Acórdão nº 86/12.5GAAMM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Setembro de 2013

Data11 Setembro 2013
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto

Proc. n.º 86/12.5GAAMM.P1 Armamar.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

  1. secção criminal.

I -Relatório.

No processo Comum singular nº 86/12.5GAAMM do Tribunal Judicial de Armamar foi submetido a julgamento o arguido B…, com os restantes elementos identificativos constantes da sentença de fls. 81 a 103 dos autos.

A sentença de 19.12.2012, depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência, condeno o arguido B…, pela prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real e efetivo: - de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, 2, b), por referência ao 204º, nº2, f), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, substituída por 270 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º Código Penal); - de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº1, d), por referência aos artigos 2º, nº1, m), av), 3º, nº2 e) e 4º, nº1, 97º, nº1, 2º, nº1, e), 3º, nº2, g), 11º, 2º e 6, todos da L. 5/06, 23/2, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50, num total de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros).

Custas e demais encargos do processo pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, reduzida a metade atenta a confissão (artigos 513º, nº1, 514º, nº1 e 344º, nº2, c), Código de Processo Penal, e artigo 8º, nº5 e tabela III RCP).

Notifique.»*Inconformado com a decisão veio o Ministério Público interpor recurso da mesma conforme motivação de fls. 108 a 121 dos autos, que remata com as seguintes conclusões: 1.A ratio da agravação, pelo legislador, da moldura abstracta do crime de roubo (artigo 210º, nº 2, b) do Código Penal), por referência ao crime de furto qualificado (artigo 204, n.º 2, f)) em função da detenção, pelo agente, de uma arma oculta reside no perigo objectivo da utilização da arma; 2. O fundamento da agravação, pelo legislador, da moldura abstracta do crime de roubo, por referência ao tipo fundamental previsto no artigo 210.º, nº 1 do Código Penal, é a punição, pelo agente, da mera posse ou detenção daquela arma, independentemente da sua susceptibilidade ou não de legalização ou do próprio agente possuir licença para a deter ou autorização da entidade competente; 3. Punir duas vezes a circunstância do agente deter, portar ou possuir uma arma, no momento do crime e durante a sua execução, através da punição autónoma do crime de detenção de arma proibida viola o princípio da proibição da dupla valoração e o princípio do ne bis in idem; 4. O uso ou porte de arma não é elemento do crime de roubo, cujo tipo legal fundamental é o previsto no artº 210º do C.P.. Todavia, pode ser um factor de agravação, de acordo com o artigo 210º, nº 2, b) por referência ao artigo 204º, nº 2, f) do Código Penal; 5. A norma do na 3 do artigo 86º da Lei na 5/2006, de 23/02, na redacção introduzida pela Lei na 17/2009, de 06/05, é uma norma geral; 6. Ora, no caso em apreço, a agravação do crime de roubo alicerçou-se na posse e detenção, pelo arguido, durante o tempo de execução do crime, de uma arma oculta.

7. Por uma questão de coerência sistemática considera-se que, tendo o legislador arredado a possibilidade da agravação do artigo 86.º, nºs 3 e 4 da Lei na 5/2006, de 23.02 quando o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada, não quis, com isto, a punição autónoma do crime de detenção de arma proibida, quando a detenção ou porte de arma é o elemento agravante ou qualificador do tipo incriminador do roubo; 8. O arguido foi interceptado pelos militares da GNR, numa situação que poderá classificar-se como de "quase flagrante delito", nos termos do artigo 256º, nº 2 do Código de Processo Penal, sendo tal situação equiparada, pela lei, à situação de flagrante delito prevista no artigo 256º, nº 1 do Código de Processo Penal circunstância essa que, na verdade, fundamentou a sujeição do arguido a julgamento em processo especial sumário, nos termos do artigo 381º do Código de Processo Penal; 9. Por esse motivo, a detenção da arma num momento temporal (imediatamente) posterior à prática dos factos, pelo arguido, nas circunstâncias dadas como provadas na sentença, não poderá deixar de se mostrar consumida pelo crime de roubo agravado pelo qual foi condenado, sob pena de violação do princípio do ne bis in idem, previsto no artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.

10. O roubo constitui um crime complexo, aglutinando um crime contra a liberdade e um crime contra o património, de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial - direito de propriedade e de detenção de coisas móveis - mas sobretudo de ordem eminentemente pessoal; 11. O crime de detenção de arma proibida, por seu turno, é um crime de realização permanente e de perigo abstracto; 12. Quanto ao concurso entre os crimes de perigo e os crimes de dano, a regra básica é a da subsidiariedade; 13. A punição do crime de dano não consome, em princípio, a punição a título de crime de perigo abstracto, já que o bem tutelado pela incriminação de perigo não se reduz ao bem tutelado pela incriminação do dano, excepto se a incriminação do dano já é especialmente agravada com uma previsão da ocorrência de um crime de perigo abstracto, como é o caso do crime do roubo, previsto e punível pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal, agravado nos termos do nº 2, b) do mesmo normativo, pela circunstância prevista no artigo 204º, nº 2, f) do Código Penal; 14. Em suma, entre o crime de roubo agravado, previsto e punível pelas disposições conjuntas dos artigos 210º, nº 1 e nº 2, b), por referência ao artigo 204º, nº 2, f), ambos do Código Penal e o crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos artigos 86º, n.º1, d), por referência aos artigos 2º, n.º1, m), av), 3º, n.º2 e) e 4º, n.º1, 97º, n.º 1, 2º, nº 1, e), 3º, nº 2, g), 11º, 2º e 6º todos da Lei na 5/2006, de 23.02 existe uma relação de concurso aparente e não de concurso efectivo; 15. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, 30º, 210º, nºs 1 e 2, b), por referência ao artigo 204º, nº2, f), ambos do Código Penal, artigo 86º da Lei nº 5/2006, de 23.02 e artigo 256º do Código de Processo Penal.

Termina pedindo que se conceda provimento ao recurso, revogando-se a sentença da Mma. Juíza do Tribunal a quo e substituindo-a por outra que condene o arguido nos termos constantes da acusação pública deduzida, apenas pela prática de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelas disposições conjuntas dos artigos 210º, nº 1 e nº 2, b), por referência ao artigo 204º, nº 2, f), ambos do Código Penal, em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos artigos 86º, nº 1, d), por referência aos artigos 2.º, nº 1, m), av), 3º, nº 2, e) e 4º, nº 1, 97º, nº 1, 2º, nº 1, e), 3º, nº 2, g), 11º, 2º e 6º todos da Lei nº 5/2006, de 23.02.

* O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.

O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 140.

Nesta Relação, a Excelentíssima PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

*II- Fundamentação.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

1.-Questões a decidir: Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir: A).Averiguar se o crime de detenção de arma proibida pelo qual veio o arguido a ser condenado está consumido pelo crime de roubo também por si praticado e pelo qual foi condenado.

*2. Factos provados Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação.

  1. FACTOS PROVADOS: Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos: 1 – No dia 29.11.12, cerca das 14h45m, o arguido B… dirigiu-se ao estabelecimento comercial papelaria denominado “C…”, sito na …, …, em Armamar, propriedade de D… e adquiriu uma caneta, pelo preço de € 1,90.

    2 – Já no exterior do estabelecimento, o arguido tapou a cara, fazendo uso de um gorro e dirigiu-se novamente ao interior da papelaria.

    3 – Nesse momento, empunhou uma arma de salva ou alarme, de plástico, de cor castanha, insuscetível de transformação em arma de fogo, na direção de D…, de molde a atemorizá-la, e ordenou-lhe que colocasse o dinheiro do apuro da loja num saco.

    4 – Como esta tivesse retorquido que não tinha dinheiro, o arguido disse-lhe “eu sei que tens dinheiro, passa-o para cá senão as coisas ficam más”, ao que esta acedeu por temer pela sua vida, colocando, de seguida, as notas e moedas do BCE que lá se encontravam no interior de um saco, no valor global de € 174,08.

    5 – Ainda com a arma de alarme empunhada na direção de D…, o arguido ordenou-lhe que colocasse maços de tabaco no interior do saco, ao que esta acedeu, colocando no seu interior dez maços de tabaco, designadamente, quatro maços de tabaco marca “L&M” de cor vermelha, três maços de tabaco marca “L&M” de cor azul, dois maços de tabaco de marca “SGGigante” e um maço de tabaco de marca “SGLight”, no valor global de € 40,60.

    6 – Durante a execução dos factos descritos em 1º a 5º, o arguido trazia ocultado no interior do bolso das calças que trajava uma faca borboleta, composta por uma lâmina, articulada num cabo ou empunhador dividido longitudinalmente em duas partes iguais articuladas entre si, tendo tal objeto permanecido escondido durante todo o tempo.

    7 – Após, o arguido encetou fuga...

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