Acórdão nº 08A2645 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução14 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA-Equipamentos Industriais, Ldª intentou, em 3.5.2002, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa - 9ª Vara - acção declarativa comum sob a forma ordinária, contra: Petróleos de Portugal, Petrogal, Ldª.

Pedindo a condenação desta no pagamento de € 17.741,22, acrescida dos juros de mora vencidos a 12% desde o vencimento e até à propositura da acção no valor de € 1.017,68, bem como nos vincendos à taxa legal.

Para tanto alegou, em síntese, que, após consulta pública, a Ré adjudicou à Autora a compra de determinados equipamentos industriais. Todos os equipamentos foram entregues à Ré pela Autora, que pagou parte do seu preço, não tendo todavia pago até ao presente os 24 "stand posts", no valor peticionado, como deveria ter feito nos trinta dias posteriores à data de emissão da factura.

A Ré contestou, alegando ter anulado a encomenda dos 24 "stand posts", pois estes não eram próprios para o fim a que se destinavam e padeciam de defeitos de fabrico.

Pelos "stand-posts" iriam circular produtos químicos tóxicos e inflamáveis, e a existência de juntas, soldaduras e espessuras mal preparadas poderia permitir que vertessem para fora, causando problemas de segurança.

Assim, devia a Autora ter substituído aqueles equipamentos por outros que satisfizessem as necessárias condições técnicas. Mesmo que assim não se entendesse, sempre a Ré poderia invocar a excepção de não cumprimento do contrato, não pagando os "stand-posts" enquanto se mantiver o incumprimento contratual da Autora.

Replicou a Autora, defendendo que, por se tratar de compra e venda comercial, deveria a Ré ter denunciado qualquer defeito no prazo de oito dias subsequente à entrega, e não o fez. A isto acresce que o equipamento não tem defeitos, a Ré não fez, aquando da encomenda, quaisquer exigências de especificações técnicas e optou pela alternativa mais barata, a qual, obviamente, tem qualidade inferior à mais cara.

Por fim, é inadmissível a invocação da exceptio porquanto o contrato tem-se por perfeito.

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto relevante.

Foi realizada perícia.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão quanto à matéria de facto que não sofreu reclamação.

A final, foi proferida sentença que julgou improcedentes as excepções invocadas e procedente a acção, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 17.741,22 (dezassete mil, setecentos e quarenta e um euros e vinte e dois cêntimos), a que acrescem os juros de mora, à taxa de juros comerciais, sendo os vencidos até à propositura da acção no montante de 1.017,68 € (mil e dezassete euros e sessenta e oito cêntimos), bem como nos posteriormente vencidos e nos vincendos, até integral pagamento.

Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 18.12.2007 - fls. 1010 a 1025 - julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

De novo inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Ficou demonstrado em sede de julgamento, designadamente após a realização das diligência periciais, que os stand posts, ou postes de suporte, não se encontravam nas condições adequadas ao desempenho das funções para as quais haviam sido adquiridos, por força de defeitos de fabrico, tal como se demonstra pelo relatório da Rinave-Qualidade e Segurança e do relatório pericial do ISQ.

  1. Na verdade, a vontade das partes, expressa no sentido de, derrogando as disposições supletivas do Código Comercial, estabelece uma garantia "contra defeitos de fabrico, por um prazo de 12 meses desde que estes sejam comprovadamente originados por defeitos de execução" relativa aos bens cuja venda foi acordada (cfr. vg. pág. 6, Ponto E do Doc. nº2 junto à P.I. - garantia dos fornecimentos, e Doc. nº1 junto à contestação) deve prevalecer sobre as regras supletivas daquele código.

  2. Face ao exposto a respeito da garantia de doze meses que integrava o contrato, a discussão relativa ao prazo de reclamação, previsto no artigo 471° do Código Comercial, é supérflua, inócua e por isso irrelevante.

  3. Como a Recorrente procurou evidenciar durante o pleito em primeira instância, a ausência das necessárias características técnicas dos stand posts torna-os inúteis, na medida em que, não oferecendo as condições essenciais de eficácia e segurança, não poderiam desempenhar as suas funções num local em que as medidas de segurança têm de ser estritamente cumpridas e observadas, como é a Refinaria do Porto, local a que se destinavam os referidos postes de suporte.

  4. Ora, não consubstanciando os vinte e quatro stand posts bens que possam ser inspeccionáveis a olho nu, no que concerne à totalidade das suas componentes e especificações técnicas, leia-se, nomeadamente, diâmetros, soldaduras ou revestimentos, não podia a Recorrente proceder à sua inspecção imediata aquando do acto de entrega dos mesmos.

  5. No seu acórdão aqui recorrido, o Tribunal da Relação refere que a Recorrente nunca suscitou ao longo do processo a garantia "contra defeitos de fabrico, por um prazo de 12 meses desde que estes sejam comprovadamente originados por defeitos de execução" e que, por isso, tal matéria não foi incluída na selecção da matéria de facto, o que não é porém exacto: a referida garantia é parte integrante do contrato que foi celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, contrato esse cuja existência e teor são inequivocamente afirmados e dados como provados nas alíneas h), j) e g) da matéria dada como provada, com expressa remissão para os correspondentes documentos constantes nos autos, pelo que, não pode em boa verdade pôr-se em causa a existência e teor da mencionada garantia contra defeitos de fabrico, tal como as restantes cláusulas e condições do contrato dada, devendo por isso aplicar-se-lhe o direito em conformidade, o que está para além dos poderes do Tribunal de recurso.

  6. O prazo de oito dias a que se refere o artigo 471° do Código Comercial apenas se inicia com a descoberta do vício da coisa comprada ou, pelo menos, a partir do momento em que o descobriria se agisse com a diligência devida.

  7. Razões pelas quais se considera que deveriam ter sido julgadas procedentes as excepções de incumprimento defeituoso (cfr. artigos 913°, 916°, nº2, 917° e 287°, nº2, todos do Código Civil) e de não cumprimento do contrato (cfr. artigo 428°do Código Civil) ambas invocadas na contestação.

    Nestes termos, e nos mais do Direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se, em consequência, a douto acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por douto acórdão que julgue procedentes as excepções invocadas na contestação, com todas as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça.

    A Autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

    Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:

    1. A Autora dedica-se à compra e venda de equipamentos industriais.

    2. No dia 4 de Outubro de 2000, a Ré levou a cabo uma consulta de mercado com vista a aquisição de vários equipamentos industriais (braços de carga, braços de recuperação de vapor, com mangueira flexível e stand posts), tendo para o efeito consultado a Autora (através do documento junto a fls. 05:consulta nº ......, de 04/10/2000, nº colectivo MJS24184AD) e outras empresas do sector.

    3. Na consulta referida em B, referia-se, em "Nota", que "Esta consulta anula e substitui a de número colectivo MJS24184".

    4. A Autora emitiu e...

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