Acórdão nº 20/10.7GCALD-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução11 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I.

Relatório.

1.1.

A...

, arguido devidamente identificado nos autos acima referenciados, não se conformando com o despacho que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão que antes aí lhe fora aplicada/facultada, recorre para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as conclusões seguintes: 1. O despacho recorrido procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação das normas contidas nos art.ºs 40.º, n.º 1; 55.º e 56.º, todos do Código Penal.

  1. Pois que em virtude da situação pessoal do recorrente o Tribunal a quo deveria ter concluído que não estão comprometidas as finalidades que estiveram na base da decisão de suspensão da execução da pena de prisão, as quais, inclusive, poderiam ser alcançadas por meio de outras medidas, se necessário, de acordo com as possibilidades do art.º 55.º, do mesmo Código Penal.

  2. O recorrente foi casado – de 26.08.1994 até 28.07.2006 – com B...

    , de cujo matrimónio resultaram dois filhos: C...

    , nascido em 28.05.1993, e D...

    , nascida em 19.02.1998. Sucede, que em 28.07.2006 veio a falecer a mulher do recorrente, vítima de neoplasia gástrica, sendo que a mesma apenas sobreviveu escassos 12 meses entre a data do diagnóstico e a data da morte.

  3. No referido período de 12 meses em que acompanhou a sua mulher nos últimos dias da sua vida, o recorrente viu ainda a sua mãe acometida de doença similar (um cancro no peito), sendo que também ela foi alvo de diversos tratamentos e cirurgias no Instituto Português de Oncologia, no Porto.

  4. Todas estas circunstâncias marcaram profundamente o recorrente, provocando-lhe um intenso trauma e desgosto que desde então tem vivido.

  5. Contudo, ainda assim, o recorrente sempre acompanhou e zelou pelo bom crescimento dos seus dois filhos, menores à data da morte da mãe, os quais dependem inteiramente do pai, uma vez que são estudantes e a filha mais nova ainda é menor.

  6. O recorrente, fruto da desorientação emocional e psíquica que tem vivido, acabou por não conseguir cumprir o que resultara da condenação, nos presentes autos, em pena de prisão suspensa na sua execução. De facto, ulteriormente veio a ser condenado por idêntico crime, no âmbito do processo n.º 380/10.0 GBAVV, que correu termos no Tribunal Judicial dos Arcos de Valdevez, tendo já cumprido integralmente a pena de prisão efectiva de 4 meses em que fora condenado.

  7. O facto de ter ficado privado de liberdade, durante 4 meses, no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo foi decisivo para o recorrente. A acrescer ao sofrimento que já trazia consigo pela morte da sua mulher, teve que assistir à revolta e à dor dos seus dois filhos, que ficaram privados de um pai e tiveram que ser amparados pela sua família. Mais ainda: o recorrente tem consciência de que é responsável por todo este sofrimento, vivido pelos seus dois filhos e ainda pelos seus pais e irmãos, circunstância de que muito se penitencia e se arrepende sinceramente.

  8. Acresce ainda que, por força do cumprimento da pena de prisão, o recorrente se viu impedido de trabalhar e de contribuir financeiramente para o sustento dos seus filhos, que subsistiram graças ao apoio incondicional da sua família.

  9. Por tudo isto, o recorrente tem perfeita consciência da gravidade da sua conduta e das consequências que dela resultam, e arrepende-se amargamente de tudo o que fez. A detenção e a reclusão em estabelecimento prisional foram, pois, suficientes para dissuadir o recorrente da prática, no futuro, de comportamentos idênticos aos que originaram a sua condenação, e está certo de que, atentas as suas circunstâncias pessoais, no futuro conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer qualquer infracção.

  10. De todos estes factos procurou o recorrente dar conta em face do Tribunal a quo, quando foi ouvido presencialmente no âmbito do procedimento de revogação da suspensão da execução da pena de prisão. No entanto, esse Tribunal não fez uma correcta valoração das declarações do recorrente, parecendo delas retirar um efeito contrário.

  11. Como se consignou no despacho sob censura, “[é] claro que não basta afirmar o cometimento de novo crime no período de suspensão da execução da pena, para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante para a aplicação dessa suspensão.” 13. Por outro lado, o critério material para a decisão da revogação é exclusivamente preventivo e deve reportar-se ao momento em que o Tribunal aprecia a situação e não ao momento em que o agente cometeu o crime pelo que se deve considerar todo o tempo decorrido entre o momento da condenação inicial e a data da audiência do tribunal [neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, anotação ao art.º 58.º].

  12. Atente-se que, em regra, o cumprimento da pena de prisão cuja suspensão for revogada deveria preceder a execução da pena aplicada ao segundo crime [cfr. igualmente, Paulo Pinto de Albuquerque, idem].

  13. No entanto, não foi isso que sucedeu na presente situação, tendo o recorrente, no momento em que o Tribunal a quo apreciou a revogação da suspensão, já cumprido integralmente uma pena de prisão efectiva de 4 meses.

  14. Ora, em face de tudo quanto vem de ser exposto, as circunstâncias pessoais do recorrente – note-se: no momento em que foi apreciada a revogação da execução, e não no momento das condenações – permitem concluir em sentido diverso do Tribunal a quo, já que delas resulta claramente que as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas, o que determinava a ter de aplicar, caso assim entendesse, alguma das medidas previstas no art.º 55.º, do Código Penal.

    Terminou pedindo consequentemente a revogação do despacho prolatado.

    1.2. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, contra-alegou o Ministério Público junto do Tribunal a quo, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, sustentado nesta sintética ordem de razões:

    1. Decorre do art.º 56.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e dos entendimentos doutrinais e jurisprudências concernentes, que a revogação da suspensão da execução da pena não opera automaticamente, incumbindo ao tribunal, nessa sede, atender às finalidades da punição, seja de prevenção geral ou reintegração, seja de prevenção especial (art.º 40.º, do Código Penal).

    2. Implicando aferir se a prática de novo crime infirma definitivamente o juízo de prognose favorável que presidiu à suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, há que atender a todas as circunstâncias que permitam ao Tribunal fazer aquele juízo, quanto ao comportamento do arguido no futuro e, ainda, sobre se a suspensão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

    3. In casu, e tal como entendimento do Tribunal a quo, afigura-se-nos não ser possível manter e fazer um juízo de prognose favorável, desde logo nos termos vertidos na promoção proferida nos autos.

    4. Por um lado, por se entender que as anteriores advertências penais e a aplicação de sanções da natureza da pretensão do recorrente não lograram afastar o arguido da prática de comportamentos relevantes desse ponto de visto, o que reflecte que a pena aplicada não surtiu no arguido o efeito pretendido, nomeadamente, que a mera ameaça de cumprimento da pena de prisão, o afastaria da prática de factos criminalmente ilícitos e pelo cumprimento das regras de dever-ser impostas pelo Direito Penal, o que não sucedeu.

    5. Tal conclusão retrai-se, aliás, da condenação em pena privativa da liberdade por ter considerado aquele tribunal ser impossível a realização de um juízo de prognose favorável ao arguido, sendo de realçar que a mesma foi proferida no ano transacto.

    6. Acresce que o arguido não invoca qualquer circunstância objectiva, ligada à sua personalidade e/ou susceptível de ser determinada pela sua vontade, que revele uma efectiva mudança de atitude e comportamento que pudesse afastar a total insensibilidade face às anteriores condenações, não obstante, a data da prática dos factos.

    7. Por outro lado, ao praticar tais factos num hiato...

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