção legal quando se trate não de proceder ao "reconhecimento" do arguido mas à mera identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão; como sucedeu in casu.

  2. No caso presente - em que a testemunha C... se limita a confirmar em audiência que a pessoa a que se refere é aquela que lhe exibem em fotografia constante dos autos, por si já antes conhecida de anteriores relações aos factos -, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.° do Código de Processo Penal, e não a "prova por reconhecimento" a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma, não sendo aplicáveis os respectivos formalismos desta - cfr. Acórdãos do STJ datados de 15-07-2008 e de 23-11-2011.

  3. Como se discorre no acórdão do STJ de 16-06-2005, a identificação levada a cabo por uma testemunha no respectivo depoimento em julgamento, "integra-se num complexo probatório que lhe retira não só a autonomia como meio de prova especificamente previsto no art. º 147.º, como lhe dá, sobretudo um cariz de instrumento, entre outros, para avaliar a credibilidade de determinado depoimento, inserindo-se assim numa estrutura de verificação do discurso produzido pela testemunha".

  4. Não obstante, ainda que assim não fosse, nenhum dos apontados vícios constituiria qualquer nulidade insanável, porque como tal omissa do taxativo catálogo ao artigo 119.º do Código de Processo Penal, tendo que eventual vício que haja tido lugar, respectivamente em fase de inquérito ou de julgamento, ter que considerar-se sanado por ausência de arguição nos prazos a que aludem as alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 120.° e n.º 1 do artigo 123.°, ambos do Código de Processo Penal.

    7. Inexiste igualmente na decisão recorrida qualquer erro notório na apreciação da prova nos termos e para os efeitos das alíneas do n.º 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal, sendo manifesta a improcedência do vício invocado pelo recorrente.

  5. Tal vício não ressalta da sentença proferida pelo tribunal a quo e nem resulta dos dados da experiência comum à luz do qual aquela deve ser interpretado, uma vez que não se revela naquela qualquer fundamentação ou factualidade antagónica ou excludente, nem contradição ou distorção de ordem entre os factos provados ou entre a fundamentação e estes, que os faça traduzir uma apreciação manifestamente ilógica, fora de qualquer contexto racional e, por isso, notoriamente errada.

  6. Da forma como estão concebidos na nossa legislação processual penal, os vícios do n.º 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal, mormente o de erro notório na apreciação da prova, ao qual o recorrente pretende reconduzir as suas discordâncias relativamente à sentença que o condenou, são vícios da decisão e não de erros de julgamento; e não se confundem com estes.

  7. A acrescer, não se vislumbra qualquer erro de julgamento na matéria de facto julgada provada, devidamente sustentada nos elementos probatórios elencados e escrutinados na mesma.

  8. Ao contrário do alegado pelo recorrente, perscrutadas as declarações da testemunha C..., resulta das mesmas segura e credível, não apenas toda a descrição dos factos, como ainda a identificação do arguido por parte da testemunha, que explicou a razão do seu conhecimento prévio aos factos sobre os quais veio prestar depoimento da identidade daquele, não meramente ocasional ou superficial, mas antes baseado na anterior relação de confiança estabelecida entre a testemunha e o arguido. 12. Quando directamente questionado se não tinha dúvidas a ter sido o arguido A... a entregar-lhe o vale em causa nos autos e de que o mesmo já se encontrava assinado, a identificada testemunha asseverou-o inequivocamente e com segurança em vários momentos do seu depoimento, afirmando não ter dúvidas de tal facto nem assim da...

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