Decisões Sumárias nº 96/08 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 2008

Data03 Março 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 96/2008

Processo n.º 165/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Matosinhos interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a sentença do mesmo Tribunal, de 10 de Janeiro de 2008, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a aplicação da norma constante do artigo 456.º do Regulamento do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), e, consequentemente, julgou procedente a impugnação, deduzida pelo A., SA, contra a decisão da Inspecção-Geral do Trabalho (Delegação do Porto), de 28 de Maio de 2007, que lhe aplicou a coima de € 1000,00 pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 456.º e 490.º, n.º 1, alínea e), daquele Regulamento.

A sentença recorrida fundou essa recusa de aplicação nas seguintes considerações:

“Primeiro, tal como decidido nas sentenças juntas aos autos pelo arguido, cujos fundamentos, por economia processual, perfilhamos, entendemos ser inconstitucional o artigo 456.º, n.º 1, do Regulamento do Código do Trabalho, por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, e da proibição de acesso a dados pessoais de terceiro, imposta pelo artigo 35.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa, considerando os elementos relativos a cada trabalhador que devem constar dos mapas de pessoal e que constituem dados pessoais nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 6/98, de 26/10 (Lei da Protecção de Dados Pessoais).

Com efeito, dos mapas de pessoal, nos termos da Portaria n.º 785/2000, de 19 de Setembro, constam, além da identificação da empresa e do estabelecimento, com indicação do volume de negócios, várias informações respeitantes aos trabalhadores em cada local de trabalho, nomeadamente o nome, a categoria profissional, a profissão, a situação na profissão, as habilitações, o número de segurança social, a data de nascimento, de admissão na empresa e da última promoção, as remunerações pagas, incluindo a remuneração base, as diuturnidades, as prestações regulares e irregulares e as horas extraordinárias.

Destinando-se a afixação daqueles mapas ou a sua disponibilização para consulta a permitir a reclamação pelos trabalhadores interessados relativamente a eventuais irregularidades, o que é certo é que tal afixação ou divulgação permite que todos (sejam trabalhadores, sejam terceiros que se desloquem às instalações da empresa, no caso de afixação dos mapas) acedam às informações sobre todos, sem qualquer restrição e, consequentemente, a devassa de aspectos integrantes e fundamentais da personalidade e dignidade humanas, com evidente violação do direito de cada trabalhador, enquanto pessoa, de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a sua vida privada e familiar e o direito de não ver divulgadas as informações que outrem tenha sobre a sua vida privada e familiar, direitos de personalidade, com matriz constitucional e consagração expressa no artigo 80.º do Código Civil.

Conclui-se, pois, que o artigo 456.º do Regulamento do Código do Trabalho é inconstitucional, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Pelo que, não podendo os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição da República de acordo com o seu artigo 204.º, nunca o arguido poderia ser judicialmente responsabilizado pela infracção ao disposto pelo referido artigo 456.º do Regulamento do Código do Trabalho.”

A questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso já foi objecto de anteriores decisões deste Tribunal, o que possibilita a sua qualificação como “questão simples”, para efeitos de prolação de decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

Anote-se ainda que, apesar de a decisão recorrida apresentar um outro fundamento para conceder provimento à impugnação (insuficiência, para configurar a prática da contra-ordenação em causa, dos factos imputados ao arguido no auto de notícia e na decisão sancionatória), daí não decorre a inutilidade do conhecimento do presente recurso, tendo em conta que se trata de um recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e atenta a possibilidade de a procedência desse segundo fundamento vir ainda a ser impugnada por via de recurso ordinário (no mesmo sentido, cf. Acórdãos n.ºs 256/2004 e 42/2008).

2. Como se referiu, este Tribunal já proferiu decisões tendo por objecto a questão de inconstitucionalidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT