Decisões Sumárias nº 311/08 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Junho de 2008
Magistrado Responsável | Cons. Maria Lúcia Amaral |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2008 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
DECISÃO SUMÁRIA N.º 311/2008
Processo nº 395/2008 3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
I
Relatório
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Por decisão de 30 de Outubro de 2007, que apreciou o recurso interposto de acórdão da 1.ª instância que condenara A., pela prática de um crime continuado de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão e no pagamento da quantia de 518.663,02 € (quinhentos e dezoito mil seiscentos e sessenta e três euros e dois cêntimos) – equivalentes a 103.982.600$00 (cento e três milhões, novecentos e oitenta e dois mil e seiscentos escudos) – a B. e C., com juros de mora à taxa legal geral desde Janeiro de 1994 e até integral pagamento, o Tribunal da Relação de Lisboa acordou:
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Em negar provimento ao recurso intercalar e ao recurso do acórdão final, interpostos pelo arguido, A.;
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Em dar provimento ao recurso dos assistentes, ficando o demandado A. condenado a pagar aos demandantes, B. e C., a quantia total de € 1.516.258,80 (um milhão, quinhentos e dezasseis mil, duzentos e cinquenta e oito euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros, à taxa dos juros legais, desde Jan.94 e até integral pagamento;
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Em ordenar que, em 1ª instância, seja reaberta a audiência, nos termos do art. 371-A, do CPP, para efeitos de aplicação do regime mais favorável ao arguido, na sequência das alterações ao Código Penal, introduzidas pela Lei n°59/07, de 4 Set.
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Em condenar o arguido, em 20 UCs de taxa de justiça, pelo decaimento nos seus recursos e por ter ficado vencido no recurso dos assistentes.
Inconformado, o arguido intentou recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido quanto à parte criminal e foi admitido quanto à parte cível do referido acórdão de 30 de Outubro de 2007, por despacho de 15 de Janeiro de 2008, fundamentado nos termos seguintes:
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Como é sabido, em matéria de recursos, a regra é a de que todos os acórdãos, sentenças e despachos são recorríveis, só não o sendo quando a lei expressamente o indicar (art. 399, do CPP).
O art. 400, n° 1, do CPP menciona os casos de irrecorribilidade em matéria penal, embora não os abranja totalmente, pois a sua última alínea remete para “os demais casos previstos na lei”.
Entre os casos enunciados naquele preceito legal, como irrecorríveis, encontram-se os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos (al. f).
O acórdão de que o arguido pretende recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, confirmou decisão de 1a instância quanto à sua condenação em cinco anos de prisão, por crime de burla qualificada, ocorrendo, assim, a chamada “dupla conforme”.
Alega o arguido que, quanto a esta matéria penal, pode ocorrer divergência na parte em que o acórdão de 30 0ut. 07 relega para ulterior decisão da 1ª instância.
Contudo, relegado para decisão de 1ª instância, foi a ponderação do regime penal mais favorável ao arguido, na sequência das alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n° 59/07, de 4 Set., na parte em que passou a ser admissível a suspensão da execução de pena de prisão inferior a cinco anos.
Quanto a essa questão não houve confirmação, nem divergência. Na altura do acórdão de 1ª instância tal regime penal não estava em vigor, não tendo havido, ainda, pronúncia sobre a justificação, ou não, da suspensão da execução da pena, o que só ocorrerá após a audiência a que se refere o art. 371-A, do CPP, em relação ao que, oportunamente, o arguido exercerá os seus direitos de defesa e, eventualmente, de recurso.
Deste modo, sendo irrecorrível a decisão deste tribunal quanto à matéria penal, não pode o recurso ser admitido nesta parte (art.432, al.b, do CPP).
À mesma solução conduz o regime processual anterior à Lei n° 48/07, de 29 Ago., já que o art. 400, n° 1. al. f, do CPP, na anterior redacção, não admitia recurso “...dos acórdão condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos” (o arguido foi condenado por crime de burla qualificada – art. 218, n° 2. al. a), CP, a que corresponde pena de prisão de dois a oito anos).
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Quanto à questão cível, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta, na sua douta resposta, cita o Acórdão do S.T.J. para uniformização de jurisprudência de l4Mar.02 (DR n°117, I-A de 21Maio02) que estabeleceu jurisprudência no seguinte sentido: “No regime do Código de Processo Penal vigente – n.° 2 do artigo 400.°, na versão da Lei n.° 59/98, de 25 de Agosto - não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal”.
Contudo, o legislador, de forma expressa, optou por orientação contrária a esta jurisprudência, estabelecendo no n° 3, do art. 400, do CPP (introduzido pela Lei n° 48/07) “3. Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”.
Esta opção, embora criticável pela sua não compatibilidade com o princípio da adesão consagrado no art. 71, na medida em que admite, na fase de recurso, a separação dos caminhos da acção penal e da acção cível, e com a unidade do sistema jurídico, já que face ao regime do processo civil, perante a dupla conforme, não seria admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 721, n° 3, do CPC, na redacção do Dec. Lei n° 303/07, de 24Ago.), é a que resulta da lei de forma inequívoca.
Verificando-se os pressupostos do n° 2, do art. 400 e atento o disposto no n° 3, do mesmo preceito e no art. 432, al. b), todos do CPP, é de admitir o recurso em relação à parte cível do acórdão de 30Out.07.
Reclamou, então, o arguido para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, invocando, nessa reclamação, o seguinte:
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Louva-se a decisão reclamada no argumento de que teria havido dupla conforme, pois que o acórdão da Relação confirmou o acórdão condenatório de primeira instância, quando este determinou a sujeição do arguido a uma pena de cinco anos de prisão.
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Sustentou o reclamante que o aresto emanado da Relação, se bem que numa parte negue provimento ao recurso interposto do acórdão final – e nessa parte seja confirmativo da condenação decretada pela primeira instância – numa outra diverge do decidido em primeiro grau, pois que ordena que «em 1.ª instância, seja reaberta a audiência, nas termos do artigo 371.º-A do CPP, para efeitos de aplicação do regime mais favorável ao arguido, no sequência das alterações ao Código Penal, introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro».
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Ora está aqui a razão da discordância: para a decisão sob reclamação trata-se de decisão irrecorrível (artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, alínea b), do CPP).
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Para o reclamante, não se pode convocar aqui o sistema da dupla conforme, pois que a decisão emanada da Relação não confirma a que resultou da primeira instância, antes inova e num aspecto que tem a ver com o núcleo essencial do objecto jurídico do caso.
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Primeiro, a própria decisão sob reclamação reconhece que «quanto a essa questão não houve confirmação nem divergência» (sic), o que é admitir exactamente aquilo que o reclamante pretende, o não estarmos ante um caso de confirmação pelo tribunal ad quem de condenação emanada do tribunal a quo.
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Segundo, porque, ao contrário do doutamente alegado pelo Ministério Público (fls. 9 da sua resposta), não se manteve na decisão emanada da Relação «o núcleo essencial» do já decretado em primeira instância, ficando inalterado o «enquadramento jurídico-penal da conduta delituosa e concreta medida da...
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