Acórdão nº 01959/07.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Setembro de 2012
Data | 26 Setembro 2012 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1998_01 |
Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 . "REDE FERROVIÁRIA NACIONAL - REFER, EPE", inconformada, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 13 de Abril de 2011, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob forma sumária, interposta pela recorrida "B. …, L.da", condenando-a a pagar a esta a quantia de € 12.068,00, sendo € 8.504,00 para ressarcimento dos danos patrimoniais e € 3.564,00 a título de compensação pelo dano de privação do uso do veículo, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral e efectivo pagamento e absolveu as co-rés Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e Junta de Freguesia de Arcozelo do pedido.
* A recorrente formulou, no final das suas alegações, as seguintes conclusões: "1. A decisão de que se recorre merece ser censurada, porque não fez uma correcta apreciação das questões de facto e de natureza jurídica que foram presentes ao Tribunal, e, por isso, sofre de vícios que decisivamente interferiram na prolação da sentença.
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Erradamente a sentença sob censura considerou que : “ o local onde se situava a deficiência referida pelo requerente está dentro do território sob jurisdição da REFER” 3.
Conforme se alegou em sede de contestação, a conservação tanto do piso das Passagens de Nível (PN) como do das faixas rodoviárias que lhes são contíguas, não é da responsabilidade da REFER, E.P., antes competindo quer à empresa Estradas de Portugal, E.P. (antes JAE/ICOR/IEP), às Câmaras Municipais ou às Juntas de Freguesia (por delegação), consoante a sua natureza de estradas nacionais, municipais ou caminhos vicinais – Cfr. Lei n.º 2037, de 19/8/49 (Estatuto das Estradas Nacionais), Lei n.º 2110, de 19/8/61 (Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais) e Acórdão do STA, de 2003.01.29.
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O artigo 1.º do Decreto n.º 26 183, de 9 de Janeiro de 1936, estabelecia que: “Compete à Junta Autónoma das Estradas estabelecer e conservar os pavimentos nas passagens de nível, de modo a dar continuidade à faixa de trânsito das estradas nacionais.” 5.
O Regulamento das Passagens de Nível em vigor à data dos factos – Decreto-lei n.º 568/99, de 23 de Dezembro – apenas atribui à REFER, enquanto gestora da infra-estrutura ferroviária nacional, deveres relativos à manutenção e conservação dos equipamentos das passagens de nível (cancelas, meias barreiras, correntes e sinalização), nada dispondo quanto à conservação do pavimento – artigos 20.º e 27.º do referido diploma legal.
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Como melhor consta na fotografia que se anexa – documentos n.ºs 1 e 2 - relativa aos trabalhos executados pelo pessoal da recorrente na referida passagem de nível, a REFER apenas executou a obra estritamente de carácter ferroviário, ou seja, entre os carris e nas partes laterais que os suportam, ou seja, para substituição das travessas de madeira anteriormente existentes.
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Todos os restantes trabalhos de reparação do pavimento da componente rodoviária da Passagem de Nível, foram realizados pela Junta de Freguesia de Arcozelo, em colaboração com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, aliás, tal como ficou assente nas condições de realização da obra, constantes no fax de 15.09.2004 que a recorrente enviou à referida junta de freguesia – “Proceder ao remate do pavimento c/massa betuminosa” - cfr. documento n.º 14 junto com a petição inicial.
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Quanto às obras de pavimentação da rua que intersecta a via-férrea, também iniciadas naquela ocasião, dado tratar-se de uma via municipal, elas eram, efectivamente, da responsabilidade da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, co-Ré nos presentes autos, e, como tais obras implicavam o desvio temporário do trânsito rodoviário, a REFER, E.P. aproveitou a ocasião para, em simultâneo, proceder à já referida substituição das travessas de madeira existente entre os carris para módulos em borracha maciça antiderrapante, evitando fechar a PN noutra ocasião, e assim minimizando os incómodos daí resultantes para os respectivos utentes.
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Nos termos do n.º 1 – al. a) do art.º 20.º do DL n.º 568/99, de 23/12 (Regulamento das Passagens de Nível)-, apenas constitui dever da entidade gestora da infra-estrutura ferroviária: “Manter em bom funcionamento os equipamentos das PN, acorrendo com a maior celeridade às reparações das avarias que eventualmente se verifiquem”, pois, tal disposição, como resulta claramente do seu teor literal, refere-se tão só à manutenção e conservação dos equipamentos das PN, tais como as cancelas ou barreiras, semáforos e à estrutura da linha férrea, ou seja, aos carris, e não ao pavimento que diz respeito de betuminoso ou calçada que faz a ligação à parte rodoviária.
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Em Setembro de 2004, a competência para estabelecer e conservar os pavimentos nas passagens de nível, de modo a dar continuidade à faixa de trânsito das estradas nacionais, pertencia ao ICERR.
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Em apoio do exposto, foi já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 29.01.2003 – Processo n.º 01104/02, que: Compete à Junta Autónoma de Estradas (JAE), actualmente Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), estabelecer e conservar os pavimentos nas passagens de nível, de modo a dar continuidade à faixa de trânsito das estradas nacionais (artº 1º do DL nº 28.183, de 9/1/1936), independentemente do tipo de material que constitui esse mesmo pavimento.
Porém, a verdade é que tal como ficou assente na decisão sob censura – cfr. conclusão 30) – fls 411 – “ a rua que intersecta a via férrea no apeadeiro de Miramar é uma via municipal” 12.
As actividades de sinalização, conservação, fiscalização e da manutenção da estrada onde ocorreu o acidente incumbem à R. Câmara Municipal de Gaia, que está obrigada a realizar actos de gestão pública, enquanto englobados na realização de uma função pública para fins de direito público, de livre circulação de todas as pessoas e bens no espaço rodoviário municipal, isto é, regidos pelo direito público e, consequentemente, por normas que atribuem à pessoa colectiva poderes de autoridade (jus imperii).
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Por ser uma via municipal, o troço da estrada onde se deu o acidente objecto da presente acção não está sob a jurisdição da REFER, mas antes sob a jurisdição do R. Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, aliás, como está assente nos autos, por lhe pertencer a conservação e exploração da EN 109, bem como a fiscalização do cumprimento do Código da Estrada.
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É no âmbito da responsabilidade da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia que terá de encontrar-se o responsável pela ocorrência do acidente, pois, no caso vertente, pelas atribuições da REFER não poderá ser imputada a esta empresa pública qualquer responsabilidade, a qual, aliás, nem deveria ter sido sujeita a intervir na relação material controvertida, pois, outrossim, só à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, cabe, eventualmente, responder pelos danos que a A. vem reclamar na presente acção.
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No que respeita às estradas municipais, rege o artigo 2.º da Lei n.º 2110, de 19-8-1961…., que: “é das atribuições das câmaras municipais a construção, conservação, reparação, (…) das estradas e caminhos municipais”.
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Como ficou demonstrado em sede da audiência de julgamento, o acidente ocorreu à entrada da passagem de nível, ficando apenas, face aos depoimentos contraditórios das testemunhas inquiridas, sérias dúvidas se o mesmo terá acontecido antes ou depois das barreiras existentes na PN.
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É completamente inverosímil que se possa afirmar ou concluir que o acidente se verificou em plena via férrea, ou seja, entre os carris. Aliás, saberá o Tribunal o que significa “plena via férrea”? Será o espaço entre os carris? Será o espaço para além dos carris? Será o espaço entre as barreiras? Ficamos sem saber, pois, a Senhora Magistrada do tribunal a quo, apesar de estar obrigada a fundamentar a sua decisão, não esclareceu.
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O acidente não ocorreu entre as linhas que compõem a via férrea, ou seja, na infra-estrutura ferroviária pela qual a ora recorrente é responsável, pois, como já se alegou, não só se não verificou qualquer participação de ocorrência, como nem tampouco se verificou qualquer interrupção da tráfego ferroviário, o que necessariamente teria de ocorrer, caso se verificasse qualquer situação que pusesse em perigo a circulação de comboios, como seria o caso de existir qualquer “buraco” entre os carris da via férrea.
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Numa passagem de nível, tudo o que diga respeito à passagem rodoviária, assegurando as condições da travessia de uma PN, tratando-se, no caso, de uma via municipal, a sua conservação é da responsabilidade da respectiva...
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