Decisões Sumárias nº 135/08 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução14 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 135/2008

Processo n.º 1201/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de Outubro de 2007, “limitado apenas ao segmento do decidido que julgou que, no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia prevista no artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (versão originária) constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, nos termos do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (versão originária), dimensão normativa que foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 110/2007, publicado no Diário da República, II Série, n.º 56, de 20 de Março de 2007”.

2. A norma cuja constitucionalidade constitui objecto do presente recurso foi entretanto declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 183/2008 deste Tribunal Constitucional, com base na seguinte fundamentação jurídica:

“5. A questão da violação do princípio constitucional da legalidade criminal

Tudo está pois em saber se foi ou não efectivamente violado o princípio da legalidade criminal. Este princípio resulta do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa: «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior» e «Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior».

O princípio aqui consignado é um «princípio-garantia»; visa, portanto, «instituir directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., p. 1167).

Não se trata, pois, apenas de um qualquer princípio constitucional mas de uma «garantia dos cidadãos», uma garantia que a nossa Constituição – ao invés de outras que a tratam a respeito do exercício do poder jurisdicional – explicitamente incluiu no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, relevando, assim, toda a carga axiológico-normativa que lhe está subjacente. Uma carga que se torna mais evidente quando se representa historicamente a experiência da inexistência do princípio da legalidade criminal na Europa do Antigo Regime e nos Estados totalitários do século XX (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, I, p. 178).

Nos Estados de Direito democráticos, o Direito penal apresenta uma série de limites garantísticos que são, de facto, verdadeiras «entorses» à eficácia do sistema penal; são reais obstáculos ao desempenho da função punitiva do Estado. É o que sucede, por exemplo, com o princípio da culpa, com o princípio da presunção de inocência, com o direito ao silêncio e, também, com o princípio da legalidade (nullum crimen sine lege certa). Estes princípios e direitos parecem não ter qualquer cabimento na lógica da prossecução dos interesses político-criminais que o sistema penal serve. Estão, todavia, carregados de sentido: são a mais categórica afirmação que, para o Direito, a liberdade pessoal tem sempre um especial valor mesmo em face das prementes exigências comunitárias que justificam o poder punitivo.

Não se pense pois que estamos perante um princípio axiologicamente neutro ou de uma fria indiferença ética, que não seja portador de qualquer valor substancial.

O facto de o princípio da legalidade exigir que num momento inicial do processo de aplicação se abstraia de qualquer fim ou valor decorre de uma opção «axiológica» de fundo que é a de, nas situações legalmente imprevistas, colocar a liberdade dos cidadãos acima das exigências do poder punitivo.

Assim se justifica que nem mesmo os erros e falhas do legislador possam ser corrigidos pelo intérprete contra o arguido.

É o que bem explica Figueiredo Dias (Direito Penal. Parte Geral, tomo I, 2.ª ed., p. 180): «Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam, por isso, sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também outros comportamentos. Neste sentido se tornou célebre a afirmação de v. Liszt segundo a qual a lei penal constitui a magna Charta do criminoso.»

No mesmo sentido, diz Taipa de Carvalho (Direito Penal, I, Porto 2003, p. 210 s.): «O texto legal constitui, porém, um limite às...

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