Acórdão nº 604/08 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução10 de Dezembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 604/2008 Processo n.º 821/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 3 de Novembro de 2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.

1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte fundamentação:

“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 16 de Julho de 2008, que negou provimento ao recurso por ele interposto da sentença do Tribunal Judicial de Pombal, de 18 de Fevereiro de 2008, que, por seu turno, negara provimento ao recurso da decisão administrativa que lhe aplicara a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 27.º, n.º 2, com referência aos artigos 139.º e 146.º, todos do Código da Estrada.

De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade da norma do “artigo 132.º do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro), por violação dos artigos 32.º, n.º 10, e 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que o Tribunal da Relação de Coimbra, ao não declarar a verificação da prescrição do procedimento contra-ordenacional, lançando mão, para o efeito, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas/RGCOC), interpretou o citado artigo 132.º do Código da Estrada (CE) no sentido de que as causas de suspensão e de interrupção previstas nos artigos 27.º-A e seguintes do referido RGCOC se aplicam subsidiariamente”, acrescentando:

«– Porém, o próprio Código da Estrada – na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro – veio dedicar, específica e expressamente, um capítulo (Capítulo V) exclusivamente regulador da prescrição do procedimento, das coimas e das sanções acessórias.

– Com efeito, o recurso às normas do RGCOC, após introdução de uma norma expressa no próprio Código da Estrada reguladora da prescrição, consubstancia uma violação dos direitos, liberdades e garantias e do direito de defesa do arguido – artigo 32.º, n.º 10, da CRP –, dado que amplia, iníqua e ilegitimamente, o período durante o qual o arguido poderá ver pender contra si aquele procedimento («Um processo que se arrasta durante longo tempo, por tempo superior ao necessário para o esclarecimento da suspeita e para assegurar ao arguido a preparação da defesa, converte-se frequentemente em sofrimento insuportável para o arguido, porque os riscos naturais inerentes a qualquer processo, a incerteza da decisão e a ameaça da condenação que sobre ele paira podem condicionar e comprometer a sua vida pessoal e profissional e até mesmo a sua liberdade – in Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2005, pág. 357); e dado que, por outro lado, essa ampliação se sustenta na ‘repescagem’ de normas que se situam num plano de exterioridade relativamente ao Código da Estrada, diminuindo, desta forma, a extensão e o alcance do conteúdo essencial do artigo 32.º, n.º 10, da CRP.

– Concretizando: as garantias de defesa do arguido têm, não apenas uma componente substancial, mas também uma componente formal e procedimental, a qual aponta, inexoravelmente, para a impossibilidade de o julgador lançar mão, baseado nos princípios da subsidiariedade, de um regime ‘ampliador’ dos prazos de prescrição, quando, afinal, este prazo está devida e expressamente regulado pela Lei que deve ser aplicada ao caso concreto (Código da Estrada – Capítulo V).

– Assim, e em suma, o que se preconiza é que aquele artigo 132.º do Código da Estrada deverá ser declarado inconstitucional – por violação do conteúdo essencial do artigo 32.º, n.º 10, e, consequentemente, por violação do artigo 18.º, n.º 3, in fine, ambos da CRP –, quando interpretado no sentido de que, por via do mesmo, as causas de suspensão e de interrupção previstas nos artigos 27.º-A e seguintes do RGCOC têm aplicação subsidiária, no que a estas matérias concerne em sede de Direito Estradal.»

O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRC, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende-se que o recurso em causa é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.

Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

3. No presente caso, a questão de inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente na parte da motivação do recurso interposto para o TRC sintetizada nas seguintes conclusões:

«A) Dos fundamentos a apreciar a título prévio:

1. Tendo em conta a data da alegada prática da infracção (11 de Junho de 2005) e que sobre ela já passaram dois anos, o procedimento contra-ordenacional estradal encontra-se extinto, por prescrição, nos termos do artigo 188.º do Código da Estrada.

2. A existência neste de uma norma expressa relativa à prescrição afasta, de acordo com o disposto no artigo 132.º do Código da Estrada, o regime previsto nos artigos 27.º-A e seguintes do RGCOC.

3. A aplicação das normas do RGCOC ao caso concreto, à luz dos princípios informadores...

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