Acórdão nº 0997/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Julho de 2012
Magistrado Responsável | CASIMIRO GONÇALVES |
Data da Resolução | 05 de Julho de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., recorre, por oposição de acórdãos, do aresto do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento a um recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual, por sua vez, julgara procedente a impugnação judicial deduzida por A……, Lda. contra as liquidações de taxas sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal, dispositivos médicos não activos e produtos farmacêuticos homeopáticos, referentes aos anos de 2000 a 2004, bem como dos respectivos juros compensatórios.
1.2.
Admitido o recurso, o recorrente apresentou, nos termos do disposto no nº 3 do art. 284º do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 367).
1.3. Por despacho do Exmo. Relator no TCAS, considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos (no tocante à questão do exercício do direito de audiência) e foi ordenada a notificação das partes para deduzirem alegações, nos termos do disposto nos arts. 284º, nº 5 e 282, nº 3, ambos do CPPT (fls. 483).
1.4. O recorrente termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes: 1ª - Encontram-se preenchidos os requisitos da oposição de acórdãos; 2ª - Ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - versam sobre a questão fundamental de direito de saber se a preterição de audição prévia se degradou em formalidade não essencial e se deve aplicar-se o princípio do aproveitamento do acto; 3ª - Enquanto no acórdão recorrido a resposta a essa questão foi negativa já no acórdão fundamento foi dada resposta positiva; 4ª - Ambos os acórdãos referidos assentam em situações fácticas idênticas, na medida em que está em causa a impugnação de liquidação de tributos, com base em matéria de facto já concretizada e não susceptível de alteração ou influência pela Impugnante, além de que em ambos os casos essa matéria está documentalmente provada e só mediante um procedimento específico legalmente previsto poderia ser rectificada; 5ª - A impugnante não alegou que os volumes de vendas considerados nas liquidações, segundo as categorias de produtos, estão errados nem alegou quais os valores correctos; 6ª - As taxas (alíquotas) aplicadas pelo INFARMED foram as legalmente previstas para os produtos em causa; 7ª - Tal como aconteceu no acórdão fundamento, não existe qualquer indício de que as liquidações pudessem ter sido diferentes se tivesse sido promovida a audição prévia; 8ª - O acórdão fundamento transitou em julgado; 9ª - Ambos os acórdãos foram proferidos na vigência do nº 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária, na redacção anterior à da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e da redacção actual do artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo; 10ª - Acórdão recorrido e acórdão fundamento foram proferidos em processos distintos; 11ª - A oposição entre os acórdãos diz respeito à solução jurídica dada por cada um deles para a mesma questão fundamental de direito, porquanto no acórdão recorrido, considerou-se que a preterição da audição prévia não se degradou em formalidade não essencial e não ser de aplicar o princípio do aproveitamento do acto, enquanto no acórdão fundamento, foi considerado que a preterição de audição prévia se degradou em formalidade não essencial e dever aplicar-se o princípio do aproveitamento do acto; 12ª - A solução jurídica adoptada no douto acórdão fundamento é a que melhor se coaduna com a natureza e os objectivos do direito de participação dos interessados na formação das decisões administrativas consagrado no artigo 267º, nº 5, da Constituição; 13ª - Essa solução é também a mais adequada, à luz dos princípios que norteiam a actividade administrativa, tais como os da proporcionalidade, eficiência e racionalidade administrativa, bem como de economia e celeridade procedimentais e, ainda, de utilidade para os direitos prosseguidos pelo interessado ou para as suas garantias de defesa; 14ª - A ordem jurídica admite a existência e eficácia de um acto administrativo praticado com preterição desse direito de participação, porque a sua violação apenas é sancionada com a regra geral da anulabilidade (artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo), que é sanável pelo decurso dos prazos de revogação e de impugnação judicial - ou, pelo menos, inimpugnável - pelo que, se não for atempadamente invocada é sanável ou deixa de poder ser anulada, em conjugação com o princípio da presunção de legalidade dos actos administrativos; 15ª - O direito de participação constitui um trâmite procedimental norteado e balizado pelos respectivos fins de utilidade para os direitos prosseguidos pelo interessado ou para as suas garantias de defesa, não sendo configurado pelo legislador como um direito absoluto e que deva ser assegurado em todos os casos, antes se encontrando também subordinado a princípios de proporcionalidade, eficiência e racionalidade administrativa, bem como de economia e celeridade procedimentais; 16ª - Tanto o artigo 103º do Código do Procedimento Administrativo como os nºs. 2 e 3 do artigo 60º da Lei Geral Tributária prevêem diversas situações, nomeadamente, de dispensa da participação dos interessados norteadas pelas finalidades substanciais visadas pelo legislador; 17ª - Além disso, os interessados são livres de exercerem ou não esse direito e, nos casos de auto-liquidação de tributos, o direito de participação dos interessados nas decisões administrativas é assegurado através da faculdade que a lei lhes confere de eles próprios moldarem a decisão administrativa tributária, ao declararem a matéria tributável e ao procederem ao apuramento do tributo; 18ª - Por isso, num caso de auto-liquidação obrigatória, se o contribuinte não procedeu atempadamente à auto-liquidação, deverá entender-se que renunciou ao seu direito de participar na formação da decisão administrativa; 19ª - A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem adoptado o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, também conhecido por teoria dos vícios inoperantes, segundo o qual não há lugar à anulação de um acto viciado, quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo; 20ª - Além disso, também não há lugar à anulação quando o acto inválido seja um acto vinculado ou quando ocorra a redução a zero da discricionariedade, ou seja, quando o Tribunal conclua que o conteúdo do acto praticado pela Administração encerra a única solução legalmente possível aplicável ao caso concreto; 21ª - O acórdão fundamento está em linha com esta orientação jurisprudencial, que corresponde à solução mais adequada tendo em conta os objectivos visados pelo legislador ao consagrar o direito de participação dos interessados 22ª - No caso vertente, as liquidações impugnadas consistiram em aplicar uma alíquota previamente definida pela lei a um volume de vendas expresso nos balancetes de vendas que integram a contabilidade organizada da Impugnante e que foram fornecidos por esta ao INFARMED, depois de certificados pelo seu Técnico Oficial de Contas, sendo que os elementos recolhidos directamente pelo INFARMED não conduziram a qualquer alteração desses valores, antes se destinaram a verificar, de forma cruzada, a sua veracidade; além disso, esses valores não podiam sequer ser influenciados por qualquer intervenção do INFARMED; 23ª - A Impugnante não alegou em momento algum que os volumes de vendas considerados pelo INFARMED estão errados e que deveriam ser outros os valores a considerar nem existe qualquer indício mínimo de que a liquidação efectuada pelo INFARMED seria diferente, caso tivesse sido promovida a audição prévia da Impugnante, pelo que, se as liquidações forem anuladas e promovida a audição prévia da Impugnante, o volume de vendas a considerar será o mesmo que foi considerado nas liquidações impugnadas e o tributo liquidado será também o mesmo, porque a taxa a aplicar a esse volume de vendas é a mesma; 24ª - Conclui-se, por isso, que a oposição de acórdãos deve ser resolvida no sentido preconizado pelo douto acórdão fundamento.
Termina pedindo o provimento do recurso e que, julgando-se verificada a invocada oposição de acórdãos, seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que decida em termos consonantes com o acórdão fundamento.
1.5. A recorrida A…… apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo: a). Insurgindo-se contra a decisão constante do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, o qual considerou que foi preterida no procedimento a formalidade prévia essencial de audição do interessado, vem agora a Recorrente apresentar recurso por oposição de acórdãos, nos termos do artigo 284.º do CPPT; b). Sucede que o acórdão do Tribunal a quo não só não se encontra em oposição com o acórdão relativamente ao qual a Recorrente restringiu o objecto do presente recurso, como também tal não sucede em relação a qualquer um dos outros acórdãos por aquela indicados no requerimento de interposição de recurso; c). De facto, para que possa concluir-se pela existência de oposição entre acórdãos, devem verificar-se certos requisitos, entre os quais, como é entendimento...
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