Acórdão nº 17/14 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução07 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 17/2014

Processo n.º 794/13

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso na parte em que se refere à interpretação das normas constantes dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal e de não julgamento de inconstitucionalidade da norma contida na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, na dimensão de vedar o recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, com os seguintes fundamentos (cfr. Decisão Sumária n.º 593/2013, fls. 226-238):

    «II – Fundamentação

  2. Cumpre, a partir do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pela recorrente delimitar o objeto do recurso de constitucionalidade por referência ao que foi também submetido à apreciação do Tribunal recorrido, a saber, a alegada inconstitucionalidade da «norma do nº 1 alin f) do artigo 400º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos» (fls. 213), sendo também alegado pela recorrente que «a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 70º, 71º do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, viola o art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso da 2ª vara do Tribunal Criminal do Porto, para o Tribunal da Relação do Porto» (idem).

    Da análise das peças processuais juntas aos autos pode verificar-se que as questões de constitucionalidade colocadas pela recorrente reportam-se, por um lado, à norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, quando interpretado «no sentido de não é admissível recurso de acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos» (cfr. fls. 213, sublinhado acrescentado) e, por outro lado, à interpretação do disposto nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal feita pelo Tribunal da Relação do Porto, já que «ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da pena - e a prevenção como critério secundário, o Tribunal “a quo” não avalizou corretamente o artigo 71.º do CP, não cumprindo com o princípio constitucional de adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstratamente aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada. Violou assim também o douto acórdão recorrido o princípio da proporcionalidade» (cfr. fls. 214).

  3. Começando por esta última questão, deve primeiramente lembrar-se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).

    Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

    5.1. No presente caso, a decisão judicial recorrida é a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 9/08/2013, que indeferiu a reclamação deduzida contra a não admissão, pelo relator na 2ª instância, do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/12/2012.

    Com efeito, dos autos resulta que a recorrente foi condenada na 2ª Vara Criminal do Porto na pena de oito anos de prisão pela prática de um crime p.e p. nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e de um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime p. e p. no artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, sendo, em cúmulo jurídico, condenada na pena de oito anos e seis meses de prisão. Recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, em acórdão datado de 3/12/2012, proferido na Segunda Secção Criminal, em conferência, manteve a condenação da 1ª instância, reduzindo as penas, parcelar e única, respetivamente, para sete anos e seis meses e para oito anos de prisão (cfr. fls. 16 a 181).

    Não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a ora recorrente apresentou recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 185 a 195), o qual não foi admitido nos termos da decisão do Tribunal da Relação do Porto de 3/05/2013 (a fls. 198), por aplicação das normas constantes do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Dessa decisão de não admissão de recurso, deduziu reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo a reclamação sido indeferida em 9/08/2013 (fls. 202 a 207), por se concluir que «o recurso não é admissível ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP» (fls. 207). E é desta decisão de indeferimento da reclamação deduzida contra a decisão da 2ª instância de não admissão de recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça que se recorre para o Tribunal Constitucional.

    Verifica-se, desde logo, que a alegada interpretação normativa dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal cuja inconstitucionalidade é suscitada não constituiu a base jurídica da decisão judicial recorrida. E nem de outo modo poderia ser, já que nesta sede cumpria tão só aos juízes decidir sobre a impugnação deduzida contra a decisão de não admissão do recurso interposto, como decorre, aliás, do teor e fundamentação da decisão recorrida. Não há pois lugar à decisão de fundo pretendida, ou seja, à efetiva aplicação dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal que se referem, sucessivamente, ao critério de escolha da pena e à determinação da medida da pena.

    5.2. Em consequência conclui-se que, por não terem sido aplicadas as normas (interpretações normativas) invocadas como “ratio decidendi” da decisão recorrida, não se pode conhecer do objeto do recurso, na parte em que se refere às normas contidas nos artigos 70.º e 71.º, do Código Penal, em estrito cumprimento do artigo 79.º-C da LTC.

    5.3. E mesmo que, por mera hipótese, tivesse sido recorrido o citado aresto do Tribunal da Relação do Porto de 3/12/2012, que decidiu a questão de fundo, mantendo a decisão condenatória de 1ª instância (e não o foi, atenta a delimitação do objeto do recurso feita pelo recorrente e que sempre lhe competiria), também aqui faltaria ainda a verificação de outro pressuposto de admissibilidade do recurso – a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa pela recorrente em termos de poder ser decidida pelo Tribunal a quo no acórdão em causa e por este Tribunal, no âmbito do presente recurso.

    O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – pelo que os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.

    Ora, quanto à alegada questão de inconstitucionalidade relativa aos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, do teor e fundamentação do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal decorre que a recorrente não pretende que o Tribunal exerça um controlo da constitucionalidade com natureza normativa. Daquele elemento resulta, pelo contrário, que a recorrente imputa a violação das normas constitucionais que considera violadas à própria decisão recorrida.

    No fundo, trata-se de um pedido de...

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