Acórdão nº 3197/11.0TTLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA, com os sinais dos Autos, intentou, em Setembro de 2011, processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do seu despedimento, promovido por "CP - Comboios de Portugal, E. P. E.", com sede na Calçada do Duque, n.° 34, Lisboa.

    A ‘CP’ juntou articulado de motivação, alegando, em síntese, que o A. era seu trabalhador, detendo a categoria profissional de Operador de Revisão e Venda.

    Desenvolvia a sua actividade por todo o país.

    O Processo Disciplinar instaurado ao trabalhador não sofre de quaisquer nulidades/invalidades, sendo que o trabalhador foi notificado da Nota de Culpa através de carta registada, com aviso de recepção, enviada para a morada constante do seu processo individual, a constante dos Autos, carta que veio devolvida com a indicação de «não reclamado».

    Deve, por isso, considerar-se regularmente feita tal notificação.

    O trabalhador praticou os factos que lhe foram imputados no Processo Disciplinar, os quais sustentam a justa causa do cominado despedimento.

    Concluiu pedindo que seja declarada a respectiva licitude.

    O trabalhador contestou.

    Sustentou, em síntese, que, em 31.08.2011, o seu superior hierárquico entregou-lhe, contra assinatura de recibo, a cópia de uma Deliberação do Conselho de Administração da empregadora pela qual esta decidiu despedi-lo com justa causa.

    Todavia, nunca foi notificado da Nota de Culpa relativa a tal decisão, não se podendo defender das acusações nela constantes.

    Sempre esteve ao serviço desde 3.02.2011, data mais antiga referida na mencionada deliberação, salvo curtos períodos de férias e/ou de baixa.

    Desta forma, com facilidade lhe poderia ter sido entregue, em mão, tal Nota de Culpa, como foi feito com a decisão de despedimento.

    Concluiu pedindo que: - Seja declarado ilícito e nulo o despedimento de que foi alvo e declarada a inconstitucionalidade da norma ao abrigo da qual a empregadora o notificou da Nota de Culpa; - A empregadora seja condenada a pagar-lhe as retribuições que tenha deixado de auferir, dado que se encontra no exercício das suas funções e, ainda, a reintegrá-lo ou, em substituição, a pagar-lhe a indemnização devida, tudo acrescido dos respectivos juros de mora.

    Discutida a causa, proferiu-se sentença em que se decidiu julgar a acção parcialmente procedente.

    Declarando ilícito o despedimento do A., condenou-se a R. empregadora a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, do mais pedido a absolvendo.

  2. Irresignada, a R. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por decisão singular sumária, depois ratificada em Conferência, julgou improcedente o recurso e confirmou, por unanimidade, a sentença impugnada.

    A R. interpôs recurso de Revista Excepcional, oportunamente admitida, conforme Acórdão proferido a fls. 530-540.

    A motivação apresentada termina com a formulação do seguinte quadro de síntese: 1.

    O acórdão recorrido confirmou a sentença da 1.ª Instância, embora com fundamentação não coincidente com a daquela pelo facto de ter entendido que era à Recorrente que competia provar os factos que integrariam a justa causa para despedimento, o que não fez; 2.

    Para assim julgar entendeu-se no acórdão recorrido que os factos que eram imputados ao Recorrido, só porque fixados por acordo das partes, na audiência de julgamento, e embora com a devida aquiescência da Mm.ª Juíza a quo, nada valiam; 3.

    No dizer do acórdão nada se provou sobre a prática efectiva fosse de que infracção fosse ou, dito de outra maneira, os factos, repete-se e frisa-se, não se provaram …!!! – as reticências e as exclamações são do Relator – o que não se aceita como bom e, muito menos, como conforme com a lei; 4.

    As partes acordaram licitamente sobre os factos que eram a causa da acção e não estavam impossibilitados de o fazer porque os direitos eram disponíveis e a fixação, por acordo, dos factos assentes nem sequer colidia com a Ordem Pública; 5.

    A partir de tão singular e inusitada interpretação da lei – não se indica sequer norma que impedisse a conduta das partes – no acórdão recorrido acaba-se por não se conhecer do mérito, com esse argumento; 6.

    O entendimento do acórdão, que constitui interpretação isolada e nova e não tratada na jurisprudência, tem manifesta relevância jurídica, pelo que urge que seja conhecido do seu acerto e fundado; 7.

    É que a mesma contende com o Princípio da Certeza e da Segurança do Direito e para evitar futuras decisões-surpresa como a do acórdão recorrido que abala também o Princípio da Confiança; 8.

    Verificam-se, assim, os requisitos da alínea a) do nº 1 do artigo 721.º-A, do C.P.C.

  3. E a não ser válido tal acordo, uma vez que o mesmo foi aceite pelo Juiz do processo, então deveria ser anulado o processado e realizado o respectivo julgamento, com a respectiva produção de prova, sob pena de violação dos Princípios da Justiça e da Confiança, ínsitos num Estado de Direito Democrático; 10.

    Acontece ainda que o julgado no acórdão recorrido está em manifesta oposição com o julgado no acórdão da Relação de Lisboa de 12.09.12, proferido no processo n.º 2323/11.4TTLSB.L1, transitado em julgado, em que factos em tudo iguais, passados até com a mesma entidade patronal, acabariam por ter decisões opostas, apesar da legislação ser a mesma; 11.

    Os factos imputados ao Recorrido, que se dizem não provados, mas estão-‑no, se apreciados por um empregador normal, colocado perante a situação concreta e sem qualquer subjectivismo, não deixariam de ser considerados como constituindo justa causa para despedimento; 12.

    Tais factos traduziram-se na não entrega pelo Recorrido, nos prazos fixados, que não ignorava, das receitas que cobrara e que reteve na sua posse sem qualquer justificação ou motivo atendível; 13.

    A gravidade de tal conduta, que a sentença da 1.ª Instância não deixa de reconhecer ser ilícita e culposa, não advém do tempo de duração da retenção ilícita e indevida das quantias cobradas pelo Recorrido; 14.

    E não é o facto de algumas entregas ter havido em que a demora ou a retenção indevida das quantias cobradas se ter feito com um, dois e três dias de atraso e de uma outra ter ocorrido quase um mês depois, incluindo o próprio equipamento para a sua cobrança (POS), que tira relevância aos factos que são objectivamente graves; 15.

    Acresce que conduta do Requerente não constitui sequer um acto isolado, mas continuado, como resulta do respectivo registo disciplinar, do qual já constam outras sanções disciplinares por factos em tudo idênticos; 16.

    A conduta do Recorrido não é desculpável e é quase um “desafio” deliberado à tolerância do empregador que, no futuro, poderá vir a ser confrontado com outras não entregas nos prazos das quantias cobradas pelos Operadores de Venda e Revisão, e muitos são; 17.

    Não releva, tão-pouco, que o Recorrido não se tenha apropriado de tais quantias, o que, a ocorrer, até constituiria ilícito criminal; 18.

    A sanção aplicada de despedimento com justa causa é, por isso, lícita, proporcionada e ajustada à conduta do Recorrido; 19.

    Atentas as conclusões precedentes, deverá ser admitida a revista, seja por, no acórdão recorrido, se ter suscitado uma questão inteiramente nova, com relevância jurídica, qual seja a de saber se é lícito, em acção judicial em que se discute a legalidade de um despedimento com justa causa, as partes fixarem, por acordo, a matéria de facto para conhecer do objecto daquela; 20.

    A revista sempre deverá ser admitida por o julgado no acórdão recorrido estar em oposição com o julgado no acórdão transitado do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12.09.12, que, no domínio da mesma legislação, versa a mesma questão fundamental de direito; 21.

    Em ambas as situações, quanto à admissibilidade do recurso, deverá ser concedida a revista com todas as legais consequências e julgar-se que o despedimento é válido, dado que a conduta do Recorrido infringe, entre outros, os artigos 351.º, maxime, o seu n.º 3, e 386.º, ambos do Código do Trabalho; 22.

    A concessão da revista, seja com fundamento na alínea a), seja na alínea c), do n.º 1 do artigo 721.º-A do C.P.C., obriga a que seja revogada a decisão recorrida e que a Recorrente seja absolvida do pedido.

    O recorrido, notificado, não contra-alegou.

    ___ Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no âmbito da intervenção prevista no art. 87.º, n.º 3, do C.P.T., propendendo no sentido de que o despedimento do autor, não obstante o seu comportamento seja censurável, deve ser...

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