Acórdão nº 00213/13.5BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Junho de 2013
Data | 28 Junho 2013 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1998_01 |
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:I RELATÓRIO 1 . R..., identif. nos autos, Vereador da Câmara Municipal de VV..., inconformado com a sentença proferida nos autos, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 8 de Maio de 2013, que julgou procedente a acção de PERDA de MANDATO, interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. *O recorrente apresentou alegações, findas as quais formulou as seguintes conclusões: “1ª Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença proferida nos presentes autos, decisão de que se discorda, com o devido respeito e cuja revogação, por isso, se propugna.
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Na decisão ora posta em crise, a Meritíssima juiz a quo, entendeu qualificar como gravemente culposo o comportamento do Recorrente, que, em cumprimento da notificação do Tribunal Constitucional, entregou à sua secretária, junto da Câmara Municipal de VV..., uma carta simples, dirigida ao Tribunal Constitucional com o selo já aposto, para entregar no Departamento, daquela Câmara Municipal, responsável pelo envio de todo o correio desta Câmara.
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E em consequência declarou a perda de mandato do Recorrente, como Vereador da Câmara Municipal de VV....
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A sentença em crise confunde o elemento subjectivo e o elemento objectivo da norma contida no nº 1 do artigo 3º da Lei nº 4/83, de 02 de Abril, na redacção da Lei 25/95 de 18 de Agosto.
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Para a mesma não há distinção entre o elemento objectivo da norma punitiva (omissão do cumprimento da obrigação de realizar uma declaração) e o elemento subjectivo da norma (a culpa do agente nessa omissão) o que não é viável.
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Nos termos do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 4/83, de 02 de Abril, na redacção da Lei 25/95 de 18 de Agosto, exige um incumprimento culposo para a perda de mandato.
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Sendo certo que, tal como dispõe o douto Acórdão do STA, de 20 de Dezembro de 2007, in www.dgsi.pt, a “culpa não é um efeito automático da conjugação da notificação com o incumprimento”.
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A culpa deve ser ponderada através de um juízo razoável sobre a actuação expectável do homem comum colocado nas mesmas circunstâncias do Recorrente.
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Será forçoso concluir, atentas as circunstâncias factuais descritas supra, que a conduta do Recorrente não foi dolosa.
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Só pode ser demonstrada a culpa nos casos em que é manifestamente expectável que o comportamento do agente fosse outro, em face das circunstâncias concretas que rodeavam a decisão.
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A perda de mandato tem um carácter sancionatório, o que implica a necessidade de ter em conta os princípios de direito penal e disciplinar, isto é, tem de existir um comportamento culposo por parte de quem omitiu o comportamento a que estava obrigado.
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No caso em apreço tal não se verifica, porquanto o Recorrente não omitiu o comportamento a que estava obrigado, antes realizou aquele comportamento, entregando à sua Secretária uma carta dirigida ao Tribunal Constitucional, com o selo já aposto, para esta entregar, no Departamento da Câmara Municipal de VV..., responsável pelo envio de todo o Correio da Câmara.
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Procedimento este, adequado a cumprir a obrigação legal do Recorrente, pese embora a falta de diligência no sentido de submeter a referida carta ao registo do correio.
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Tal acto não é, por si, revelador de um comportamento gravemente culposo, por um lado, nem mesmo pode ser considerado da experiência comum que as cartas podem extraviar-se.
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O juízo de prognose da existência da possibilidade de extravio da correspondência, não é por si suficiente para classificar o comportamento do Recorrente como uma situação de falta grave.
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O juízo normal é pensar-se e ter consciência de que as instituições funcionam normalmente, sendo o erro – in casu, o extravio – a excepção e não a regra.
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O Recorrente interiorizou, como qualquer homem diligente e bom pai de família, que quer a sua secretaria, quer os CTT, funcionavam correctamente e, como tal, na prática de um acto comum, corriqueiro, assim agiu.
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Com a actuação em apreço não quis cometer um acto ilícito ou ilegal, tendo a prática do acto de ser classificada como negligente, simples ou leve.
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A situação de incumprimento a que se refere o nº 1 do artigo 3º da Lei 4/83, de 18 de Agosto, com a Redacção dada pela Lei nº 25/95, de 8 de Agosto, para o Recorrente não era previsível, nem existia, até á ocorrência da citação da presente acção.
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Não sendo exigível ao Recorrente que prefigurasse tal situação, que após a referida citação, cumpriu a obrigação que sobre si impendia.
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A actuação do Recorrente apenas pode ser qualificada como negligente, através da omissão de um acto que veio a revelar-se como necessário.
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Não pode considerar-se a omissão não intencional desse simples acto - o do registo da missiva – como tão gravoso que acarrete a indignidade de quem o cometeu.
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Estamos longe de uma actuação volitiva e consciente, premeditada e concebida, mas antes perante a falta de conhecimento ou de consciência do Recorrente de que a obrigação que sobre si impendia tinha outras formalidade para serem cumpridas e que, para além do envio da declaração de rendimentos, património e cargos pessoais, deveria proceder ao registo da carta que capeava aquele envio.
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É, pois, inconcebível que uma tão ínfima negligência – se assim se pode qualificar, o que se não concede – torne o Recorrente indigno de ocupar o cargo de Vereador da Câmara Municipal de VV....
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Não basta a mera irregularidades – como o não registo de uma carta – para justificar o decretamento da perda de mandato.
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Sendo doutrina expendida que não se justifica o decretamento da perda do mandato em casos de mera negligência, em que não seja evidente a violação de regras fundamentais de isenção e imparcialidade, susceptíveis de criar suspeição sobre a conduta do visado.
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Considerando que o Recorrente não violou os seus deveres de titular de cargo político de forma a tornar o seu afastamento imperioso, é razoável aceitar que a declaração de perda de mandato deve ser considerada excessiva e desproporcionada.
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A sentença em crise enferma de erro de julgamento de facto/direito, traduzida na incorrecta e ilegal aplicação do disposto no nº 1 do artigo 3º da Lei nº 4/83, de 02 de Abril, na redacção da Lei 25/95 de 18 de Agosto, 29ª A douta sentença violou o disposto no artº disposto no nº 1 do artigo 3º da Lei nº 4/83, de 02 de Abril, na redacção da Lei 25/95 de 18 de Agosto”.
*Notificado das alegações, acabadas de transcrever, veio o recorrido Ministério Público apresentar contra-alegações, mas sem que formule conclusões.
*2 .
Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, ns. 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
*4 .
Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II FUNDAMENTAÇÃO1 . MATÉRIA de FACTO A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto: A) O Réu foi eleito Vereador da Câmara Municipal de VV..., nas eleições...
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