Acórdão nº 1011/12.9T3AMD.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução21 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

No processo comum n.° 1011/12.9T3AMD do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra, pelo Mmo. Juiz foi proferido despacho que rejeitou, por manifestamente infundada, a acusação deduzida pelo M.° P.° contra o arguido VM..., com o seguinte teor: "O Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção de tribunal singular, do arguido VM..., imputando-lhe a prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.°, n° 1, al. b) do Código Penal.

Quanto ao crime pelo qual o arguido vem acusado, dispõe o artigo 348.° do Código Penal que: "1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.

  1. A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominara punição da desobediência qualificada." Trata-se de um crime contra a autoridade pública, cuja incriminação pretende tutelar o interesse do Estado em garantir obediência às ordens ou mandados legítimos da autoridade ou funcionário. São elementos constitutivos do tipo legal: a) A existência de ordem ou mandado; b) A legalidade substancial e formal da ordem ou do mandado; c) A legitimidade e competência da autoridade que emite a ordem ou mandado; d) A regularidade da sua transmissão ao destinatário; e) A intenção de desobedecer.

No que se refere ao tipo subjectivo de ilícito, verifica-se que se trata de um crime doloso, não sendo punível a negligência (art. 13.° do Código Penal).

O tipo doloso preenche-se sempre que alguém incumpre consciente e voluntariamente uma ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade ou funcionário competente.

A situação verificada no caso sub judíce é comum nos Tribunais portugueses, sendo habitual em sentenças em que se aplique a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados a cominação de que a falta de entrega da carta de condução num prazo de 10 dias consubstanciará a prática de um crime de desobediência.

Nos termos dos números 2 a 4 do artigo 500.° do Código de Processo Penal, "no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do Tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma já não se encontrar apreendida no processo", sendo que se tal ocorrer a licença de condução ficará retida no Tribunal, e, em caso negativo, "o Tribunal ordena a apreensão da carta de condução".

Resulta de tais normas que o legislador previu quais as diligências a realizar em caso de falta de entrega voluntária da licença de conduzir por parte dos condenados em penas de proibição de condução, não sancionando expressamente com o crime de desobediência a falta de tal entrega.

Com efeito, resulta claramente do art. 69.

0 do Código Penal que o legislador previu expressamente para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução, a sua apreensão.

Como escreve Cristina Líbano Monteiro [Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pág. 354], "Em definitivo: a al. b) existe tão só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza (i. é, mesmo um preceito não criminal) prevê aquele comportamento desobediente. Só então será justificável que o legislador se tenha preocupado com um vazio de punibilidade, decidindo-se embora por uma solução, como já foi dito, incorrecta e desrespeitadora do princípio da legalidade criminal".

Trata-se, no fundo, de uma norma em branco (que prevê uma «cominação funcional») - a qual tem uma carácter absolutamente subsidiário, na medida em que a autoridade ou o funcionário só podem fazer uma tal cominação quando o comportamento em causa não constitua um ilícito previsto pelo legislador para sancionar essa mesma conduta, seja ele de natureza criminal, contra-ordenacional ou outra, só sendo válida tal cominação "se for, de entre o mais, materialmente legítima", em nome também de um modelo de intervenção mínima constitucionalmente consagrado no art. 18°, n° 2 da CRP.

Assim, se o legislador prevê que a não entrega voluntária da carta de condução, tem como consequência a sua apreensão, a cominação da prática de um crime de desobediência para a conduta da sua não entrega, contraria manifestamente o sentido da norma.

Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 18 de Dezembro de 2008, no processo 1932/2008-9 (www.dgsipt), «(..) criando a lei mecanismos para quando, ultrapassada a fase "declarativa" da decisão sem que o agente cumpra voluntariamente, se passe a uma fase executiva da mesma, reagindo-se ao comportamento omissivo (no caso a não entrega da carta) com emprego de meios coercivos (determinando-se a concretização oficiosa da sua apreensão, fase para a qual se mostra indiferente a adopção de um comportamento colaborante por parte do arguido), e considerando que, entregue ou não a carta, se este conduzir no período de proibição comete o crime do artigo 353.° do CP (o que reduz, repete-se, a entrega da carta a um mero meio de permitir um mais fácil e melhor controlo da execução da pena de proibição de conduzir), a cominação da prática de crime de desobediência para a não entrega no momento em que surge no caso dos autos carece de legitimidade».

Desta forma, a notificação que é feita ao arguido para no prazo de 10...

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