Acórdão nº 400/06.2GCAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução15 de Outubro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

16 I – RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção do tribunal colectivo registado sob o n.º400/06.2GCAVR, a correr termos no 1.º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, os arguidos … e …, ambos melhor identificados nos autos, foram condenados, na procedência parcial da acusação, cada um deles, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º1, ex vi artigos 210.º, n.º2, al. b), 204.º, n.º2, al. f) e 204.º, n.º4, todos do Código Penal, «na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de 2 (dois) anos e 4(quatro) meses, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 50º, 53º e 54º do C. Penal, sujeita a regime de prova, assente num plano individual de readaptação social dos arguidos, devendo ser executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (art.º 53.ºdo C.P.), devendo ainda impender sobre os arguidos a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social (art.º. 54.º, n.º 3, alínea a), do C.P.), sem prejuízo de tal plano poder vir a ser completado posteriormente pelos serviços de reinserção social.» 2.

Inconformado, recorreu o arguido …, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição): I – Não se encontram verificadas ou reunidas quaisquer provas que permitam atribuir a autoria do crime de roubo na forma consumada, punido e previsto pelo art. 210.º Código Penal.

II – Encontra-se erradamente e incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada nos pontos 1°,3°,4°,5°,7°,15°,17°,18°,20°,21° e 23° dos factos assentes, os quais deveriam antes ser dados corno não provados.

III – São inúmeras as provas que impõem decisão diversa e que supra foram referidas e indicadas com respectiva fundamentação de facto e de direito e que tudo aqui se dá por integrada por brevidade e por reproduzi das para todos os efeitos legais.

IV – Em qualquer caso de dúvida no espírito do Tribunal deve dar lugar a uma absolvição por falta de prova inequívoca, este é, de resto, o conteúdo com que se afirma o princípio da presunção de inocência do arguido até prova irrefutável em contrário.

V – Ao não ter aplicado o principio in dubio pro reo Tribunal a quo violou o preceituado no art. 32.°, n.º 2 da Lei Fundamental.

VI – O crime de ameaças exige o dolo, sendo suficiente o dolo eventual; o dolo tem que abranger a adequação da ameaça a provocar no ameaçado medo ou inquietação, e, pressupõe que o agente tenha vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do ameaçado, sendo, irrelevante que o agente tenha ou não a intenção de concretizar a ameaça VII – Ora, no caso sub judice, dados as provas produzidas em julgamento, a actuação dos arguidos, salvo melhor opinião, subsume-se a esta conduta. Compulsada a prova produzida, apenas ficou provado de forma clara, segura e inequívoca que os mesmos surgiram perante o ofendido, amedrontando-o com uma arma de fogo, não tendo sido provado que os arguidos tenham tido como escopo da sua actuação a apropriação dos bens do ofendido ….

VIII – Sem prescindir, se este não for o entendimento e raciocínio, deveria o ora recorrente, quanto muito, ser condenado num crime de roubo, na forma tentada e não consumada, uma vez que, não foi produzida prova segura e inequívoca, salvo melhor opinião, que o ora recorrente tenha, de facto, levado com ele a carteira do ofendido …, resultando dos autos apenas o depoimento frágil, hesitante e inconsistente daquele (A….), não se podendo atribuir com certeza a consumação de algum roubo por parte do ora recorrente.

IX – Por conseguinte, nos termos do disposto nos arts. 22° n° 1 e 2 al. a), b) e c), art. 23° n° 1 e 2, art. 73° n° 1 al. a) e b) e 210° n° 1, todos do Código Penal, o limite máximo da pena de pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal.

X – In casu, a pena de prisão deverá ser atenuada – prevista para o artigo 210° n.º1 Código Penal – e irá de um mês a 5 anos e três meses de prisão em vez dos 1 a anos da moldura abstracta normal.

XI – Além disso, e conforme alegado pelo douto acórdão do tribunal a quo, “(...) Ponderando, no entanto, a personalidade dos arguidos, ressarcimento e o perdão por este demonstrado relativamente à actuação dos arguidos, bem como o facto de que os arguidos eram primários à data dos factos, bem como a sua integração profissional e familiar, entendemos ser possível e justificada, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada aos arguidos, porquanto, tudo nos leva a concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição”, deverá, salvo melhor opinião, ser a mesma suspensa na sua execução ou substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

XII – No acórdão posto em crise foram violados os princípios da presunção da inocência, da verdade material, da legalidade e da livre apreciação da prova.

XIII – Disposições violadas: as referidas supra e as que V/ Ex. suprirão, nomeadamente, artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, os artigos 127°, 340°, 355°, 356°, arts. 22° n.º 1 e 2 al. a), b) e c), art. 23° n.º 1 e 2, art. 73° n° 1 al. a) e b), 153°, 210°, todos do Código Penal.

Termos em que, se deverá revogar a douta sentença nos termos e pelas razões supra expendidas, absolvendo o arguido do crime de roubo, na forma consumada ou, se este não for o entendimento, condenar o arguido num crime de ameaças p. e p. pelo art. 153° Código Penal ou condená-lo, quanto muito, num crime de roubo, na forma tentada. Mais deverá ser reduzida ou substituída a pena nos termos propugnados. Assim se fazendo, uma vez mais, JUSTIÇA! 3.

Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, defendendo a confirmação da sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): 1- Todos os elementos de prova que serviram para a formação da convicção do Tribunal são processual e substantivamente válidos e aptos a tal, foram carreados de forma correcta, não desobedecem a qualquer comando ou princípio legal, são seguros, esclarecedores e credíveis.

2 - A análise lógica dos elementos de prova disponíveis e as regras da experiência comum, convenceram – e bem – o Tribunal da situação de co-autoria material e na forma consumada, na prática do crime pelo qual se condenou os arguidos.

3 - O Acórdão em recurso mostra-se regularmente fundamentado, dele se extraindo com clareza a concretização dos elementos de facto que capacitaram o Tribunal, a sua valoração, bem como o processo racional que levou à decisão tomada.

4 - Ao formar a sua convicção e posteriormente decidir, o tribunal não se deparou com qualquer dúvida insanável, que o levasse a favorecer o ora recorrente, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Esse princípio não tem, assim, aplicação in casu.

5 - O Acórdão impugnado não enferma de qualquer contradição insanável; a prova foi correctamente valorada, dela se extraindo as mais correctas consequências, em termos de fixação da matéria de facto, que se mostra bastante para fundamentar a decisão.

6 - É correcta a subsunção jurídico-penal dos factos efectuada pelo Tribunal, considerando que aqueles integram a previsão do art. 210.º do C.Penal, ou seja, crime de roubo.

7 - Para alcançar a medida concreta da pena aplicada, ponderou o Tribunal todas as circunstâncias que devia efectivamente considerar, socorrendo-se de todos os dados disponíveis e atendíveis, de acordo com os comandos legais aplicáveis.

Balizou-se pela culpa do arguido/recorrente, não esquecendo as necessidades de prevenção, geral e especial.

8 - A medida concreta da pena de prisão aplicada foi alcançada de modo equitativo, mostra-se adequada à situação concreta e não merece censura, o mesmo acontecendo com a decisão de suspensão da execução dessa pena.

9 - Não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica, nomeadamente as referidas pelo recorrente.

10 - O Acórdão impugnado deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.

  1. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que o recorrente não cumpriu as exigências do artigo 412.º do mesmo diploma para que pudesse ser sindicada a matéria de facto, e bem assim no sentido de que a sentença recorrida não merece qualquer censura, concluindo que o recurso não merece provimento.

  2. O recorrente respondeu, conforme consta de fls.549 e segs.

  3. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Como dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito. Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação, pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º3 e 431.º do C.P.P., ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.

    Efectivamente, segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2 (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Sempre que o recurso para a Relação, no que respeita à decisão de facto, se reveste de maior amplitude, impõe-se, metodologicamente, que se comece pela impugnação alargada da matéria de facto, só depois entrando, se necessário, nas restantes questões...

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