Acórdão nº 01203/09.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Novembro de 2012
Magistrado Responsável | Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. Relatório 1.1. B(...),, Lda.
, n.i.f.
(...), com sede na freguesia de Martim, concelho de Barcelos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a presente impugnação judicial das liquidações adicionais de I.RC. dos períodos de 2006 e 2007 e dos respetivos juros compensatórios, no montante total de € 26.263,55.
Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.
1.2. Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões: I. Para poder exercer o seu poder de correcção de dedução indevida do IVA é necessário primeiro que a Administração Tributária prove os pressupostos que legitimam o exercício de tal poder, ou seja demonstrar que as facturas que titulam as operações onde foi liquidado o IVA não correspondem a reais transacções devendo por isso ser havidas como operações simuladas – artigo 19º/3 do CIVA.
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No procedimento inspectivo que conduziu às liquidações impugnadas a Administração Tributária não podia incluir o montante das deduções da M(...),, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permitisse concluir com segurança (e não permitia, no caso) que à facturas em causa não correspondia transacções efectivas.
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Tendo, apesar disso, procedido às correcções consubstanciadas nas liquidações impugnadas, a administração tributária violou, v.g. os princípios, constitucional legalmente consagrados, da legalidade, da justiça, do inquisitório, da busca da verdade material, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (cfr. art. 266.º, 1 e 2 da CRP, arts. 3.º-1, 4.º, 6.º, 56.º e 87.º do CPA).
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Ao fazê-lo sem ter fundamentado devidamente a sua decisão – pois, no caso dos autos, ao proceder por antecipação sem aguardar a informação da DDF Leiria, a fundamentação administrativa não é coerente, lógica, nem suficiente -, violou o dever de fundamentação (cfr. v.g., art. 268.º-3 da CRP, 124.º e 125.º do CPA e 77.º da LGT) V. Incorreu assim e falta de fundamentação (cfr. art. 125.º/2 do CPA), falta essa que invalida a decisão, por nulidade em virtude de faltar ao acto um dos seus elementos essenciais (cfr. art. 133.º/1 CPA), ou, ainda que assim não se entendesse, por anulabilidade (cfr. art. 135.º CPA) VI. Ao faze-lo sem ter demonstrado os pressupostos legais dos quais decorria a sua actuação, tendo apenas “concluído, por presunção”, que as facturas em causa não corresponderiam a transacções efectivas, a administração tributária fez ainda errada aplicação do n.º 3 do art. 19.º do CIVA.
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A invalidade da actuação administrativa, no caso dos autos deveria ter sido decretada pela douta decisão recorrida; não tendo isso acontecido, esta, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento, com violação das disposições, regras e princípios acima referidos, os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados com o sentido expresso nas precedentes alegações.
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A douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao ter, de forma incorrecta e infundada desvalorizado totalmente as provas trazidas aos autos pela recorrente, e ao conferir força probatória a informações não oficiais nem devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos, como exige o artigo 115.º do CPPT IX. E fez ainda, sempre com o devido respeito, errada aplicação das regras do ónus de prova, porquanto, antes de se poder onerar a recorrente com a prova de que as facturas em causa correspondiam a transacções efectivas, era à administração tributária que cabia demonstrar que tais facturas, pelo menos as da M(...),, diziam respeito a operações simuladas, necessidade essa de prova que decorre do artigo 19.º-3 do CIVA, e está de acordo com v.g., com a regra geral da repartição do ónus da prova (art. 342.º do Código Civil), e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (cfr. art. 75.º da LGT) X. Ainda que a administração tributária tivesse tido dúvidas, deveria ter procurado esclarecê-las, para poder fundamentar devidamente a sua decisão, ou abster-se de proceder às correcções e liquidações ora impugnadas.
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Sempre com o maior respeito, a M.ma Juiz do tribunal a quo deveria ter feito a análise acima descrita e, em consequência da aplicação das regras gerais de repartição do ónus de prova (v.g., art. 342.º do Código Civil), ter anulado as liquidações impugnadas.
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Mas sem conceder e ainda que dúvidas lhe subsistissem – e, ainda que a prova produzida não tivesse proporcionado à Mm.a Juiz certezas, ao menos deveria ter-lhe suscitado uma séria ou fundada dúvida sobre a actuação e as conclusões da administração relativamente à M(...),, tais dúvidas sempre deveriam ter levado a Mm.a Juiz a anular o acto impugnado, nos termos do art. 100.º/1 do CPPT.
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Sempre seria de julgar inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade da actuação administrativa, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da justiça e da boa fé, uma interpretação do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA que fosse no sentido de atribuir ao contribuinte o ónus de provar que as operações postas em causa pela administração tributária correspondiam a operações efectivas, antes de a mesma administração tributária demonstrar de forma fundamentada e suficiente que tais operações seriam simuladas XIV. E, também com este fundamento, sempre seria de anular a decisão recorrida e as liquidações impugnadas.
1.3. A Fazenda Pública não contra-alegou.
1.4. Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer onde analisou detalhadamente cada um dos vícios apontados à sentença recorrida e se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso e ser integralmente confirmada a sentença recorrida.
1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Do Objeto do Recurso 2.1. É sabido que o objeto do recurso é delimitado, antes de mais, pelas respetivas conclusões. Como refere António Santos Abrantes Geraldes (in «Recursos em Processo Civil – Novo Regime», pág. 91), «constitui entendimento corrente e uniforme que, em resultado do que se encontra previsto no art. 685.º-A» do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto «as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem (…). Salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, sob cominação de nulidade, nos termos dos arts. 716.º e 668.º» do referido Código.
Analisando, pois, as conclusões com que a Recorrente remata as doutas alegações de recurso (fls. 234 e seguintes dos autos), verificamos que nele se apontam à decisão recorrida diversos vícios, que assim sistematizamos: 1º. Erro no julgamento sobre dos pressupostos de facto das liquidações, na parte que abrange as correções do montante das deduções da “M(…), Lda.
”, porque a atividade instrutória desenvolvida pela administração tributária não permitia concluir com segurança que as faturas correspondentes não correspondiam a transações efetivas (conclusões “I” a “III”, “VI” e “VII”); 2º. Erro no julgamento sobre a suficiência e coerência da fundamentação da decisão impugnada, visto que as correções administrativas não assentaram, quanto a este fornecedor, em informação da Direção Distrital de Finanças de (…) (conclusões “IV”, “V” e “VII”); 3º. Erro no julgamento de facto, visto que foi atribuída força probatória a informações não oficiais nem devidamente fundamentadas e foi desvalorizada a prova da ora Recorrente (conclusão “VIII”); 4º. Erro na aplicação das regras do ónus probatório, visto que era obrigação da administração tributária demonstrar que as faturas, pelo menos as da “M(…), Lda.
”, diziam respeito a operações simuladas (conclusões “IX” a “XI”) e era obrigação do tribunal relevar a dívida fundada sobre as conclusões da administração tributária, relativamente a esta fornecedora; 5º. Inconstitucionalidade do artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado – por violação dos princípios da legalidade, da justiça e da boa fé – quando interpretado no sentido de atribuir ao contribuinte o ónus de provar que as operações postas em causa pela administração tributária correspondiam a operações efetivas (conclusões “XIII” a “XIV”).
2.2. Mas o objeto do recurso não é apenas delimitado pelas suas conclusões. Decorre do artigo 684.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que o recurso é também delimitado por tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente. O recurso é um meio processual de sindicar a legalidade de decisões judiciais, não podendo servir para apontar ilegalidades aos atos administrativos subjacentes que não integraram o objeto dessas decisões.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes (ob. cit.
, pág. 94), «os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam do conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis».
E, tendo-se entre nós aderido a uma conceção de causa de pedir conforme à teoria da substanciação...
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