Acórdão nº 839/13 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução05 de Dezembro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 839/2013

Processo n.º 727/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Por sentença proferida no processo comum singular n.º 914/04.9GTABF do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé foi o arguido A. condenado pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de € 3,50, num total de € 245,00 e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados por um período de 3 meses e 20 dias.

Após o trânsito em julgado da referida decisão, o arguido requereu a reabertura da audiência, nos termos do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, para aplicação retroativa da lei penal mais favorável, face ao teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 146, de 30-07-2008, quanto à pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, que lhe foi aplicada na sentença condenatória.

Tal requerimento foi indeferido por despacho de 30-10-2012 e, inconformado, o arguido interpôs recurso do mesmo para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 18 de junho de 2013, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

O arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15/11, nos seguintes termos:

«A., Recorrente no processo à margem referenciados vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional, do douto Acórdão proferido pela Relação de Évora, para ver apreciada a conformidade:

Da norma do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal – por violação do direito de acesso aos Tribunais consagrado no artigo 20 da Constituição da República Portuguesa, e da Independência dos Tribunais, consagrada no artigo seu artigo 203º.

Com efeito, a interpretação feita quer no douto despacho recorrido, quer no Acórdão agora proferido, da norma do artigo 371-A do Código de Processo Penal, excluindo da previsão nela feita de lei penal mais favorável os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência, faz enfermar tal norma de inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso ao direito, consagrado no artigo 20 da Constituição da República Portuguesa, e da Independência dos Tribunais, consagrada no artigo seu artigo 203º.”.

O arguido apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. A norma do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido - em que o foi quer no douto despacho recorrido, quer no Acórdão agora proferido - de excluir da previsão nela feita de "lei penal mais favorável" os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência, faz enfermar tal norma de inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, e da Independência dos Tribunais, consagrada no artigo seu artigo 203º;

B. A plenitude do acesso ao direito e da obtenção de uma tutela efetiva só tem relevância se esta compreender, para além do direito ao recurso, o direito a lançar mão do mecanismo previsto no artigo 379.º-A do Código de Processo Penal;

C. Nomeadamente, nos casos em que o regime penal mais favorável decorra da aplicação ou interpretação de normas do processo penal com implicações materiais penais e que contendam diretamente com as garantias do processo Criminal previstas na Constituição. Como é o caso;

D. O caráter da norma prevista no artigo 379.º-A do Código de Processo Penal quebra o princípio constitucional do caso julgado;

E. Não pode, in casu, restringir-se o direito ao recurso à abertura da audiência para aplicação de regime penal mais favorável sob pena de isso representar uma vulnerabilidade ostensiva do direito, por corresponder a uma violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva;

F. Não devem ser admitidas interpretações formalistas ou restritivistas desse direito.

G. O caso julgado não deve ser respeitado sempre que a sua impugnação vise um resultado mais favorável ao arguido, por ele constituir uma garantia do arguido e apenas dele (Conde Correia, 2010: 121);

H. A jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 146 de 30 de julho de 2008 pode e deve ser equiparada a lei, a lei penal mais favorável já que não foi dado a conhecer ao arguido, quer na acusação quer na pronúncia, a norma do artigo 69.º do Código Penal o que significa, in casu, - na esteira da jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 146 de 30 de julho de 2008 - que não poderia ter sido aplicada ao arguido, ora recorrente, a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista;

I. Aliás, qualquer alteração que se verificasse da qualificação jurídica dos factos feita na acusação ou na pronúncia, nomeadamente qualquer alteração que importasse um agravamento (como era e é o caso), teria necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se pudesse defender. Ao arguido recorrente não foi dada a conhecer qualquer alteração;

J. Concorda-se com o entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, de que "O processo penal é um processo equitativo e justo, não sendo configurável, num Estado de direito, a possibilidade de ao arguido ser aplicada uma pena sem que disso seja prevenido, isto é, sem que lhe seja dado oportuno conhecimento da possibilidade de que nela pode vir a ser condenado. E a pena acessória é, evidentemente, uma verdadeira pena. Efetivamente, conquanto seja uma sanção dependente da aplicação da pena principal (como a própria denominação indica), não resulta direta e imediatamente da cominação desta, no sentido de que não é seu efeito automático, o que, aliás, constitui imposição constitucional, decorrente do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, que estabelece, tal qual o faz o n.º 1 do artigo 65.º do Código Penal, que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, constituindo uma sanção autónoma. Aliás, a pena acessória de proibição de conduzir, para muitos, é bem mais gravosa que a pena principal (evidentemente, quando esta é não privativa da liberdade) (...)";

K. Deste novo entendimento/interpretação das normas penais, referentes à sanção acessória de proibição de conduzir, aplicação e consequente fixação de jurisprudência, resulta um regime penal mais favorável ao arguido que não pode deixar de se ter em conta;

L. O que implica que a Sentença proferida nos autos seja nula ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal e à luz do entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que fixou jurisprudência e uma nova interpretação conforme as garantias de defesa do arguido, cuja aplicação retroativa pode e deve, ser efetuada em sede de abertura da audiência;

M. Aliás, entende-se que sempre que esteja em causa a aplicação de um regime penal mais favorável ao arguido (ainda que o mesmo decorra da aplicação ou interpretação de leis processuais penais) deve facultar-se ao arguido a possibilidade de recorrer ao mecanismo previsto no artigo 379.º-A do Código de Processo Penal pois, só assim se assegurará o respeito pelos direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição da República Portuguesa;

N. Não existe qualquer violação de princípio da separação de poderes estabelecido na Lei fundamental. Não é disso que se trata aqui;

O. A interpretação feita - quer no douto despacho recorrido, quer no Acórdão agora recorrido -, da norma do artigo 371-A do Código de Processo Penal, excluindo da previsão nela feita de "lei penal mais favorável" os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência, faz enfermar tal norma de inconstitucionalidade, por violação do principio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, subordinado a princípios e garantias fundamentais, como sejam os princípios do contraditório e da igualdade, consagrados nos artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, 20.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.? 65/78, de 13 de outubro.

P. O direito ao processo equitativo, o due process of law, implica que ninguém pode ser privado da vida (nos Estados em que tal é admitido), da liberdade ou da propriedade sem antes ter sido observado um tipo de processo legalmente previsto para esta finalidade, que também seja justo e adequado.

Q. Esclarece-se que o arguido efetuou dois pedidos de reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável com fundamentos diferentes…”

O...

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